Mais uma grande feira tecnológica, mais uma mão cheia de elogios.
“Esta foi a melhor aplicação e desenvolvimento que nós vimos integrada com o Kodi no mundo”, disseram os responsáveis do Kodi à Quidbox durante a IFA 2016. O Kodi é um software em código aberto e um dos mais populares programas do mundo para reprodução de filmes e séries. Já a Quidbox é uma startup portuguesa sediada em Braga que decidiu integrar o Kodi de origem no seu produto, a Tbee.
Na prática a Tbee é uma box multifunções baseada em Android que consegue trazer maior inteligência aos televisores – sejam eles smart ou não. Mas sobre o hardware em específico já voltaremos a falar pois a história da IFA não terminou.
A equipa do Kodi gostou tanto do projeto que pediu à Quidbox uma unidade da Tbee para a poderem mostrar num encontro de programadores que vão ter em breve, como exemplo de uma implementação diferente para o software. Se este momento podia ter sido suficiente para encher a mala de regresso com algum ego, na IFA e com outra entidade aconteceu ainda melhor.
“Posso dizer-lhe em primeira mão que tivemos a nossa segunda oferta de compra da empresa na IFA. Foi cinco vezes mais do que a primeira oferta nos EUA”, explicou o diretor executivo da Quidbox, Paulo Silva, numa entrevista por Skype com o FUTURE BEHIND.
‘Podemos saber de que valores estamos a falar?’, perguntámos, ao que o porta-voz da startup respondeu: “Milhões”.
Se prestou atenção já houve uma primeira tentativa de aquisição à Quidbox. Foi em 2014, três meses depois da versão protótipo da box ter sido distinguida na Consumer Electronic Show, nos EUA, como um dos equipamentos de hardware mais inovadores da feira. A proposta foi feita por um fundo de investimento.
Estes dois momentos são separados acima de tudo por um reposicionamento da startup portuguesa e que culminam agora no lançamento da Tbee. A distinção na CES trouxe-lhes um grande mediatismo, mas também obrigou a empresa a ter um maior sentido de mercado.
“Os cinco primeiros minutos foram de euforia, a primeira empresa portuguesa a ser distinguida por eletrónica de consumo na maior feira mundial. No dia seguinte quando acordei tive a consciência de dizer ‘bem, agora tenho aqui um legado em cima das costas e tenho de mostrar aquilo que nós valemos’.”
“Daí o compasso de espera e de termos recuado para dizer ‘não, o produto quando chegar ao mercado tem de chegar ao mercado com condições diferentes’. E de facto orgulha-nos e a mim pessoalmente, porque no fundo vejo este projeto – começou na minha cabeça e as coisas materializaram-se – de estar a fazer demonstrações a clientes internacionais e ouvir ‘uau, it’s amazing’”.
O que vemos hoje na Tbee é justamente isso: uma box para televisores mais terra-a-terra que está pensada para diferentes utilizadores e para diferentes formatos de utilização.
O conceito
Se na teoria a Tbee é uma box Android como tantas outras, existem elementos no sistema que ajudam a desconstruir logo esta ideia. Em primeiro lugar é uma versão personalizada do Android e cujo interface foi trabalhado para ser simples na sua utilização.
Do lado esquerdo os utilizadores vão encontrar as aplicações que mais usam, enquanto do lado direito vão encontrar os restantes serviços da box divididos em categorias. O objetivo é que o utilizador não precise de dar muito mais do que dois cliques no telecomando para chegar onde quer neste menu de utilização.
A integração de raiz do Kodi abre um número quase infinito de possibilidades de exploração de canais online e evita que esta tenha de ser uma instalação externa, o que por vezes dificulta a vida aos utilizadores não tão versados em tecnologia.
“Se me permitir dizer só uma frase, a forma mais simples que tenho para resumir a Tbee é assim: as outras boxes Android que existem no mercado são feitas para pessoas como eu que são geeks. Esta box é a primeira box feita para humanos”, defendeu Paulo Silva.
“E o que é que quero dizer com isto? Quando digo na brincadeira que é feita para humanos quero dizer que o que esteve por trás disto tudo foi o princípio de ser muito simples, muito user friendly, as pessoas tinham que rapidamente conseguir trabalhar com esta box, de tal forma que mesmo que seja um infoexcluído – estamos a falar de pessoas com mais idade – tivesse através deste equipamento a oportunidade de ser incluído também nas novas tecnologias”.
Como tem na sua base o sistema operativo Android é como se tivesse, na prática, um smartphone ligado ao televisor. Pode ter acesso a todas as aplicações e conteúdos que estão disponíveis no Google Play: redes sociais, videojogos, Spotify, Skype, serviços de armazenamento na cloud, Netflix, Youtube… virtualmente todos os serviços dos quais se conseguir lembrar.
A interação com a box pode ser feita de quatro formas: através dos botões físicos de navegação no comando; usando o comando como uma ‘varinha mágica’ pois existe um reconhecimento do seu posicionamento; através de gestos manuais pois a câmara integrada na box também faz este reconhecimento; ou através de comandos de voz.
A Tbee suporta conteúdos em Ultra HD, mas ainda não suporta conteúdos em HDR
A tecnologia de reconhecimento gestual foi desenvolvida ‘dentro de portas’ pela Quidbox e funciona mesmo em ambientes de baixa luminosidade, desde que exista pelo menos um candeeiro aceso. Na escuridão total esta funcionalidade não está disponível.
Para isso era necessário ter um conjunto de sensores de imagem que também fizessem a leitura de infravermelhos – algo que a box original da Quidbox tinha, um sensor semelhante ao Kinect da Xbox, mas que colocaria o seu preço de comercialização perto dos 500 euros.
Com o recurso a uma câmara 2D a equipa de oito elementos da Quidbox conseguiu fazer com que a Tbee tenha um preço de mercado de 180 euros no lançamento. “Queremos ter aqui um preço muito competitivo em termos de entrada do mercado e nunca podemos usar, por exemplo, grandes custos em termos de hardware. Se queremos um produto para massas estamos um pouco condicionados”, explicou Paulo Silva.
Já na área da pesquisa por voz houve um misto de inovação interna e de ligação com o serviço de pesquisa do Google. Aqui percebe-se facilmente a opção: a Quidbox não vai ser só vendida para Portugal, pelo que o reconhecimento de voz da Google baixou e muito a barreira de desenvolvimento tendo em conta mais mercados.
A dificuldade
Num mercado como o português a Tbee tem logo à partida uma grande dificuldade: tentar convencer consumidores que já têm algum tipo de box em sua casa. Na esmagadora maioria das casas – mais de 80% de acordo com a ANACOM – existe uma box do MEO, da NOS, da Vodafone ou da NOWO.
Mas o objetivo da Tbee não é ser um concorrente direto destas boxes, mas antes um complemento. É possível, por exemplo, ligar a box do operador à Tbee e ter todos os canais e todas as funcionalidades originais intactos. E com a ligação à Tbee ganha acesso aos canais do Kodi e às aplicações Android por exemplo.
Outro exemplo: a Tbee pode ser usada como box secundária para outros televisores que as pessoas tenham em casa. Para terem acesso aos canais da box principal hoje em dia basta instalar uma das aplicações que os vários operadores disponibilizam para que seja possível ter todos os canais em múltiplos ecrãs.
Dito assim até parece que havia a hipótese de um casamento perfeito entre a Quidbox e a os operadores de telecomunicações. Mas não foi isso que aconteceu.
“Nós mostramos a nossa box aos operadores. Continuamos com conversações com os operadores. Podemos vir a resolver um problema que para o consumidor final é uma resolução de problema e as operadoras podem olhar para aquilo como uma oportunidade, mas também para perderem negócio”.
Paulo Silva considera que atualmente da mesma forma que o utilizador pode escolher os equipamentos através dos quais faz as suas comunicações – como o smartphone -, uma hipótese de escolha também devia ser dada nas boxes para os televisores.
“Eles colocam lá a box e você diz assim: ‘eu queria ter esta box, para mudar os canais, ver as gravações e andar para trás, mas queria outras funcionalidades, que as boxes servisse para fazer outras coisas‘. Na realidade não existe opção. Vai ao mercado e diz: ou uso esta ou não posso usar. Aquilo que viemos trazer é uma opção, uma alternativa. […] Aquilo que estávamos a propor aos operadores era: utilizem a nossa box como alternativa. […] Não estamos a dizer que é para toda a gente, mas para quem quer mais funcionalidades”.
A Tbee tem 8 GB de armazenamento, HDMI In e Out, e o comando vem com um teclado QWERTY incorporado
Os operadores seriam um parceiro importante de negócio, sem dúvida, mas a forma como a Tbee foi pensada permite-lhe ter interessados de diferentes segmentos de negócio: telecomunicações, saúde, hotelaria, entre outros.
Até ao final deste ano a Quidbox espera vender entre 10 a 15 mil unidades da Tbee. Já a partir do próximo ano o objetivo é conseguir vender dez mil boxes por mês.
Por agora a Tbee pode ser comprada diretamente através do seu site online, estando a Quidbox a fechar acordos de distribuição com as grandes marcas distribuidoras de eletrónica de consumo e também com lojas onde são comercializados serviços de telecomunicações. Ao longo das próximas semanas poderão ser oficializadas estas parcerias.
Fast forward no comando da Tbee
Uma das ideias que a Quidbox tinha no seu projeto inicial era fazer o reconhecimento do utilizador e através deste método poder entregar publicidade direcionada. Se fosse um homem podiam surgir anúncios de lâminas de barbear. Se fosse uma mulher podiam ser anúncios de cremes depiladores. Se fosse uma criança podiam ser anúncios de brinquedos.
Esta concretização obrigava a ter o tal sensor de imagem poderoso que já não existe na versão atual da Tbee. Mas isso não significa que a exploração de novos formatos de publicidade tenha sido posta de parte pela Quidbox.
“Se eu vejo publicidade eu quero ter algo em troca. O meu conceito de publicidade é: ok, nós podemos pôr publicidade na televisão. Aquilo que o utilizador agora anda à procura, conseguimos ter essa informação. Mas o utilizador tem de ganhar com isso. Mas o que é que vai ganhar? Pode ganhar uma subscrição do Netflix por exemplo. E neste momento ninguém lhe paga para ver publicidade”.
Quer isto dizer que no futuro, enquanto vê séries ou filmes, em vez de publicidade alheia, pode ter publicidade, por exemplo, às séries e filmes do Netflix. Ao fim de X visualizações o utilizador ganharia acesso a um mês gratuito do serviço.
“Ou então ter uma entidade que está a patrocinar determinado filme. Vai ver o filme, não paga, porque é patrocinado por uma entidade. Obviamente que depois vai ver publicidade, mas vai ver o conteúdo que quer, que gosta e já que é gratuito”, detalhou num outro exemplo Paulo Silva.
Atualizar a Tbee é tão simples como fazer a atualização de uma aplicação pois é tudo definido através de software. A possibilidade de a box ser usada para controlar os diferentes gadgets da casa inteligente é também uma das possibilidades que está em cima da mesa. Tem é tudo de ser feito para humanos, tal como a Tbee está projetada.
“Nós simplificamos o uso, simplificamos muito, transformamos a experiência de TV em algo simples, não mais do que dois cliques para escolher qualquer coisa. Falar, gestos, esta é a comunicação natural dos humanos”.