É assim que a SpaceX pretende iniciar a colonização de Marte

A tecnológica norte-americana revelou hoje como pretende concretizar o seu plano de colonização do planeta vermelho. A SpaceX tenciona desenvolver aquilo que chama de Sistema de Transporte Interplanetário, uma combinação de um foguetão, um abastecedor e uma nave espacial de proporções gigantes.

Neste vídeo a empresa explica como funciona a sua proposta.

O vídeo foi revelado uma hora antes da apresentação oficial do novo sistema de transporte feita por Elon Musk  no México. “O que estamos a fazer aqui é mostrar que marte é possível, que é atingível no nosso tempo de vida”, defendeu o empreendedor.

O vídeo é apenas um conceito e pode não representar o projeto na sua versão final. Mas desmontando as diferentes informações que é possível ver, isto é o que sabemos.




O Sistema de Transporte Interplanetário da SpaceX pode levar cerca de cem pessoas a bordo. Será composto por um foguetão com 12 metros de diâmetro, sendo que a componente da nave espacial terá 17 metros de diâmetro. Em conjunto as duas partes terão uma altura de 122 metros – consegue ser maior que o New Glenn da Blue Origin e maior que o Saturn V, o maior veículo espacial alguma vez construído, com 110 metros de altura.

O sistema de propulsão mostrado no vídeo é composto por 42 propulsores Raptor, os mesmos que a SpaceX começou a testar esta semana. Em conjunto serão capazes de produzir 13 mil toneladas de força que serão necessários para colocar o ‘monstro’ em órbita. O sistema de voo da SpaceX consegue suportar pressões aerodinâmicas de 3.500 Km/h.

No espaço o foguetão e a nave principal separar-se-ão. O foguetão regressa à terra, pousa e é-lhe colocado um tanque de reabastecimento de grandes proporções em cima. O foguetão parte novamente para o espaço.

A viagem de regresso à Terra do foguetão será apenas de 20 minutos

Não muito longe do planeta Terra a nave espacial estará ‘estacionada’ à espera do reabastecimento. A nave principal depois liga-se em órbita ao tanque reabastecedor. Através deste processo, é possível reduzir os custos totais da viagem entre cinco a dez vezes e o tamanho do veículo espacial também é reduzido, defendeu Elon Musk. O processo terá de ser repetido entre quatro a cinco vezes.

Depois de feito o reabastecimento, tanto o tanque como o foguetão principal regressam à Terra. A nave em órbita começa a sua viagem a caminho de Marte e para isso vai usar painéis solares gigantes como fonte alternativa de alimentação e propulsão. Estes painéis solares serão capazes de gerar 200 kW de energia de acordo com as previsões da SpaceX.

A nave fará posteriormente uma entrada ‘de peito’ na atmosfera marciana e vai também ter um sistema de amartagem que lhe permitirá ficar de pé. Desta forma estará pronto para a viagem de regresso à Terra assim que em Marte tiver sido produzido o primeiro reabastecimento de combustível.

Na imagem a SpaceX diz que cada nave poderá realizar um total de 12 viagens para Marte antes de ser descontinuada. #Crédito: SpaceX

Elon Musk é um homem ambicioso. Não só quer colonizar Marte durante o nosso tempo de vida, como pretende fazê-lo de forma a que seja ‘relativamente’ acessível para as pessoas. Atualmente, com as tecnologias e os métodos que estão disponíveis, levar uma pessoa a Marte custa 10 mil milhões de dólares. Elon Musk pretende reduzir esse custo para 200 mil dólares por pessoa.

“O que viram ali será muito próximo daquilo que vamos construir. Isto é o que planeamos com que se pareça”, exclamou o diretor executivo da SpaceX durante a apresentação, vincando claramente que esta não é simplesmente uma simulação gráfica bonita, mas sim o verdadeiro objetivo da empresa.

Quatro passos para o sucesso

De acordo com Elon Musk existem quatro factores cruciais para o sucesso deste plano. O primeiro é a possibilidade de todas as partes serem reutilizáveis, a única forma de manter os custos de deslocação acessíveis. Se cada Sistema de Transporte Interplanetário apenas pudesse realizar uma viagem de ida e volta, então o sonho de colonizar Marte seria muito mais difícil de concretizar.

O segundo ponto essencial é o passo de reabastecimento em órbita. Caso a nave já tivesse de sair do planeta Terra com todo o combustível necessário, então o tamanho final do veículo espacial seria muito superior aos 122 metros previstos.

Esta imagem é uma representação à escala real do novo veículo da SpaceX em comparação com o tamanho de um homem. #Crédito: SpaceX

O terceiro passo é a produção de combustível em Marte. Elon Musk disse que a única forma de convencer muitas pessoas de irem para o planeta vermelho é garantindo-lhes uma possibilidade de regresso. Para que isso aconteça será necessário criar um sistema de reabastecimento em Marte que permita que as naves espaciais tenham condições para voltar para a Terra.

Uma viagem Terra-Marte durará 80 dias de acordo com as expectativas de Musk. Numa fase posterior poderão durar apenas 30 dias. A nave terá restaurantes, cinemas e experiências de gravidade zero.

O passo final está justamente no combustível. Terá de ser uma mistura que dê potência, que tenha um bom rácio de consumo e que seja produzível nas atuais condições de Marte.

Os objetivos de Musk

Ao longo da apresentação de Musk é como se estivéssemos a ouvir um miúdo a falar do seu sonho de infância. O CEO da SpaceX recebeu uma grande ovação quando disse que tudo o que tem feito para ganhar dinheiro tem apenas um objetivo: levar o ser humano até Marte e tornar o homem numa espécie multiplanetária.

“Espécie multiplanetária” é mesmo o termo-chave de toda a apresentação de Elon Musk. O empreendedor norte-americano pode ter acabado de revelar o plano para uma possível colonização de Marte, mas já existe mais ambição associada.

Na prática o que Elon Musk pretende a longo prazo é que o sistema usado para levar humanos para o planeta vermelho possa estar um pouco espalhado por todo o Sistema Solar, o que permitiria visitar diferentes planetas e satélites naturais com relativa facilidade. Musk diz que as naves pensadas pela SpaceX terão essa capacidade física.Mas antes de tudo isso será preciso ‘assentar arraiais’ em Marte. A SpaceX pretende criar um fluxo de viagens tão vasto quanto o possível para criar uma cidade autossustentável – Musk estima que para atingir este estado serão necessários entre 40 a 100 anos de desenvolvimento em Marte e um total de um milhão de pessoas.

Os timings

Elon Musk é conhecido por não conseguir cumprir os prazos com os quais se compromete. Mas durante a apresentação de hoje, 27 de setembro, avançou com alguns números que vale a pena termos em conta. Nos próximos dois anos a tecnológica norte-americana tenciona acabar o desenvolvimento do foguetão Falcon 9 e também terminar o veículo espacial Dragon-Two.

Durante esta fase a SpaceX apenas vai gastar algumas dezenas de milhões de dólares no desenvolvimento do Sistema de Transporte Interplanetário. Depois desta fase o investimento passará para a casa das centenas de milhões de dólares.

Em 2018 será enviada a primeira cápsula Dragon-Two para o planeta vermelho. Em 2020 a SpaceX já pretende começar a testar os voos orbitais do Sistema de Transporte Interplanetário. Algures entre 2022 e 2023 será enviada a primeira nave para Marte.

A primeira nave terá provavelmente o nome de Heart of Gold, uma referência à série  Hitchhiker’s Guide to the Galaxy de Douglas Adams

Os desafios em Marte

Falar do novo projeto da SpaceX neste momento é replicar as intenções e as ideias da empresa. Existem várias dúvidas que serão respondidas – muitas delas poderão levar anos até terem uma resposta. Sobretudo: como vão sobreviver os humanos em Marte?

Quando questionado sobre este aspeto Elon Musk foi mais pragmático e menos visionário. Na prática o empreendedor norte-americano quer que a sua empresa seja a companhia de transporte para o planeta. Todas as restantes oportunidades-desafios associados devem ser explorados por outras entidades que estejam tão interessadas em chegar a Marte como a SpaceX.

Dito assim pode parecer que Elon Musk só garante a viagem e não a estadia. Mas bem dita a verdade, Elon Musk só está por agora preocupado com a questão da viagem pois sem viagem nem sequer se coloca a hipótese de estadia.

A SpaceX não quer estar sozinha nesta mega-missão de colonizar Marte. E isso também diz respeito ao financiamento. Elon Musk disse esperar que esteja seja um esforço coordenado entre entidades públicas e privadas – ou seja, poderá haver financiamento direto de países e financiamento direto de empresas.

Durante o evento, que chegou a ter mais de cem mil pessoas a assistirem em simultâneo através do YouTube, Elon Musk foi respondendo a todo o tipo de questões que lhe colocaram. #Crédito: SpaceX

Ainda assim um dos grandes desafios não recairá tanto do ponto de vista tecnológico, mas do ponto de vista humano. Elon Musk considera que qualquer pessoa poderá fazer a viagem para Marte e que apenas necessitará de alguns dias de treino. Já do ponto de vista psicológico terão de ser mais fortes. “Os riscos de fatalidade serão grandes na primeira viagem. Quem for terá de estar preparado para morrer”, vincou o CEO.

Não será a forma mais romântica de terminar um artigo de um projeto desta envergadura. Mas talvez seja a forma mais séria de o fazer.

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
Artigo sugerido