O presidente da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), Luís Ribeiro, admitiu ontem que o registo de drones pode vir a ser integrado na lista de regras que definem a utilização de drones em Portugal.
“Nós estamos a estudar métodos de registo para ver se conseguimos responsabilizar mais as pessoas”, disse Luís Ribeiro durante o programa Prós e Contras, que juntou várias entidades e especialistas em aeronaves não tripuladas. Em causa estava a discussão dos vários avistamentos de drones feitos por pilotos de aviões durante o mês de junho, sobretudo junto ao Aeroporto de Lisboa.
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Apesar de deixar em aberto a possibilidade de uma remodelação no regulamento que já está em vigor, o presidente da ANAC também explicou que o simples registo dos drones, por si só, pode não surtir efeitos dissuasores na má utilização destes aparelhos.
“O registo só é efetivo se conseguirmos identificar o piloto ou capturar o drone. A tecnologia de identificação à distância não existe”, ressalvou.
Luís Ribeiro foi acima de tudo um defensor das regras que já estão definidas para Portugal. “Se o regulamento for cumprido, não haverá problemas de segurança. (…) As regras existem, mas é muito difícil controlar estes aparelhos. Não é como identificar um carro que está ao nosso lado na estrada, é um objeto com menos de um metro, a vários metros de altitude e com um controlador a um ou dois quilómetros de distância”, defendeu.
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O presidente da Associação Portuguesa de Aeronaves Não Tripuladas (APANT), Gonçalo Matias, partilhou da opinião do líder da ANAC. “O registo é uma peça chave quando falamos de aeronaves não tripuladas. Está identificado pela União Europeia como um passo a dar”, referindo-se à legislação que está a ser preparada para os 28 países Estados-Membros, mas que só deverá entrar em vigor em 2019.
“Mas o registo eletrónico sem esta capacidade de fazer reconhecimento à distância pode ser pouco eficaz”, reconheceu.
Acontece que para os drones serem identificados como são, por exemplo, os aviões, teriam de incluir tecnologias próprias que permitissem essa identificação à distância – algo que não acontece atualmente nos drones de caráter mais comercial.
Existem ferramentas tecnológicas em prática para mitigar a utilização perigosa de drones – como as ferramentas de geofencing integradas de origem ou as armas que anulam as comunicações sem fios dos drones -, mas são métodos que ou podem ser subvertidos ou não representam uma forma 100% segura de anulação das aeronaves.
Sobre a falta de um sistema de identificação à distância, o presidente da Navegação Aérea de Portugal, Albano Coutinho, foi perentório: “Os drones não estão equipados nem têm de estar, pois não é permitido voarem em espaço aéreo controlado”.
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Dos casos que foram reportados em Portugal todos dizem respeito a avistamentos feitos por pilotos e nenhum feito por controladores aéreos. “A leitura é muito simples: se em qualquer uma destas situações reportadas o operador do drone cumprisse o regulamento, estes casos não teriam acontecido”, avaliou.
Acontece é que as regras estão a ser transgredidas: o presidente da ANAC confirmou mesmo um avistamento acima dos 900 metros de altitude, um nível de voo pouco comum para os drones comerciais mais populares.
Luís Ribeiro revelou ainda no programa que tem conhecimento de contraordenações instauradas pelas forças policiais relacionadas com a má utilização de drones, mas nenhuma das quais está relacionada com estes avistamentos mais recentes.
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A Tekever, tecnológica portuguesa que trabalha no segmento dos drones, diz que a legislação que existe em Portugal é suficiente. O CEO da empresa, Pedro Cinogas, fala na necessidade de sensibilização da comunidade e, usando o exemplo dos carros, quis passar a mensagem de que não é por existir maior regulação que vai haver menos incidentes – a decisão final estará sempre dependente da ética dos utilizadores.
Comentando mais tarde a hipótese de ser exigida uma formação aos pilotos de drones, Pedro Cinogas completou a sua ideia inicial. “A formação tem que ser proporcional ao risco. Se pusermos requisitos muito altos, vamos aumentar o número de ilegalidades”.
O licenciamento dos operadores foi justamente o ponto mais defendido pelo advogado Paulo Moura Marques. Na opinião deste especialista, o problema não está nos drones ou nas limitações tecnológicas, mas está na ausência de regras que exijam uma formação para pilotar drones.
“O licenciamento do operador é talvez o elemento mais importante. Esta é uma questão de operadores, há pessoas que não estão a cumprir quando a maioria cumpre. Claramente isto tem de ser pensado”, defendeu.
Recorda-se que no rascunho inicial para a legislação de drones em Portugal, apresentada em 2015, a ANAC – na altura INAC – pretendia o registo dos drones, dos pilotos e também a necessidade de o piloto ter uma ‘carta de condução’ para os drones.
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Gonçalo Matias da APANT disse concordar em parte com a ideia da formação, mas apenas para operações mais complexas, defendendo que não fará grande sentido exigir uma formação a alguém que voa um drone a apenas cinco ou dez metros do solo por motivos de lazer.
Por fim o professor universitário e piloto Miguel Silveira pediu uma atitude mais pró-ativa relativamente aos incidentes que têm sido registados. Disse ser necessário “o envolvimento das autoridades, uma task force que atue rapidamente, sempre que seja reportado um avistamento”. “Enquanto não chegarmos ao operador, isto não vai parar. Não é com paninhos de água quente ou campanhas de sensibilização”, vincou durante o programa.
Que conclusões há a tirar deste debate?
Apesar de existirem diferentes pontos de análise, não houve posições extremadas sobre o que está ou pode vir a ser feito. Os pilotos de drones em Portugal já tem regras para cumprir, regras essas que seriam eficazes se fossem respeitadas. Difícil é fazer a fiscalização do regulamento em vigor.
Todos reconhecem que Portugal é um país pioneiro na criação de regras para a utilização de drones, mas também houve um sentimento geral de que essas regras podem ser melhoradas, sobretudo através do registo dos drones e da necessidade de licenciamento e formação para os operadores – mesmo que não seja para todas as atividades de utilização, mas sim as mais complexas.
Apesar de ter sido revelado que a ANAC está a estudar a hipótese de registo obrigatório de drones em Portugal, não foram revelados mais detalhes sobre que formato pode este registo ter ou sobre quando pode ser colocado em prática.
Esperar pelas regras europeias pode significar quase mais dois anos de espera. Mas se o tema de debate ontem já foi sobre a preocupação que existe sobre a má utilização de drones, fruto de um volume anormal de incidentes, esperar dois anos por novas regras pode ser um período demasiado grande para um problema que já começa a ser bastante vincado.