Vamos fazer uma pequena experiência. Pegue no smartphone e descarregue a aplicação Next Reality [Android ou iOS]. Quando iniciar a aplicação pela primeira vez introduza o código 123 no campo de pesquisa. É possível que o smartphone lhe peça uma atualização para o conteúdo. Quando estiver tudo feito deverá entrar automaticamente num modo de câmara em tempo real. Se estiver a ler num computador aponte o smartphone para a imagem abaixo. Se estiver num smartphone terá de arranjar um segundo dispositivo de apoio.
O que viu? Se tudo foi feito de forma correta então viu uma casa 3D sobreposta ao mundo físico. Primeiro fechada e depois aberta, onde é possível espreitar as diferentes divisões da habitação. Esta é uma experiência de realidade aumentada conseguida através de um smartphone e que funciona sem uma grande barreira tecnológica.
A Next Reality é uma plataforma desenvolvida pela empresa portuguesa IT People Innovation, que tem feito uma grande aposta no segmento da realidade aumentada. É um dos campos tecnológicos mais em voga – a par da realidade virtual – e promete ser uma das tecnologias que mais vai movimentar o sector nos próximos anos.
A Next Reality acaba por funcionar quase como uma loja de experiências de realidade virtual. O utilizador tem acesso ao código e a uma brochura ou imagem. O smartphone consegue reconhecer determinados pontos na imagem que são depois lidos pela aplicação para ‘interpretar’ o elemento digital associado. O objetivo é que as empresas possam ter espaços próprios com experiências de realidade aumentada que podem distribuir pelos seus clientes de forma simples e rápida.
“Realidade aumentada é aumentar a realidade. É eu ter um objeto, ter algo físico e fazer com que a tecnologia consiga disponibilizar conteúdo digital para complementar o conhecimento daquele objeto. Quando digo conhecimento eu vou a um museu, tenho uma aplicação que permite visitar o museu de forma mais interativa. Olhando para o artefacto, mais do que ele tem para dar em termos de texto. E como não tenho mais espaço no museu, uso realidade aumentada”.
A explicação é do diretor de inovação da IT People Innovation, Nuno Silva. A marca Next Reality nasceu há dez anos e há seis que estão a ser desenvolvidos projetos de realidade aumentada. Mesmo tendo um interesse que este segmento esteja em tendência, Nuno Silva lembra e bem que a realidade aumentada já existe há vários anos.
Um exemplo de realidade aumentada que as pessoas conhecem certamente: a famosa linha do fora-de-jogo nos jogos de futebol. Quando está a ver a transmissão em direto e o emissor analisa com a ajuda de uma linha o posicionamento dos jogadores, isso é nada mais do que realidade aumentada.
Aquilo que está a acontecer é que a realidade aumentada está a evoluir em maturidade, na qualidade dos conteúdos e também na proximidade com as pessoas.
Agora um exemplo de realidade aumentada mais em linha com os dias modernos: Pokémon GO. O jogo desenvolvido pela Niantic, pela The Pokémon Company e pela Nintendo permite que os utilizadores usem os seus smartphones para capturar pokémon no mundo real. Pense no local mais famoso da sua localidade e é provável que exista por lá algum pokémon a passear.
Pokémon GO já teve mais de 500 milhões de downloads
Mas estes dois exemplos acabam por representar o lado mais lúdico da realidade aumentada. Aquilo que a IT People tem feito neste segmento explica-se com outras palavras: “[A realidade aumentada] É uma ferramenta de trabalho digital para alcançar objetivos”.
A magia branca da Next Reality
“Olho para a educação, para um livro de matemática e vou estudar eixos cartesianos. Vamos estudar trigonometria. Muita da dificuldade que existe no estudo da trigonometria é não conseguir ver no espaço. E na altura este raciocínio levou-me a pensar: ‘e porque não eu conseguir nesta leitura que estou a aqui a ver, ver o objeto dimensional através de um aparelho’. Na altura lembro-me que havia aqueles Symbians, que tiravam fotografias”.
Foi desta forma que nasceu o desejo da IT People Innovation em começar a explorar o segmento da realidade aumentada, como explicou em entrevista ao FUTURE BEHIND o seu diretor de inovação. “Acredito mais na realidade aumentada como uma ferramenta de trabalho digital que ajuda e que seja útil para o consumidor. […] Isto é útil, permite-me que conheça mais sobre algo. Criar utilidade. Criar formas de chegar ao público e dizer ‘preciso disto na minha vida porque isto é útil’”.
“Eu não acredito no mundo digital, e passo a expressão, que vai engolir o mundo real. Não acredito nisso porque somos humanos. E precisamos de estar e de ser. Nesse sentido é importante darmos importância à realidade. O digital – e sou engenheiro de profissão, adoro zeros e uns, adoro binário -, mas também tenho o outro lado, que é o lado de sentir os pés na terra e gostar do real, gostar da natureza. A realidade aumentada se formos ver é claramente um complemento da nossa realidade. Eu não consigo ter realidade aumentada sem realidade. Não consigo ter digital sem ter realidade”, salientou Nuno Silva.
Esta explicação ajuda a perceber o porquê de a empresa ter preferido seguir o caminho da realidade aumentada e não o da realidade virtual que até parece estar mais na moda – basta ver os esforços de grandes tecnológicas como a Google, o Facebook ou a HTC.
A IT People Innovation também está a trabalhar com realidade virtual, mas como forma de complementar as suas experiências de realidade aumentada.
A empresa tem uma equipa de 20 pessoas que tanto desenvolvem experiências de realidade aumentada, como fazem desenvolvimento web ou de aplicações
A tecnológica portuguesa tem a plataforma Next Reality subdividida em categorias: ARchitech, para arquitetura; VisitAR, para museus; EducAR, para o ensino; e 4D Paper, mais focada no retalho e na venda de produtos. Com o ARchitech consegue, por exemplo, fazer um pouco aquilo que viu no início deste artigo: transformar uma simples brochura numa mini-casa que pode ser visitada. Mas quando o cliente quer mais imersão, é aí que dão o salto para a realidade virtual.
Atualmente a IT People já concretizou mais de 30 projetos de realidade aumentada, com o mercado nacional a levar clara vantagem e a representar cerca de 80% do negócio nesse segmento. Isto acontece pois a empresa está de facto a fazer uma maior aposta no mercado nacional e também europeu – Nuno Silva considera que é importante ter marcas europeias fortes nos segmentos tecnológicos emergentes e não perder outra vez a batalha nem para a Ásia, nem para a América.
O conceito de ‘marca forte’ é um através do qual as diferentes empresas estão a tentar rentabilizar as suas apostas na realidade aumentada. Nuno Silva explica que há empresas que começam por querer ter um canal na plataforma Next Reality – cujo investimento começa nos 150 euros -, mas há empresas que depois evoluem rapidamente para uma aplicação proprietária de realidade aumentada – onde o investimento já é superior a quatro mil euros.
É uma questão de branding, de marketing e de relacionamento com o utilizador. “Não é um post-it. É algo que ‘uau, eu vi aquilo, está na minha mão’. É uma componente interessante. Repare que nem eu nem a Mariana [da equipa de marketing] lhe mostramos nada [experiência de realidade aumentada]. Foi no seu telemóvel, a experiência foi consigo, não é um mágico, não é um senhor com um iPad todo preparado e artilhado. Isto é importante, passar para o outro lado o ónus da experimentação”.
Por exemplo, a CTT Correios de Portugal tem uma aplicação de realidade aumentada que permite aos utilizadores saberem mais sobre os selos. A IT People foi responsável pelo desenvolvimento e explica que esta aposta ajudou a empresa a captar algum interesse dos mais jovens pela filatelia – algo que parece quase impensável num mundo dominado por emails e redes sociais.
Qual a próxima realidade?
Nuno Silva acredita num futuro em que a tecnologia wearable vai ser tão poderosa e tão reduzida que será possível ter umas lentes de contacto de realidade aumentada. Ou seja, poderá estar a falar com uma pessoa e ver ao mesmo tempo as suas publicações nas redes sociais ou saber que universidade frequentou.
Quando questionado sobre o que falta para a realidade aumentada dar o verdadeiro salto de qualidade e popularidade, o diretor de inovação apontou para os dispositivos que estavam em cima da mesa. “Os smartphones precisam de melhorar”.
A entrevista com o FUTURE BEHIND aconteceu no dia após o lançamento dos novos iPhone 7 e Nuno Silva disse ter ficado desapontado. Sabendo que a Apple está interessada no segmento da realidade virtual, esperava que aquela parelha de câmaras dos novos iPhone tivesse um propósito mais prático.
“Infravermelhos? Nada. Para que é que quero infravermelhos? Se conseguir calcular o calor não preciso de marcadores pois eu sei que há ali uma parede. Duas câmaras. Para quê? Para que eu consiga colocar a realidade virtual e a realidade aumentada no mesmo espaço. Com duas câmaras estou a simular os meus olhos. Nada, zero, bola”.
Nuno Silva diz que está à espera que a Apple entre no segmento da realidade aumentada pois isso vai reforçar todo o ecossistema. A IT People Innovation nunca vai querer competir num segmento de hardware, por exemplo, mas vai querer explorar ao máximo a componente de software.
Os Google Glass foram pioneiros na forma como tentaram massificar a realidade aumentada. A falta de maturidade do projeto acabou por condená-lo ao insucesso.
“Estou à espera desse momento também, das grandes marcas apostarem, pois se as grandes marcas apostarem é como um Pokémon GO. Nós estamos cá”.
Já há uma ‘grande marca’ a apostar na realidade virtual. A Microsoft tem atualmente um dos projetos mais ambiciosos neste segmento através dos HoloLens, uns óculos que colocam à frente dos olhos dos utilizadores elementos digitais definidos, posicionados e interativos.
“Qual foi a nossa reação [apresentação dos HoloLens]? Fantástico, queremos uns, queremos ser parceiros, queremos desenvolver. Queremos fazer com que o nosso ARchitect funcione nos HoloLens”.
E assim foi. A IT People é agora parceira de desenvolvimento da tecnológica norte-americana na plataforma HoloLens. Ao desenvolver não só para esta plataforma, mas também para o ambiente mobile, por exemplo, a empresa está a tentar garantir um posicionamento privilegiado na possibilidade de um potencial futuro cliente precisar de uma experiência de realidade aumentada.
“No futuro vai haver realidade aumentada em todo o lado. E vai viver connosco. O que a vai distinguir? Hoje tenho este argumento: você tem realidade aumentada e consegue ser diferente do senhor que está ao lado. Como? Você tem algo que pode oferecer a mais e o senhor do lado não tem. Vou-lhe mostrar um exemplo crasso daquilo que lhe estou a dizer, para perceber depois o outro passo. Tem de ser por fases”.
A empresa Band-Aid aumentou as suas vendas em 400% graças a esta aposta na realidade aumentada. Até os miúdos que não tinham qualquer ferimento queriam os pensos rápidos para poderem brincar.
Isto para dizer que nos próximos três a quatro anos será a aposta ou não na realidade aumentada que vai ajudar a distinguir algumas empresas. Quando essa aposta já fizer parte do roteiro básico, então será a qualidade dos conteúdos que vai diferenciar.
Assim que as empresas despertarem para este segmento então vamos viver de facto numa next reality: haverá muito mais do que o mundo físico para ver, estaremos rodeados de elementos digitais. O mundo físico e o mundo digital vão fundir-se como nunca.