Com o Project Scorpio a Microsoft cria um híbrido entre smartphones e computadores

Durante longos anos as consolas reinaram de forma confortável no segmento dos videojogos. Quem fosse um jogador dedicado tinha na Nintendo, na PlayStation e na Xbox as melhores opções de jogo doméstico e também portátil. Muitos jogos, jogos exclusivos, jogos com uma grande otimização gráfica, jogos com inovações tecnológicas como os comandos com sensores de movimento, na prática, jogos para todos os gostos.

Agora os tempos são claramente outros. A qualidade tecnológica dos dispositivos móveis faz com que o Android e o iOS sejam as principais plataformas de gaming para dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo. Do lado dos computadores os videojogos souberam aproveitar os saltos tecnológicos constantes e há muito que jogos em 4K são uma realidade no PC. É também no computador que estão exclusivamente aqueles que são alguns dos jogos mais populares da atualidade, como League of Legends.




Justamente por a realidade ser outra é que a Microsoft decidiu criar a Xbox Scorpio como um conceito híbrido, isto é, uma consola que mistura os conceitos de smartphone e de computador – não no sentido do formato, mas no sentido da estratégia.

A ideia de que uma consola pode ter um ciclo de vida de sete anos é válida, mas não deve invalidar a ideia de que possam existir outras consolas pelo meio. A Sony Interactive Entertainment já concretizou esta ideia com o lançamento da PlayStation 4 Pro, mas a Microsoft foi ainda mais longe com o Project Scorpio, criando a consola doméstica mais potente de sempre.

Nas duas entrevistas que a Microsoft já deu sobre o Project Scorpio – a primeira ao Digital Foundry, a segundo ao Gamasutra – percebemos acima de tudo como o segmento dos smartphones e dos computadores influenciou o desenvolvimento desta nova consola.

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Os smartphones habituaram as pessoas a ciclos de atualização mais rápidos. Os computadores habituaram as pessoas ao gaming com a melhor das qualidades. O Project Scorpio vem justamente para fechar estes dois buracos e para evitar que o conceito de consola doméstica possa vir a cair numa espiral negativa.

“Isto vai tornar-se filosófico, mas: jogar, ao longo das décadas em que estive envolvido [neste mercado], tem sido sobre o dispositivo em primeiro lugar. E depois, quase sempre, o jogador em segundo lugar. Eu sou um jogador de consola. Eu sou um jogador de PC. Mesmo assim ainda jogo maioritariamente na consola. Por isso eu não penso que vais ver as consolas a afastarem-se”, disse o diretor da divisão Xbox, Phil Spencer, em entrevista ao Gamasutra.

O próprio Phil Spencer adicionou uma outra camada de entendimento à questão de ver o Project Scorpio como um sistema híbrido.

Renderização do kit de desenvolvimento do Project Scorpio. #Crédito: Gamasutra

“Mais do que em qualquer outra geração de consolas, mas talvez numa mudança surpreendente, as consolas de videojogos parecem-se mais com os Pc e com a maioria dos jogos mobile, mais do que nunca. Não visualmente, no caso dos jogos para smartphones, mas em termos de games as a service”.

Aquilo que Phil Spencer defende é que independentemente do sistema de jogo que o utilizador tiver, deve poder ter acesso aos videojogos que fazem parte desse conceito de gaming. Hoje qualquer pessoa com um Samsung Galaxy S8, por exemplo, pode experimentar sem problemas o primeiro de todos os Angry Birds. Hoje quem tiver um Lenovo Legion Y720 pode experimentar o primeiro Age of Empires.

Mas quem tem uma consola moderna perde muitas vezes o catálogo que já tinha construído noutros sistemas de jogo e da mesma família de consolas. É justamente isto que a Microsoft pretende mudar. Já começou a fazê-lo com a disponibilização de dezenas de jogos da Xbox 360 na Xbox One e agora quer trabalhar melhor ainda esta retrocompatibilidade com o Project Scorpio.

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“Esta ideia de que existem jogos que simplesmente são muito influentes e que as pessoas deviam poder jogar, e não ficarem com eles fechados numa determinada geração de hardware, é um dos nossos objetivos. É um objetivo difícil, mas é um objetivo. E é um objetivo que vês a funcionar no PC (…) e penso que há algumas coisas que podemos alavancar e aprender com o que acontece no PC, quando pensamos numa consola”.

“Queria tentar evoluir a nossa capacidade de ter o melhor dos dois. Jogos antigos que funcionam bem, jogos novos que são inovadores e plataformas de hardware que podem escalar”, explicou Phil Spencer.

Um dos aspetos mais importantes nesta matéria é o facto da Microsoft não tornar obrigatório o desenvolvimento de jogos que tirem proveito das specs da Scorpio. Se daqui a dois anos um programador quiser lançar um jogo apenas a tirar partido das características da Xbox One, a tecnológica não terá qualquer problema com isso. Na perspetiva de Phil Spencer haverá um certo orgulho e ambição no processo de desenvolvimento que vai colocar os programadores e os estúdios a trabalharem para o hardware mais potente. Mas o processo de desenvolvimento terá de ser sempre uma escolha, não uma obrigação.

Por outro lado, quem estiver a desenvolver para a Scorpio terá de estar a desenvolver com a Xbox One também na cabeça.

“Essa é normalmente a questão social que me colocam: ‘não estás a atrasar os programadores ao pedires que suportem a Xbox One quando suportam a Scorpio?’”, começou por dizer Phil Spencer, para depois detalhar:

“Isto é o que vamos pedir: tens de suportar a Xbox One, a Xbox One S e a Scorpio quando lanças o teu jogo na Xbox One. Mas a verdade é, os únicos programadores que direcionam apenas para uma plataforma são os first-party. Todos os outros programadores estão a desenvolver para a PlayStation 4, PlayStation 4 Pro, Xbox One, Scorpio, PC e provavelmente para a Switch, depois do bom começo que a consola teve. Os programadores aprenderam a criar as suas próprias ferramentas e o seu roteiro para suportarem múltiplas capacidades enquanto constroem esses jogos”.

Se na altura em que o Project Scorpio foi revelado pela primeira vez a Microsoft criou alguma confusão, sobretudo ao nível da decisão do consumidor, agora parece mais claro do que nunca a estratégia que a empresa tem para as suas consolas.

Vários protótipos do Project Scorpio que já estão a ser utilizados pelos programadores para criarem os primeiros projetos dedicados para o sistema de jogo. #Crédito: Gamasutra

As consolas estão a seguir as pisadas dos smartphones: vão existir diferentes máquinas, com diferentes capacidades, com diferentes preços e que respondem a diferentes necessidades. Nem todas as pessoas vão tirar partido de todo o poder que existe num LG G6, pelo que podem escolher um Alcatel A5 LED. Nem todas as pessoas vão querer ter uma consola com 6 teraflops de potência gráfica, pelo que poderão optar pela Xbox One ou pela Xbox One S.

Ao garantir que os jogos estão disponíveis nas três consolas, a Microsoft liberta o consumidor daquela pressão de ‘vou perder alguma coisa se não comprar esta consola’. Sem esta pressão, o utilizador pode simplesmente escolher o sistema de jogo que está mais em linha com o seu perfil de jogador e com a sua carteira. Sim, no futuro com a evolução tecnológica haverá jogos que apenas serão compatíveis com o Project Scorpio, mas quando isso acontecer, então é porque também já está na hora da Scorpio passar a ocupar o lugar da Xbox One S.

Dentro da estratégia atual, o Project Scorpio vai ser o produto premium, vai ser o smartphone topo de gama, vai ser o computador de gaming que vai garantir jogos em definições Ultra.

Ainda que as especificações do Project Scorpio garantam sem grandes problemas um ciclo de quatro anos ou até mais, é muito provável que nesse período de tempo a Microsoft coloque outra consola no mercado. Uma consola ainda mais potente do que a Scorpio e que tanto vai responder à necessidade de novos gadgets num curto espaço de tempo – sentimento trazido pelos smartphones -, como vai responder às necessidades tecnológicas – sentimento trazido pelos computadores.

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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