Sabemos que há algo de errado quando vemos um perfeito desconhecido a publicar no YouTube um unboxing da PlayStation 4 Slim duas semanas antes de a própria Sony revelar oficialmente a consola.
https://www.youtube.com/watch?v=FcPc3Fe49SI
O caso da nova PlayStation 4 é um bom exemplo daquilo que tem acontecido na indústria das novas tecnologias, sobretudo junto das marcas que produzem equipamentos destinados ao grande consumo. Falamos de smartphones, relógios, tablets, drones, câmaras e consolas.
A Sony deu luta ao fazer com que a maior parte dos conteúdos publicados antecipadamente à oficialização da consola fossem removidos da internet. Mas todos sabem que esse é um esforço impossível de concretizar a 100%.
Para quem acompanha a par e passo as novidades tecnológicas, os eventos das empresas tornam-se estranhos. É que apesar das revelações que são feitas antecipadamente, as marcas continuam a apresentar tudo como se fosse completamente desconhecido do mercado.
A questão do time to market, isto é, o tempo que demora um produto a ser concebido, apresentando e até estar disponível para compra, é o que tem condicionado o factor surpresa na revelação dos gadgets.
Cada vez mais as grandes tecnológicas marcam as apresentações para uma data próxima à data de chegada do seu novo produto ao mercado. Desta forma consegue capitalizar a ‘euforia’ do momento e impedem também que a concorrência se inspire muito nos seus produtos.
Mas a que preço? Vejamos agora as apresentações da Apple, mais em concreto a dos novos iPhone. Antes da apresentação muitos escreveram que estes novos iPhone não iam trazer nada de novo. Não iam espantar o mundo como o modelo original o fez há nove anos. Como muitos gostam de dizer, os novos iPhone já não têm o factor ‘uau’.
É verdade que o iPhone pouco tem evoluído numa perspetiva visual, que é aquela que os utilizadores mais gostam de ver nos gadgets, mas também é verdade que os novos iPhone 7 e iPhone 7 Plus trouxeram muitas novidades para quem gosta do ecossistema móvel da Apple.
No dia 8 de março surgia no site Bastille Post a primeira imagem não oficial do iPhone 7 Plus. Bastante semelhante com o resultado final, certo?
O factor ‘uau’ não está lá justamente porque o iPhone vai para as fábricas chinesas uns bons pares de meses antes da sua apresentação. A Apple se quer começar a vender os iPhone na semana seguinte à apresentação, já precisa de ter vários milhões de unidades prontas a expedir para todo o mundo enquanto Tim Cook está a dizer que “este é o melhor iPhone de sempre”.
Controlar centenas de parceiros de produção, fabrico e distribuição do outro lado do mundo é uma tarefa hercúlea e que não tem resultado para a Apple. Façamos este exercício: pense por uns momentos que não tinham surgido quaisquer rumores sobre os novos iPhone. Quando estes fossem apresentados, não ia sentir-se surpreendido por algumas adições que a Apple fez? Consegue imaginar o impacto da decisão de remover o headphone jack caso ninguém soubesse antemão que isso ia ser feito?
Se a Apple quiser realmente recuperar o factor ‘uau’ outra vez então vai ter de revelar o próximo iPhone em abril ou em junho do próximo ano, num dos dois eventos que organiza nesses meses. Distanciar-se do momento de lançamento no mercado é a única forma de preservar o secretismo de um gadget.
Para percebermos melhor esta ideia basta pensarmos no Apple Watch. Foi o último segredo bem escondido da Apple. Não no sentido do produto em si, pois essas informações voaram pela imprensa muito antes de serem oficializadas, mas a Apple fez aquilo que já não fazia há muito tempo: apresentou um produto com mais de seis meses de diferença para a sua chegada ao mercado.
Revelado em setembro de 2014, o Apple Watch só chegaria ao mercado em abril de 2015. A Apple marimbou-se para o time to market. Resultado? Quase ninguém pôs os olhos no relógio antes do tempo e graças a isso o dispositivo recebeu críticas muito positivas pelo seu design e construção.
Há mais exemplos de como a postura relativamente ao time to market pode ser crucial para a ‘mística’ em torno de um dispositivo. O melhor exemplo que temos atualmente é o da Nintendo NX.
A Nintendo está a orquestrar uma estratégia muito bem montada, pelo menos do ponto de vista da expectativa. Vão saindo algumas informações, poucas, sobre como a consola vai ser. Diz-se que é um híbrido entre consola portátil e consola doméstica. Diz-se que vai usar cartuchos. Diz-se que é “fantástica” – declaração do CEO da Ubisoft.
Dito assim parece que a Nintendo NX é quase um unicórnio: um ser majestoso, mas que ainda não foi avistado publicamente. E a única maneira de a Nintendo garantir isto é distribuindo unidades muito limitadas do kit de desenvolvimento – ainda que isso possa provocar a fúria de alguns estúdios – e deixar um espaço folgado entre a apresentação e a chegada ao mercado.
Já sabemos que a Nintendo NX vai chegar ao mercado em março de 2017. E ao que tudo indica será apresentada já em outubro. Este período de seis meses é mais do que suficiente para a Nintendo produzir as unidades que precisa para dar resposta às primeiras vendas da consola.
Mais uma vez temos um caso de uma empresa que não está tão preocupada com o time to market, mas que vai surpreender seguramente com o conceito de consola que vai apresentar. Neste momento as pessoas querem e precisam de ser surpreendidos pois é algo cada vez mais raro de acontecer. Se a Nintendo NX será bem ou mal recebida, isso são contas para outra altura.
Existem outras abordagens que as tecnológicas podem escolher tendo em vista a proteção do secretismo dos seus equipamentos. Podem, por exemplo, escolher o caminho que a Microsoft percorreu com o Surface Book. O time to market foi relativamente pequeno, apenas de 20 dias, e não surgiu qualquer imagem do produto antes do seu lançamento.
Porquê? Porque a Microsoft também mandou produzir o portátil em quantidades limitadas. Ainda não chegou de forma oficial a Portugal, por exemplo. Com esta estratégia a tecnológica conseguiu controlar melhor todo o ciclo de produção, assim como as informações que saiam desses ciclos.
Não podemos de deixar partilhar uma história caricata, que envolve a Microsoft e o secretismo dos seus produtos. Dois meses antes de a empresa revelar a Xbox One, uma unidade da consola foi enviada por engano a um cliente nos EUA. O cliente tinha comprado um portátil no site da empresa e devido a uma falha de logística acabou por receber uma Xbox One.
A história foi muito bem controlada na altura pois receber uma Xbox One, em caixa, dois meses antes do seu anúncio, representaria um ‘furo’ muito valioso para qualquer meio de comunicação especializado. Mas isso não aconteceu.
Tudo isto para dizer que se os equipamentos já não surpreendem não é pela falta de inovação. É pela máquina de rumores que se monta em torno dos produtos mais desejados do mercado.
Cúmulo dos cúmulos é quanto temos rumores sobre o iPhone que será apresentado em 2017 mesmo antes de serem revelados os iPhone de 2016. Os rumores, per si, transformaram-se numa indústria lucrativa. As pessoas querem saber qual será o próximo grande gadget. Os meios de comunicação têm aqui uma oportunidade de captar cliques. E quem tem as informações está consciente disso.
As marcas, como vimos, têm formas de contornar esse problema. Mas existem implicações comerciais que algumas simplesmente não parecem estar dispostas a assumir.