No Man’s Sky anda nas bocas do mundo. Pokémon GO é uma loucura geral. Então quando chegar o novo The Legend of Zelda…
E os jogos portugueses? Quest of Dungeons teve uma boa receção na Xbox One, Strikers Edge está a caminho da PlayStation 4 e Greedy Guns teve uma campanha vitoriosa no Kickstarter.
Mas antes, antes de tudo isto. O que é que houve? Os que gostam de videojogos conseguem responder a uma pergunta tão simples como ‘qual foi o primeiro videojogo português’?
A pergunta pode ser simples, a resposta nem tanto.
O título de primeiro jogo português é por norma atribuído a Laser, um jogo criado em 1982 por José OIiveira. Era um shooter básico em que o jogador precisava de ajustar a posição de um laser e dispará-lo para acertar num conjunto de píxeis que piscavam.
Laser foi desenvolvido num Sinclair ZX81, aquele que é considerado como o ‘pai’ do ZX Spectrum. Num texto escrito por Nelson Zagalo, investigador da Universidade do Minho, para o livro Videogames around the world, é explicado que José Oliveira recebeu o seu Sinclair no Natal de 1982 e que em apenas alguns dias desenvolveu vários programas. Foi aí que decidiu também fazer um videojogo, o Laser.
Ainda em 1982 José Oliveira desenvolveu um segundo jogo, Bala, com mecânicas muito semelhantes às do Laser, mas com o diferencial de o disparo sofrer um efeito ‘físico’, uma tentativa de replicar a força da gravidade ao elemento digital. Ou seja, o disparo não era linear como em Laser, o jogador já precisava de ter em conta a curvatura da trajetória da bala.
“Podemos definir estes dois jogos como shooters básicos e no caso de Bala (tendo em conta o uso particular da física), temos, até certo ponto, os mecanismos básicos usados em jogos como Angry Birds”. Nelson Zagalo
Quem diria, um videojogo português que podia ter sido o Angry Birds da década de 1980. José Oliveira nunca pensou na venda de videojogos e as únicas cópias que distribuía era no café da sua rua. Pelo menos tem reservado um lugar na história dos videojogos português.
O FUTURE BEHIND recorreu a Ivan Barroso, historiador de videojogos, para perceber se Laser é de facto o primeiro de todos.
Sim, Laser é o primeiro jogo do qual existe registo, mas Ivan Barroso chama a atenção para outros casos. “Em 1979 a Vitrohm portuguesa [subsidiária do grupo dinamarquês Vitrohm], produziu e vendeu uma consola chamada TV Brinca com os típicos jogos de Pong”.
A questão da produção é discutível – como pode ler neste artigo da publicação Rubber Chicken -, mas o título de primeira consola portuguesa vai acompanhá-la ao longo dos anos. Apesar de trazer jogos de origem, Ivan Barroso considera que estes apenas eram cópias do Pong original e que por isso não ‘jogam’ tão bem com o termo de primeiro videojogo feito em Portugal.
“Primeira consola portuguesa, com os primeiros jogos portugueses? Talvez. Mas é o Pong, não é nada de original”.
A discussão não fica por aqui. Em 1987 José Antunes e Moutinho Pereira registaram o primeiro videojogo junto da Sociedade Portuguesa de Autores, ou seja, do ponto de vista ‘legal’ este pode ser considerado como o verdadeiro primeiro videojogo português. Talismã, de seu nome, foi registado, estava protegido por direitos de autor, mas também todos sabem que outras produções foram feitas muito antes.
Por exemplo, os dois amigos algarvios Marco Carrasco e Rui Tito começaram a desenvolver videojogos em 1983. Nesse ano completaram Galaxy Control, um jogo desenvolvido na linguagem de programação BASIC. Viriam a desenvolver outros três jogos para uma empresa inglesa, a Wizard Software, mas só em 1987 tiveram um grande sucesso comercial.
Alien Evolution foi desenvolvido em conjunto com a empresa inglesa Gremlin Graphics e rendeu, na época, 20 mil libras – com a inflação correspondente e conversão para o euro, faturaram o equivalente a 61.500 euros.
Por esta altura alguns leitores já estarão a perguntar por outros dois nomes conhecidos dos videojogos portugueses da década de 1980: Elifoot e Paradise Cafe.
O primeiro é um clássico dos tempos e ainda hoje continua a ser trabalhado por André Elias, o seu criador, e jogado certamente por dezenas de pessoas. Elifoot é um jogo que coloca o utilizador na posição de treinador de um clube, havendo possibilidade de fazer táticas, transferências e até pedir empréstimos bancários.
Sim, Elifoot também pode ser considerado como um precursor de jogos que atingiram uma grande popularidade como Championship Manager e mais recentemente Football Manager.
Já Paradise Cafe é quase como um mito urbano na cultura portuguesa. Até hoje ainda não se sabe quem é ou quem são os criadores do jogo e a própria história que terá levado à criação do título está por confirmar e vive no domínio dos rumores.
Neste jogo, Paradise Cafe, os jogadores são colocados na pele de “um homem que deambula numa cidade à procura de entretenimento adulto”, definiu-o Ivan Barroso num artigo em 2011. Talvez o cariz mais polémico do jogo o tenha ajudado a ganhar popularidade nos primeiros tempos, mas agora é mais a sua mitologia que ainda o faz mexer nos meandros da comunidade de retrogamers.
Tanto Elifoot como Paradise Cafe têm conseguido resistir aos anos e por isso são candidatos a primeiro videojogo português – não tanto no sentido cronológico, mas mais no sentido da grandeza. Paradise Café surgiu primeiro, em 1985, e só dois anos depois é que André Elias mostraria ao mundo o seu Elifoot.
Quando questionado sobre qual jogo escolheria para uma remasterização, Ivan Barroso nem sequer vacilou: “Sem dúvida Paradise Cafe, em 4K. Seria engraçado”.
História recente, mas difícil de escavar
Se pesquisar pelo Laser ou pelo Talismã no Google vai encontrar poucas referências a estes títulos. E quem fala nestes dois fala em muitos outros que foram lançados durante a década de 1980. Então como é que os historiadores, como Ivan, conseguem arranjar novas informações e novos factos sobre a história dos videojogos em Portugal?
“Há informações que não vais encontrar nem nos confins da internet. Porque muitos dos confins da internet nem sequer estão para aí virados Tens de falar com as pessoas da época, falar com pessoas que tinham lojas na altura e tentar descobrir alguma coisa”, diz o especialista para depois acrescentar:
“Falando com antigos jornalistas também ajuda bastante. E esta é a história que nós conseguimos desenterrar. Provavelmente há história para desenterrar e estamos a falar dos exemplos mais conhecidos. Mesmo assim são super-desconhecidos. Se calhar já houve alguém que em 1980 fez algum jogo para um Commodore ou para um Apple II… não sabemos, neste momento não sabemos. Mas pode vir a acontecer. Isto é um pouco de arqueologia drástica”.
Em 2015 estimava-se que existiam cerca de 100 empresas de videojogos em Portugal
Mesmo à medida que a informação foi ficando disponível, com a chegada da década de 1990 e com os avanços tímidos da internet, encontrar registos da história dos videojogos em Portugal nesses anos continua a não ser tarefa simples.
“É muito difícil de lá chegar. E mesmo avançando para períodos pré-internet é muito difícil de lá chegar. Mesmo com algumas revistas, é muito difícil chegares às pessoas. Mesmo aquelas que trabalharam nos sítios não querem partilhar essa informação, o que é muito esquisito”, revela Ivan Barroso a propósito das diferentes experiências que tem tido.
“Há pessoas que estão desejosas de partilhar, como as da Triudus [retalhista] e da Portidata [distribuidora] que gostam de partilhar o que é que tinham feito na altura. Há outra malta que é muito difícil pois representavam marcas estrangeiras e havia acordos de não divulgação (NDA na sigla em inglês)”.
Para perceber um pouco melhor a tarefa difícil que é escavar a história dos videojogos em Portugal, Ivan Barroso estabelece uma comparação mais ampla:
“Imagina o que é estares a tentar documentar uma pirâmide e o faraó não te diz porque é que fez a pirâmide. Mas o faraó ainda está vivo, mas não quer falar sobre isso”.
Montanha-russa à portuguesa
Há uma outra passagem escrita por Nelson Zagalo no livro Videogames around the world que faz pensar. Em plena década de 1980 a Timex tinha uma unidade fabril em Portugal e conseguiu um acordo para produzir no nosso país alguns microcomputadores da linha Sinclar. A Sinclar ZX81 [modelo 1500] foi construída cá, mas destinava-se ao mercado americano. Não teve um grande sucesso em ‘terras do tio Sam’ por culpa da Commodore.
Pouco depois fabricava-se a Timex Sinclar TS1500, um microcomputador que ainda chegaria antes da ZX Spectrum. Chegaram a ser fabricados dez mil equipamentos por dia na fábrica portuguesa da Timex. Claro que o mercado ‘doméstico’ acabou por absorver bem o dispositivo, também devido ao preço mais baixo, e em 1985 estimava-se que existiam 150 mil microcomputadores distribuídos por Portugal.
Apesar deste impulso e da chegada de vários jogos made in Portugal, o ritmo não foi constante. “A indústria tem sido de altos e baixos. Quando saiu o Spectrum foram feitos vários jogos, mas depois nos anos 1990 abrandou. Depois no novo milénio houve assim uma grande euforia, estagnou durante uns anos e voltou novamente a crescer. E agora neste momento estamos um pouco mais estáveis”, analisa Ivan Barroso.
Mas não seria de esperar que uma indústria com quase quatro décadas de existência tivesse neste momento um maior peso internacional? O historiador de videojogos faz uma análise mais fria. “A nossa indústria tem 12 anos na melhor das hipóteses. Estas coisas demoram a ser construídas”.
Este novo ímpeto que o segmento dos videojogos tem vivido em Portugal pode ter um resultado diferente pois os estúdios estão a deixar de lado apenas a imagem indie e estão a pensar mais como empresas, no médio e no longo termo. A rentabilização dos projetos é algo obrigatório, não se trata só de desenvolver videojogos.
“Exemplos como a Nerd Monkeys, Battleship, Bica Studios, B5 Studios… há uma série de empresas que têm estado a crescer”, finaliza Ivan Barroso.
Pode ser que seja desta que a indústria portuguesa não faça novamente restart ao seu ritmo de crescimento. Até lá vão haver cada vez mais e mais jogos portugueses para jogar. Pelo caminho se descobrirem quem criou então o Paradise Cafe, aceitam-se dicas.