Na sede da Nintendo, a direção reúne-se…
‘Então, a NES Mini safou-se bem, não safou?’
‘Parece ter uma grande procura, sim.’
‘Descontinuem a consola imediatamente!’
*Consumidores atiram dinheiro para as janelas da Nintendo. São ignorados.*
Este é apenas um dos muitos comentários que podem ser encontrados na notícia do Eurogamer que revela que a Nintendo Classic Mini também vai ser descontinuada na Europa, depois de anúncios semelhantes terem sido feitos para os EUA e para o Japão.
O comentário em si nada tem de verdadeiro, sendo apenas uma suposição jocosa sobre a forma como a Nintendo terá determinado o fim da produção da consola. O que este comentário espelha bem é a dúvida que existe neste momento relativamente à decisão: se a NES Mini estava a ser um sucesso comercial, por que razão a consola foi descontinuada?
Apesar de ter sido anunciada em julho do ano passado, a Nintendo Classic Mini só chegou ao mercado no dia 11 de novembro de 2016. Passados 158 dias, a consola está oficialmente ‘reformada’.
Em momento algum durante o seu anúncio a Nintendo disse que esta seria uma consola de edição limitada, nem disse que em menos de um ano passaria de sucesso mediático a produto tecnológico descontinuado.
A Nintendo não revelou qualquer motivo para a descontinuação da NES Mini nos EUA, na Europa e no Japão, uma situação que tem contribuído para que a decisão esteja a ser recebida com alguma estranheza junto da imprensa especializada e junto dos consumidores.
Em termos de produto, e tal como o referimos nas nossas primeiras impressões, a consola era o sonho de qualquer retrogamer que se preze. Em termos de valor, a consola também era bastante competitiva, o que tornava a Nintendo Classic Mini numa verdadeira pechincha. Em termos de estratégia a consola também parecia fazer sentido, sobretudo na luta contra a pirataria de videojogos.
Em termos comerciais a consola estava a ser muito bem recebida, com a Nintendo a anunciar oficialmente a venda de 1,5 milhões de unidades a nível mundial no dia 31 de janeiro de 2017. Curiosamente, quando os números foram revelados, também foi dito que a Nintendo tinha intenções de aumentar a produção – o que torna tudo mais difícil de entender.
Além do volume considerável de vendas tendo em conta que é a remasterização de uma consola que tem mais de 30 anos e que só tem jogos em 8-bits, em mercados específicos, como nos EUA, encontrar uma NES Mini à venda nas lojas foi um desafio para os consumidores desde o dia em que chegou ao mercado – agora vai ser ainda mais difícil, pois os stocks não serão repostos.
Se a Nintendo tinha aqui um sucesso comercial, porquê este abandono repentino e pouco anunciado da Nintendo Classic Mini? Porquê?
Enquanto a Nintendo não aponta razões oficiais para a sua decisão, deixamos aqui algumas hipóteses que podem ajudar a explicar a decisão.
Baixa margem de lucro
Em teoria a Nintendo Classic Mini foi uma consola fácil de conceber – as suas partes de hardware são acessíveis no preço e o software há muito que está preparado pela Nintendo para estas aventuras. Por isso mesmo a NES Mini chegou ao mercado com um preço acessível, 60 euros no caso português.
Mas talvez a consola nunca tenha sido feita para gerar grandes retornos financeiros. Talvez a consola tenha sido acima de tudo uma jogada de marketing enquanto a Nintendo Switch não chegava.
O esforço de produção que a Nintendo estava a colocar na NES Mini e a provável margem de lucro baixa que estava a ter com a consola podem não justificar o prolongamento do sistema de retrogaming. Provavelmente a Nintendo tinha planeado vender X consolas, aconteceu tê-las vendido de forma muito rápida, mas independentemente da boa receção do sistema de jogo, o plano de produção inicial foi mantido e executado.
Sair o tiro pela culatra
A Nintendo Classic Mini parecia ter todas as condições para aligeirar os níveis de pirataria relativamente aos emuladores de jogos de consolas como a NES. Acontece que em poucas semanas houve hackers que conseguiram colocar outros jogos, que não os 30 de origem, na NES Mini.
Ou seja, aos olhos de algumas editoras de videojogos – a Nintendo não é a única produtora de jogos que foram incluídos na NES Mini -, a Nintendo pode ter criado com a Nintendo Classic Mini um incentivo à pirataria de videojogos, subvertendo aquele que terá sido um dos objetivos iniciais da consola.
Porquê piratear um jogo no computador quando esse mesmo jogo pode ser pirateado numa consola dedicada? Uma questão que a Nintendo não acautelou devidamente e que pode ter contribuído para o final abrupto do projeto.
Não roubar vendas à Switch
A nova consola da Nintendo, a Switch, ainda não tem acesso à Virtual Console, a plataforma da tecnológica japonesa que permite emular jogos antigos em sistemas mais recentes.
Se a Nintendo mantivesse a NES Mini no mercado, quando a Virtual Console chegasse à Switch talvez acabasse por não ter grande impacto. Ao descontinuar a NES Mini, a Nintendo está a eliminar um possível cenário de canibalização de jogos na Nintendo Switch. A Switch deverá receber acesso à Virtual Console no final de 2017, de acordo com indicações da própria Nintendo.
E sejamos factuais, ao eliminar a NES Mini do seu portfólio de produtos a Nintendo vai conseguir concentrar trabalhadores, capital de marketing e também a mensagem que passa para os clientes apenas em torno da Switch, aquela que é a grande prioridade da empresa neste momento.
Nova versão em desenvolvimento
A Nintendo Classic Mini era um bom negócio, mas a consola não era perfeita. Onde estava a ligação Wi-Fi? Onde estava a possibilidade de integrar novos jogos na consola e de forma legal?
Esta parece ser uma possibilidade remota, mas quem sabe se a Nintendo não está já a preparar uma versão 2.0 da Nintendo Classic Mini que endereça algumas destas críticas iniciais. Tendo em conta a procura acentuada pelo sistema de jogo, talvez as pessoas também estejam disponíveis para esperar mais algum tempo por um conceito tecnologicamente melhorado.
Em alternativa a ‘Big N’ também pode estar a preparar a remasterização de novas consolas: muitos ficaram seduzidos pela possibilidade de haver uma SNES Mini, enquanto outros começaram a sonhar com um relançamento do Game Boy. Pelo que foi possível perceber do lado da Nokia, o saudosismo funciona junto dos consumidores e junto da imprensa.
Sair no auge da carreira
Esta situação da Nintendo Classic Mini faz lembrar o que aconteceu com o jogo Flappy Bird. Quando a procura pela aplicação móvel atingiu o seu pico e quando o seu programador estava a faturar perto de 50 mil dólares por dia, foi quando o jogo foi removido das lojas de aplicações do iOS e do Android.
Pensa que isso foi a morte do jogo? Bem pelo contrário. O timing pouco comum da decisão ajudou a criar um maior interesse pelo jogo. A seguir vieram as histórias mirabolantes de iPhone que eram vendidos no eBay por valores próximos aos mil euros só porque tinham o Flappy Bird instalado. Depois vieram os artigos aprofundados sobre o fenómeno, sobre como o jogo provocava efeitos de vício e sobre como o programador Dong Nguyen tinha montado a estratégia de marketing perfeita em torno daquele jogo que eram, simultaneamente, tão simples e tão complexo.
Ao bater com a porta no seu auge, o jogo Flappy Bird acabou por prolongar o seu estado de graça durante muito mais tempo e tornou-se, basicamente, num marco histórico da tecnologia moderna – estamos em 2017 e ainda estamos a falar da aplicação.
Ao sair em grande, a Nintendo Classic Mini, mesmo que não tenha sucessoras, será sempre recordada com um êxito por parte da Nintendo – e êxito é algo do qual a empresa precisa depois dos últimos anos terem sido especialmente difíceis.
Se comprou uma NES Mini, parabéns, passa a ter um item de colecionador. Se não tem uma NES Mini, mas gostava de ter uma, prepare-se, pois vêm aí os típicos preços de colecionador. Estas são as regras do mercado e muito provavelmente foram estas regras de mercado que acabaram por condenar um bom produto que ainda tinha mais para dar aos consumidores.