O que têm em comum a Amazon, o Kickstarter, a Netflix, o Twitter, o GitHub, o Reddit, a Mozilla, o PornHub, o Adblock Plus, a Automattic, o Duck Duck Go, a Funny or Die, a Greenpeace, o Medium, o Patreon, o ProtonMail, o Redtube, a Vivaldi, a Zapier e outras 166 empresas ou marcas de serviços online? Todos estão a arregaçar as mangas para lutarem pela neutralidade da internet.
Na próxima quarta-feira, 12 de julho, vai acontecer aquela que está a ser apelidada de Batalha pela Internet, nos EUA. As empresas que estão associadas a este movimento estão a preparar diferentes formas de protesto – pop ups, animações, vídeos, texos, entre outros formatos – para chamar a atenção dos seus utilizadores para a importância da neutralidade da internet.
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Apesar de ser um protesto norte-americano, será um protesto que vai afetar internautas de todo o mundo, pois como é visível pelos nomes iniciais, são serviços que têm utilizadores nos quatro cantos do planeta.
Em causa está uma decisão da nova Comissão Federal de Comunicações (FCC na sigla em inglês), o organismo norte-americano equivalente à Autoridade Nacional das Comunicações (ANACOM). Ajit Pai foi nomeado presidente da FCC por Donald Trump e rapidamente quis reverter regras da neutralidade da internet criadas em 2015.
Na perspetiva da FCC o fim das regras da neutralidade da internet vai “beneficiar substancialmente os consumidores e o mercado”, cita a BBC. Para defender a sua posição o organismo lembra que antes das regras aplicadas em 2015 o mercado da internet era “aberto e livre” e deu bons resultados durante 20 anos.
Mas se assim fosse, então por que motivo tantas empresas estão contra as alterações? A Batalha pela Internet é um protesto que está contra esta decisão de reversão.
O conceito de neutralidade da internet
A neutralidade da internet significa que todos os dados são tratados de forma igual e que os fornecedores de serviços de internet não podem definir prioridades de distribuição entre dados. De acordo com o conceito de neutralidade da internet não é permitido bloquear tráfego, fazer throttling das velocidades de internet dependendo do serviço usado e receber dinheiro para priorizar tráfego.
Isto porque é tecnologicamente possível criar as chamadas ‘vias rápidas’ de dados. A empresa Y pode pagar ao fornecedor Z para que os seus conteúdos de streaming, por exemplo, recebam prioridade dentro da capacidade de distribuição para os clientes. Isto significa que todos os dados que não pertencem à empresa Y podem ser transferidos por vias de tráfego mais lentas.
Estando as regras da neutralidade da internet bem definidas e aplicadas, então todo o tráfego de internet é gerido de forma igual. Não importa se está a navegar num site, a ver o Netflix, a ouvir o Spotify ou a divertir-se no Redtube, o tráfego é todo gerido da mesma forma.
É esta igualdade de tratamento de dados que vai terminar dentro de dois meses nos EUA caso a FCC decida avançar de facto com a alteração das regras. É aqui que entra o protesto que já conta com o apoio de várias grandes tecnológicas.
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No dia 12 de julho, quando entrar num dos sites das empresas que participam neste protesto, vai muito provavelmente encontrar um formulário que lhe vai permitir enviar uma mensagem para a FCC como forma de protesto para o fim da neutralidade da internet. É possível que as manifestações dos norte-americanos tenham maior peso, mas o objetivo é tantar fazer a FCC perceber que existem milhões de utilizadores que apoiam a neutralidade da internet.
O maior receio é que o fim da neutralidade da internet traga uma internet desequilibrada e cheia de interesses comerciais. Muitas empresas podem depois sentir-se tentadas a pagar para que os seus conteúdos façam parte da ‘via rápida’ de distribuição. Já do lado dos utilizadores determinados serviços podem em teoria ficar mais lentos quando comparados com outros.
A questão é: um utilizador quando subscreve um serviço de internet está a fazer apenas isso mesmo, a pagar para ter acesso a uma determinada velocidade de internet. Dentro dessa velocidade contratada, não devem existir limitações – os consumidores pagam para aceder de forma igual a todos os conteúdos, não existe qualquer ponto nos contratos que diga que o serviço X vai ser mais lento do que o serviço Y.
A neutralidade da internet na Europa
Desde o dia 30 de abril de 2016 que existem regras da neutralidade da internet para os 28 países Estados-Membros. Esta foi uma das medidas incluídas no pacote de iniciativas relacionadas com a implementação do Mercado Único Digital.
Mas também na Europa a questão da neutralidade da internet está longe de ser considerada como ideal. Foram criadas algumas exceções às regras que permitem anular justamente alguns dos objetivos da internet aberta, livre e igual para todos.
Na prática os operadores de telecomunicações podem fechar os olhos às regras da neutralidade da internet sempre que têm de cumprir com obrigações legais, sempre que seja necessário para garantir a integridade da rede e em situações excecionais de congestão de tráfego. Mas como vários especialistas salientaram na altura, os pontos específicos de cada exceção acabavam por dar uma grande margem de manobra aos operadores de telecomunicações para a discriminação de tráfego de forma ‘legal’.
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No caso português basta pensar nos chamados tarifários tribais – o facto do tráfego de algumas aplicações não contar para o consumo mensal de tráfego de internet móvel pode não corresponder propriamente ao conceito de neutralidade da internet. É o chamado zero-rating e cabe aos reguladores nacionais – neste caso à ANACOM – avaliar se os serviços de zero-rating disponibilizados pelos operadores violam a regra da não discriminação de dados. Até hoje nada foi dito em contrário, ainda que existam várias pessoas da opinião de que o conceito de zero-rating por si só viola os princípios básicos da neutralidade da internet.
No caso português a ANACOM disponibilizou em 2013 o serviço NetMede, uma plataforma online que permite aos utilizadores portugueses não só perceberem se a velocidade de internet contratada corresponde à velocidade de internet efetivamente disponibilizada, dando também acesso a ferramentas que analisam a existência ou não de traffic shapping.
“O traffic shapping é um mecanismo usado pelos operadores para gerir o tráfego de internet, através da aplicação de restrições à velocidade e ao tráfego contratados”, explica o regulador no site do NET.mede.
Seja pela mudança iminente nos EUA, seja pelo facto de a questão ser ainda muito questionável na Europa, o tema da neutralidade da internet continua a ser atual e a merecer a atenção de todos aqueles que se preocupam com uma internet que é igual para todos os utilizadores.