“Devemos manter uma mente aberta sobre estes assuntos [modo offline]. À medida que expandimos à volta do mundo, onde vemos um conjunto de redes desiguais, é algo sobre o qual devemos manter a mente aberta”.
No dia 18 de abril e pela primeira vez o diretor executivo do Netflix, Reed Hastings, falava sobre a possibilidade de o Netflix vir a ter um modo de visualização offline, citado pelo Business Insider. Menos de três meses depois das declarações do CEO surgem os primeiros rumores relativos a esta funcionalidade: a publicação Light Reading diz mesmo que poderá chegar no final de 2016.
Foi uma mudança de posição sabendo que a Netflix já tinha dito publicamente que o modo offline era algo que não atraia a empresa. Basta recordar as declarações do diretor de produto, Neil Hunt, durante a IFA 2015, citado pelo Cinema Blend: se deres às pessoas muito por onde escolher, vais acabar por paralisar a sua decisão.
Há muito que o modo de visualização offline é uma funcionalidade que alguns subscritores do serviço têm pedido. É fácil de imaginar um conjunto de situações onde poder descarregar em antecipação filmes e séries é uma vantagem.
Vai fazer uma viagem de carro longa e não tem um plano de dados com tráfego suficiente para ver um filme e dois episódios de uma série. Vai fazer uma viagem de avião de oito horas e lá em cima não tem qualquer ligação. Anda imenso de transportes públicos e a qualidade da rede no metro é muito questionável. A rede de fibra ainda não chegou lá à sua zona de residência, o que pode causar uma experiência de visualização intermitente de vez em quando.
Razões há muitas para os consumidores quererem o Netflix offline. Mas também há algumas que prendem o Netflix ao seu modelo exclusivo de streaming.
Ainda não é sequer certo que o modo de visualização offline venha a ser real e mesmo que o seja, não são conhecidos os moldes em que tal será possível. O Netflix pode impor, numa primeira fase, que apenas os seus conteúdos proprietários podem ser alvo de download por parte dos utilizadores. É que caso contrário o Netflix terá de renegociar os direitos para milhares de conteúdos – à escala global (!).
Este é um argumento forte e válido para que o Netflix não abrace o modo offline num futuro próximo. Outro pode ser a questão da pirataria: ao permitir que os utilizadores descarreguem conteúdos de alta qualidade e com legendas para os seus dispositivos, será uma questão de tempo até que os mesmos comecem a surgir em sites de torrents e streams ilegais.
A própria Netflix usa a bandeira da qualidade como um dos argumentos para convencer as pessoas a subscreverem o seu serviço em vez de usarem serviços piratas. O modo offline colocaria em causa este ponto.
Mas como já escrevemos aqui no FUTURE BEHIND, “se a Internet quiser partilhar, vai partilhar, com ou sem modo offline do Netflix”.
Aprender com o Spotify
O Spotify é neste momento o maior serviço de música por streaming do mundo. É o que tem mais utilizadores – 100 milhões – e é o que tem mais subscritores – 30 milhões. Existem várias razões que ajudam a explicar esta liderança como o facto de estarem no mercado há bastante tempo, terem um vasto catálogo de música, terem das melhores experiências de utilização, entre outros fatores.
Outro destes factores é também a conveniência. É certo que os mercados da música e das séries/filmes são completamente diferentes, mas talvez o Netflix possa aprender algo com o Spotify, Apple Music ou Google Play Music.
São todos serviços dedicados ao streaming, mas são também todos serviços que permitem descarregar as músicas para consumo offline. Não é uma funcionalidade crítica nos serviços, mas também ninguém as dispensa justamente pela questão da conveniência.
As empresas com serviços de streaming sabem perfeitamente que há um conjunto de situações ou fatores onde o offline é a única solução para que os consumidores mantenham contacto com a marca e com os seus conteúdos. Enquanto os consumidores tiverem de comprar conteúdos além da subscrição ou até recorrer a práticas ilegais para conseguirem ouvir as suas músicas ou álbuns preferidos em modo offline, então a verdadeira missão do streaming também nunca estará concretizada. O mesmo é válido na área do vídeo.
A força da concorrência
Se tudo o que até aqui foi dito não serve para convencer a Netflix sobre a necessidade de ter um modo offline no seu serviço, há um outro que é perentório: a concorrência.
A nível global o Netflix está mais folgado pois não tem propriamente um concorrente à altura: existem concorrentes locais, como o NOS NPlay no caso de Portugal, mas é a escala do negócio que possibilita à Netflix fazer o que faz e aí não há rivais.
No entanto o seu maior mercado são os EUA, país onde tem 46,97 milhões de subscritores, de um total de 81 milhões. Nos EUA a concorrência é muito mais agressiva, seja da HBO, da Comcast, da Hulu ou da Amazon. É justamente para a Amazon que vamos olhar como um exemplo de um serviço de streaming de séries e filmes que permite aos seus utilizadores descarregarem os conteúdos para visualização em modo offline.
É também com a ajuda da Amazon que podemos perceber melhor como funcionará o alegado modo offline do Netflix.
O serviço Amazon Prime Video permite que os subscritores descarreguem para os seus dispositivos móveis – apenas tablets Fire, dispositivos móveis Android e iOS – os conteúdos que estão na plataforma. Não são todos os conteúdos, possivelmente devido às questões dos direitos de distribuição. Não há números oficiais, com a Amazon apenas a dizer que “Muitos dos vídeos (…)” suportam esta funcionalidade.
Cada conteúdo só pode ser descarregado para dois dispositivos no máximo. Se quiser descarregar um filme ou episódio de série para um terceiro equipamento terá de apagar o ficheiro de um dos dois dispositivos onde já foi descarregado. Os utilizadores podem ter um máximo de 25 conteúdos descarregados entre todos os dispositivos que estão associados à mesma conta Amazon Prime. Depois de descarregar os conteúdos tem 30 dias para começar a vê-los. Depois de começar a vê-los tem 48 horas para terminar a sua visualização.
Podem parecer muitas regras – e são -, mas servem para prevenir ao máximo a tal situação em que os utilizadores descarregam conteúdos de alta qualidade, podendo depois fazer uma distribuição entre familiares, amigo ou até pela Internet.
Olhando para as regras da Amazon parece que a pirataria de conteúdos também deve ser combatida através da inclusão de uma impressão digital única em cada vídeo – isso ajudaria a explicar como é que a Amazon sabe quantas versões de cada filme existem e em que dispositivos.
Alguns utilizadores pedem, há situações em que faz sentido, o download de conteúdos é mesmo sucesso noutras indústrias de streaming e a concorrência já disponibiliza a funcionalidade: perante esta situação e a abertura já demonstrada pela própria Netflix, não é assim tão difícil de acreditar que o modo de visualização pode estar mesmo aí ao virar da esquina.
Por isso é que uma das melhores respostas à questão ‘Netflix em modo offline?’ é outra questão: porque não?