O videoclipe que acabou de ver é um dos elementos que faz parte do novo recorde mundial de armazenamento em ácido desoxirribonucleico, mais conhecido como ADN. Se está a perguntar se estamos a falar do mesmo ADN que é a ‘matéria’ que contém as instruções genéticas dos seres vivos, é esse mesmo. Conclusão: foram armazenados 200 MB de dados na ‘sequência’ da vida.
O trabalho foi feito através de uma parceria entre a Microsoft, a Universidade de Washington nos EUA e a empresa Twist Bioscience. Na prática os cientistas convertem os ficheiros digitais num código binário, código esse que é traduzido em moléculas de nucleotídeos, os blocos basilares que compõe o ADN.
A empresa Twist Bioscience criou então sequências costumizadas de ADN que além do videoclipe contêm ainda os 100 livros do Projeto Gutenberg, a Declaração Universal dos Direitos do Homem traduzida em 100 idiomas línguas e uma das maiores bases de dados de sementes do mundo.
O tema pode parecer do domínio da ficção científica pois ainda estão a ser dados os primeiros passos na evolução desta tecnologia. Mas há quem acredite que no futuro será possível usar ADN sintético como principal forma de armazenamento de ficheiros digitais.
A vantagem do ADN está na sua capacidade de armazenar grandes quantidades de espaço sem ocupar muito ‘espaço’ – apenas seria necessário um elemento do tamanho de uma caixa de sapatos para armazenar toda a informação que existe atualmente na internet. Além disso os investigadores acreditam na sua estabilidade, podendo guardar a informação durante centenas de anos sem deterioração, como foi escrito pelo The New York Times.
No caso desta experiência, que recebeu o nome de Project Palix, os dados ocuparam um espaço muito mais pequeno do que a ponta de um lápis, lê-se na informação partilhada pela Microsoft.
Por agora o processo de armazenamento em ADN é moroso, caro e bastante complexo. Quando quiser os ficheiros de volta terá de fazer todo o processo, mas ao contrário: é necessário sequenciar as ‘tiras’ de ADN, obter os códigos binários associados e converter essa informação em conteúdos digitais.
Isto é possível através da aplicação de uma técnica que ‘amplia’ a parte que os investigadores querem recuperar. Depois sequenciam a amostra, passam-na por um computador para que sejam eliminados erros de cálculos et voilà, os conteúdos estão de volta à sua forma digital mais básica.
Esta experiência também permitiu aos investigadores aprenderem que podem sequenciar apenas uma parte do ADN para retirar o conteúdo que pretendem – algo que será vital para o armazenamento em ADN poder um dia tornar-se numa opção viável.
Ok Go, uma escolha não inocente
Se é um aficionado da cultura online, ou seja, tudo o que se torna viral na internet, então deve conhecer a banda Ok Go. O grupo é conhecido pelos videoclipes alternativos e engenhosos. O vídeo que foi armazenado em ADN é de 2010 e um bom exemplo do estilo que a banda costuma adotar para as suas produções.
O ADN preserva a informação durante séculos ou milénios. Cientistas já injetaram ADN de mamute em elefantes, por exemplo
“Eles são bastante inovadores e estão a trazer coisas diferentes de diferentes áreas para o seu campo, e sentimos que estamos a fazer algo semelhante”, disse o investigador da Microsoft, Karin Strauss, a propósito da escolha deste vídeo.
Mas conseguimos estabelecer outra possível ligação lógica. Em 2015 os OK Go revelaram a intenção de lançar um álbum de música em ADN.
“Não estou a dizer que colocar uma gravação em ADN é o equivalente a colocar o Homem na Lua, mas penso que a ciência pode avançar com gestos artísticos”, disse Damian Kulash, líder da banda, em entrevista ao jornal The Guardian.
Tudo começou quando Kulash foi a uma conferência sobre o futuro do storytelling e soube que um livro digital já tinha sido guardado em ADN. A partir desse momento travou amizade com o investigador principal desse feito, Sriram Kosuri, e definiu que o próximo álbum da banda deveria ser lançado também desta forma.
O álbum ainda não está, mas um videoclipe em alta definição já pode ser considerado um passo nesse sentido.