Há um fenómeno que promete mudar as nossas vidas. Assenta na integração de sensores em variadíssimos dispositivos e sistemas, tornando os hábitos diários mais intuitivos. Já foram dadas pistas suficientes? Na data em que se assinala o Dia Mundial da Internet, vamos falar da…Internet das Coisas (IoT na sigla em inglês). Mas desta feita sobre os desafios legais e de privacidade.
Se do lado das organizações um mundo hiperconectado representa uma oportunidade de negócio que está a ser aproveitada através da recolha de rios de dados sobre hábitos, gostos e movimentações das pessoas, provenientes de sensores conectados à cloud – câmaras, microfones, leitores de impressões digitais, detetores de movimento, infravermelhos; do ponto de vista judicial, tal pode “mudar completamente a vigilância, fornecendo mais acesso [a dados] do que nunca”, segundo um estudo do Centro para a Internet e Sociedade Berkman, da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard (FDUA).
As ‘habilidades’ da IoT fizeram acalentar o debate em torno da cibersegurança, sentados na mesma mesa, no ano passado, oficiais governamentais dos serviços de inteligência, grupos de reflexão peritos na matéria e a própria faculdade de direito. Uma das preocupações partilhadas pelos políticos norte-americanos prende-se com a legalidade da encriptação de dados end-to-end nos sistemas operativos do smartphone e serviços de Internet por parte das empresas de telecomunicações, temendo não conseguir proteger o país de atos terroristas ou outros crimes. Até porque, nestes casos, nem os fabricantes, nem os prestadores de serviços conseguem ver os dados dos clientes.
Certamente muitos ainda têm presente na memória a recente guerra entre o FBI e a Apple pela tentativa de acesso do governo norte-americano a dados encriptados de um iPhone ligado a um alegado terrorista que matou várias pessoas num atentado em San Bernardino, Califórnia, nos EUA. O caso foi encerrado, em março, quando o FBI conseguiu aceder à informação, mas sem ajuda da tecnológica liderada por Tim Cook.
Ao mesmo tempo que isto acontece, a IoT estava a sussurrar uma montanha de dados sobre todos nós. “São boas notícias porque o poder judicial não está tão manietado. Se olharmos para o rasto digital que as pessoas estão a deixar, a trajetória clara é que se tornem mais acessíveis do que nunca a quem possua uma intimação”, explica Jonathan Zittrain, diretor do centro Berkman.
Além disso, não só a Apple, mas também outras tecnológicas, como a Microsoft ou a Google, usam os dados gerados pelos utilizadores dos seus serviços para fazer negócio, vendendo informações para fins de publicidade. Adicionalmente, os metadados relativos às telecomunicações, como dados de localização dos telemóveis, podem ser usados para investigações judiciais, bem como os dados provenientes de câmaras, microfones, localizadores de GPS ou outros sensores móveis, colocados no carro, ou fixos, integrados em casa, por exemplo.
Um crescimento à margem da lei
A grande quantidade de dados pessoais partilhados no ciberespaço faz crescer, contudo, “questões problemáticas sobre quão exposto à espionagem está o público em geral”, lembra Zittrain, ficando mais vulnerável a hackers maliciosos ou ladrões cibernéticos. Jack Goldsmith, perito nas temáticas de segurança e terrorismo, acredita que “à medida que tecnologia se desenvolve, os governos vão ter muitas mais ferramentas disponíveis para encontrar os tipos maus”. Mas, em contrapartida, “os mal-intencionados também as vão ter”.
Se por um lado a aplicação da lei é importante para combater as ameaças à segurança pública, empresas como o Facebook assumem que vão “lutar agressivamente contra os requerimentos que pedem às empresas para enfraquecer os seus sistemas de segurança”. “Não conseguimos tornar o acesso às comunicações encriptadas mais fácil para a aplicação da lei sem torná-lo também mais fácil para os criminosos cibernéticos e governos estrangeiros”, esclareceu Matt Perault, diretor da área de política global de desenvolvimento no Facebook.
À medida que este debate continua a IoT vai crescendo praticamente à margem da lei, o que na opinião de Jonathan Zittrain levanta questões complexas ligadas à privacidade. “Estamos a avançar para um mundo onde uma quantidade verdadeiramente impressionante de dados estarão à distância de um mandato ou intimação e, em muitas jurisdições, mesmo esta lacuna não precisa de ser transposta”, lembra, acrescentando que “está na hora” de começar a tomar precauções e criar “algumas proteções para a IoT” – caso contrário a IoT “corre o risco de se tornar no faroeste da Internet”.
É caso para dizer que, por enquanto, na questão da IoT, a tecnologia está à frente da legislação.