O facto de a nossa presença online estar distribuída por diferentes serviços não significa que vivemos numa internet descentralizada – bem pelo contrário. Alguns dos mais populares serviços digitais e online são detidos apenas por uma mão cheia de empresas.
Facebook, Instagram e WhatsApp pertencem à mesma empresa, Google, Maps, Android e YouTube pertencem a outra, Windows, Office, Outlook e Skype pertencem a outra… já deu para perceber a ideia.
Siga o Future Behind: Facebook | Twitter | Instagram
Independentemente desta concentração, cada um destes serviços é também ele centralizado. É o Facebook quem dita as regras de utilização no Instagram. É a Google quem dita as regras de utilização no YouTube. É a Microsoft quem dita as regras de utilização do Skype.
Estes serviços e empresas concentram em si um grande poder. Basta pensar que a rede social Facebook tem atualmente mais de dois mil milhões de utilizadores ativos. E que poder é que essas pessoas têm na estrutura do Facebook? O único poder é tomarem a decisão de usar ou não usar a plataforma.
Nos últimos anos assistimos a um crescimento dos serviços centralizados, soluções tecnológicas com uma forte proposta de valor e que funcionam como uma solução chave na mão – o utilizador apenas precisa de se inscrever e começar a tirar partido desse serviço.
Os serviços centralizados têm as suas vantagens: permitem que uma empresa execute alterações de forma mais célere nesse serviço e permitem construir um produto com melhor otimização. O WhatsApp é mais fácil, mais conveniente e mais completo do que o antigo IRC, por exemplo, enquanto serviço de messaging.
Mas também há vantagens em serviços descentralizados, desde que bem executados. À medida que as pessoas dominam melhor os serviços online, estão dispostas a procurar serviços que não entregando o mesmo nível de usabilidade, permitem que cada um defina e escolha melhor os seus espaços.
Um serviço descentralizado que recentemente esteve na ribalta foi o Mastodon. Para o melhor e para o pior, o Mastodon foi apelidado de Twitter-killer. Sim, a semelhança entre os serviços está lá, mas o Mastodon nunca quis ser um rival do Twitter, quis sim ser a alternativa descentralizada do Twitter.
Isto é, se as pessoas gostam de usar o Twitter, mas não gostam do ambiente que lá existe devido ao centralismo do serviço, então o Mastodon é a alternativa a considerar.
No Mastodon cada um pode criar o seu próprio Twitter, por assim dizer. Cada uma destas versões é denominada de instâncias e cada instância tem regras diferentes definidas pelos seus criadores. Por exemplo, a instância Animal Liberation é dedicada para ativistas a favor da proteção animal.
Um dos aspetos que reforça a ideia de descentralização do Mastodon é o facto de todos os utilizadores poderem comunicar com utilizadores de outras instâncias. Para isso têm de incluir o seu nome e a sua instância – @utilizador123@mastodon.xyz. Este é um bom exemplo de como os serviços descentralizados não têm uma experiência de utilização tão linear quanto os serviços centralizados, mas isso não impede que novos utilizadores adiram a estas experiências.
Outro exemplo de um serviço descentralizado que tem atraído muito atenção é a tecnologia de blockchain do Bitcoin. Na prática esta é uma tecnologia que faz com que milhares de computadores e utilizadores em todo o mundo tenham ao mesmo tempo acesso a uma lista de registos de transações.
É o carácter descentralizado que dá ao Bitcoin parte da sua força: se alguém tentar enganar o sistema, precisará de ter um poder de processamento superior ao dos restantes utilizadores, o que nesta altura já se perspetiva como quase impossível. Esta rede descentralizada de computadores ajuda ainda a validar a informação das transações, mantém o registo inviolável e ao mesmo tempo ajuda na produção de novos bitcoins.
É também o lado descentralizado que tem trazido grande fama à tecnologia de blockchain Ethereum, mas numa outra perspetiva. Isto porque enquanto o Bitcoin foi criado para ser apenas um sistema financeiro digital, o Ethereum quer ser a base para a criação de muitos outros serviços e aplicações que tiram partido do conceito de descentralização.
Leia também | O pormenor que pode fazer toda a diferença entre o Bitcoin e o Ethereum
Estes três exemplos mostram que muito provavelmente os serviços digitais nos próximos anos vão sofrer uma transformação interessante, pois vamos passar de um grande centralismo, concentrado nas mãos de poucas empresas, para um mundo de serviços onde os mesmos estão a ser alicerçados no trabalho de uma grande comunidade de utilizadores.
Dentro desta área sistemas como o Ethereum ou o Hyperledger – outra tecnologia de blockchain – estão a afirmar-se como os principais líderes já que permitem a criação dos chamados smart contracts, isto é, ações executadas de forma automática assim que são validadas pela rede mundial de computadores. Permitem ainda a criação de aplicações (dapps) com diferentes finalidades, seja um sistema para validar identidades online ou uma nova rede social.
Todas as aplicações e serviços criados tendo por base o Ethereum ou o Hyperledger vão ser automaticamente serviços descentralizados. Nesta altura muitos destes serviços – pode ver aqui sete exemplos – são ainda complicados de usar para a maioria dos utilizadores, mas é justamente uma maior conveniência de utilização em serviços descentralizados o que nos espera nos próximos anos.
Se vai ter de entender o que é o blockchain para conseguir utilizar estes serviços? Não. A esmagadora maioria das pessoas não sabe quais são os princípios fundamentais da web e isso não é uma barreira para que possam usar os milhares de serviços online que estão disponíveis.
Com as tecnologias de descentralização vai acontecer o mesmo – o utilizador só vai querer um interface simples para usar o serviço, tudo o resto não precisa de ser da sua preocupação.