“A inteligência artificial é o futuro, não apenas para a Rússia, mas para toda a humanidade. Traz oportunidades colossais, mas também ameaças que são difíceis de prever. Aquele que se tornar o líder nesta área vai tornar-se no governante do mundo”.
As declarações são do presidente russo, Vladimir Putin, citadas pela publicação local RT. Rapidamente as palavras de Putin espalharam-se por toda a internet, um pouco como tem acontecido com quase todas as previsões relacionadas com inteligência artificial feitas por pessoas com grande visibilidade mediática – sim, estamos a falar de figuras como Elon Musk.
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É importante perceber em que contexto as declarações foram feitas. Não foi numa reunião de Estado, não foi num encontro entre as grandes potências económicas mundiais. As palavras de Vladimir Putin foram ditas a 1 de setembro numa aula aberta, um evento feito para marcar o arranque do ano letivo no país de leste. Foi aos mais novos e aos seus pais que Putin quis deixar esta mensagem – à geração atual e à geração futura da Rússia.
O presidente russo acrescentou depois outra declaração igualmente relevante. “Se nos tornarmos líderes nesta área, vamos partilhar o nosso conhecimento com o mundo inteiro, da mesma forma que partilhamos as nossas tecnologias nucleares atualmente”.
Em resumo, Putin não quer ver as tecnologias de inteligência artificial (AI na sigla em inglês) monopolizadas por um único país.
Terão sido as declarações do líder russo um ‘abre olhos’ para a situação do país na área da inteligência artificial ou estará já Putin a lançar sementes para a criação de conhecimento partilhado no ramo da AI? Poderá ter sido um pouco dos dois ou até nenhum destes objetivos?
A questão é que em qualquer um dos casos, o cenário atual da inteligência artificial poderá não agradar de todo a Vladimir Putin. Existem vários indicadores sobre os investimentos que têm sido feitos na área da inteligência artificial e que não são favoráveis à Rússia. Atualmente quem está a liderar os esforços de inteligência artificial são os EUA, com a China a assumir-se como o jogador mais promissor desta competição.
Comecemos por um dado relevante e que diz respeito aos países que mais aquisições têm feito na área da inteligência artificial. Aqui uma nota importante: Silicon Valley não é um país, mas pelo volume de aquisições que tem feito neste segmento nota-se que joga num campeonato à parte.
Location of Acquired “AI” Companies (via PitchBook). And people wonder why it’s hard to catch up with Silicon Valley… pic.twitter.com/11fIMPvTZ4
— Mike Butcher (@mikebutcher) 3 de setembro de 2017
Estes dados, compilados pela empresa PitchBook, revelam que os EUA atualmente representam mais de 50% das aquisições feitas em IA. O segundo país com maior volume de aquisições é o Reino Unido e apresenta-se com uma quota de 9%. A Rússia não aparece no top 8 deste ranking, estando provavelmente englobada na fatia dedicada ao ‘Resto do mundo’.
Quanto ao facto de Silicon Valley ser neste momento um polo central para a inteligência artificial, isso não é difícil de justificar. É lá que estão sediadas algumas das maiores tecnológicas do mundo, aquelas que estão justamente a liderar a passagem para a era da inteligência artificial. A Google já declarou que a partir de agora o seu foco é ser AI-first, a Microsoft já fez o mesmo, o Facebook idem.
Empresas como a Apple e a Amazon têm nos seus assistentes digitais argumentos fortes para desenvolver mais esforços no campo da AI. Isto para dizer que fruto da evolução tecnológica natural, é provável que Silicon Valley e os EUA nesta primeira fase dominem largamento o espectro da inteligência artificial.
Segundo valores da consultora IDC, estima-se que a inteligência artificial já seja um mercado de 12,5 mil milhões de dólares no final deste ano, crescendo para os 46 mil milhões de dólares em 2020.
Outros dados angariados pela empresa de análise Quid e compilados pela publicação Recode mostram outra perspetiva de como as empresas norte-americanas não estão para brincadeiras no que diz respeito à aposta em tecnologias de AI.
Esta tabela mostra-nos os suspeitos do costume, isto é, as grandes tecnológicas a fazer o que sabem melhor: usar as suas grandes pilhas de dinheiro em investimentos estratégicos que tentam assegurar que no futuro continuam a ser dominantes. Veja-se o caso do Facebook e a forma como opera na área das redes sociais.
Um destaque ainda relativo ao último quadro: a espanhola Telefónica ocupa a terceira posição em termos de investimentos corporativos, um dado interessante tendo em conta que é um empresa aqui da ‘vizinha’ Espanha.
Apesar da pujança norte-americana, o El Dorado da inteligência artificial não está ainda definido. Por dois motivos: estamos apenas na fase inicial desta nova revolução tecnológica, pelo que os principais desenvolvimentos ainda estão para vir; é preciso ter em conta uma potência emergente chamada China.
Segundo uma reportagem do The New York Times, as vitórias que o sistema AlphaGo teve sobre os melhores jogadores de Go fizeram os decisores chineses perceber que a próxima grande fronteira tecnológica será a inteligência artificial. Desde então o país começou a desenhar um plano nada menos do que super-ambicioso para essa área: a China tenciona ser a maior potência do mundo em AI em 2030.
Uma outra reportagem publicada pelo The Verge compara mesmo a provável luta entre EUA e China na área de inteligência artificial àquela que houve no século passado entre EUA e Rússia na corrida espacial.
A questão que se coloca é: os EUA têm as maiores tecnológicas do mundo, o que tem a China para fazer pender a balança para o seu lado?
Potências chinesas
Por questões históricas, políticas, comerciais e culturais, estamos mais ligados ao que acontece nos EUA – mas isso não significa que a China esteja parada no tempo. Bem pelo contrário.
Se os EUA têm a Amazon, a China tem a Alibaba. Se os EUA têm a Google, a China tem a Baidu. Se os EUA têm a Uber, a China tem a Didi Chuxing. Se os EUA têm a Apple, a China tem a Huawei. Se os EUA têm o Facebook, a China tem a Tencent. Já deu para perceber a ideia?
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Podem não ser empresas tão conhecidas como as suas correspondentes norte-americanas, mas são empresas de grande dimensão, que geram igualmente vários milhares de milhões de dólares em vendas e que operam no país mais populoso do mundo.
Este é outro ponto importante neste duelo: devido aos seus 1,37 mil milhões de habitantes, as empresas chinesas têm aqui um dos lagos de extração de dados com maior potencial do mundo. Devido às suas políticas protecionistas, este é um mercado que está na sua maioria barrado aos concorrentes norte-americanos. É portanto um duelo que promete.
O governo chinês já disse que vai investir fortemente nas empresas, no próprio Estado e também na área militar para conquistar a primeira posição no mercado da inteligência artificial, criando um mercado doméstico que sozinho poderia valer 150 mil milhões de dólares. Outro aspeto importante passa pelo financiamento público que será dado às universidades e aos investigadores para que desenvolvam trabalhos relacionados com AI.
Então mas este não era um artigo sobre a Rússia?
Não excluir a Rússia do baralho
Como já dissemos, a luta pela inteligência artificial ainda está a definir-se. Com os incentivos públicos certos e com o talento tecnológico certo, ainda há espaço para que vários países tentem conquistar uma posição de relevo no segmento da inteligência artificial – o que também é válido para a União Europeia.
Associar a Rússia à liderança na inteligência artificial não é um exercício fácil de fazer, mas também não é impossível. Um bom exemplo russo é a Yandex, tecnológica que muitas vezes é apelidada de ‘Google da Rússia’.
A empresa tem feito vários desenvolvimentos em segmentos de inteligência artificial, como por exemplo nos carros autónomos. Em 2014 a Yandex criou um spin-off chamado Yandex Data Factory, justamente uma unidade especializada em criar soluções de machine learning para outras empresas. Ou seja, há pelo menos três anos que a Yandex está a tentar aprender com os dados dos seus clientes.
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Também recentemente ouvimos falar da Tactical Missiles Corporation, uma empresa russa da área militar e que está a desenvolver mísseis que são guiados por sistemas de inteligência artificial.
“Esta é uma área muito séria na qual investigação fundamental é necessária. Até hoje, alguns sucessos foram conseguidos, mas ainda temos de trabalhar durante vários anos para atingir resultados específicos”, disse o diretor executivo da Tactical Missiles Corporation, Boris Obnosov, citado pela publicação The Next Web.
Há claramente outros trabalhos de investigação na área da inteligência artificial que estão a ser feitos na Rússia. Em julho de 2016 foi notícia o investigador Alexi Samsonovic, da Universidade Nacional de Investigação Nuclear de Moscovo. Samsonovic disse que estava perto de conseguir um avanço importante na área de AI, um que permitiria às máquinas ‘sentirem’.
Estes são apenas três exemplos de como a Rússia também quer estar nesta luta. Olhando novamente para as declarações de Vladimir Putin, talvez a mensagem tenha sido uma forma de inspirar as novas gerações a investirem naquela que será uma das tecnologias de futuro.
Mas olhando também para os dados que estão disponíveis, a outra mensagem, aquela que diz que é necessário partilhar os conhecimentos da inteligência artificial, talvez seja uma forma de a Rússia e de outros países recuperarem desta desvantagem inicial que todos têm para com os EUA.