A Intel reservou uma surpresa para esta semana: a tecnológica anunciou, num exclusivo da publicação The Verge, uns óculos inteligentes. São óculos que conseguem colocar informação no campo de visão do utilizador de forma não intrusiva e sem criar um impacto visual negativo. À primeira vista os óculos da Intel parecem uns óculos completamente normais.
Mas como seria de esperar de uma grande tecnológica, não são. São óculos que utilizam novos sistema de projeção de luz e que utilizam chips criados de raiz para este form factor. Os Intel Vaunt, como são chamados, foram simplificados ao máximo e é por isso que parecem tão normais quando comparados, por exemplo, com uns Google Glass.
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Os óculos não têm câmara integrada e também não suportam interações por toque – o utilizador faz pequenos movimentos com a cabeça para interagir com os óculos. E no final do ano quando ficarem acessíveis para os programadores, para que possam ser desenvolvidas aplicações para os Intel Vaunt, vão estar disponíveis em diferentes cores, pois quando falámos de óculos o estilo importa e muito.
É importante esclarecer que estes óculos também vão ser simples em funcionalidades – apenas vão mostrar pequenas informações como notificações, mensagens, direções, sugestões de restaurantes no campo de visão dos utilizadores. Nada de Pokémon GO ou de outras aplicações mais complexas de realidade aumentada. Para conseguir ver o texto o utilizador terá de olhar ligeiramente para baixo, isto porque o lado ‘aumentado’ dos óculos foi colocado numa posição em que a projeção não é feita diretamente nos olhos da pessoa.
No futuro, admite a Intel, os óculos podem vir a ter um microfone integrado para que os utilizadores possam usar os seus assistentes de voz preferidos. Os Vaunt suportam tecnologia Bluetooth e podem ser emparelhados tanto com dispositivos iOS, com dispositivos Android, como com dispositivos mais independentes, caso da coluna Amazon Echo.
Dito assim parece que os Intel Vaunt têm tudo para ser bem sucedidos – não são invasivos como os Google Glass, não são excessivos como os Microsoft HoloLens e não são geek como os Magic Leap One. Relativamente aos óculos parece estar tudo bem – o único problema pode estar na própria Intel e na forma como tem gerido alguns dos seus projetos no passado mais recente.
A curta vida do Project Alloy
Em agosto de 2016 o diretor executivo da Intel, Brian Krzanich, apresentava o Project Alloy, uns óculos de realidade virtual carregados de sensores que analisavam o ambiente físico em tempo real. Esta combinação permitia que os Alloy dessem outro sentido ao termo realidade mista, pois permitia misturar elementos reais, como as nossas mãos, nas experiências de realidade virtual.
A demonstração do Project Alloy, ainda que rudimentar, promoveu um dispositivo com um conceito promissor e que se devidamente explorado pelos programadores podia resultar numa nova categoria de produto. Acontece que um ano depois a Intel decidiu cancelar o Project Alloy.
Ainda que os temas da realidade virtual, da realidade aumentada e da realidade mista estejam completamente em voga, o Project Alloy teve uma receção pobre junto dos parceiros. A Intel em vez de fazer um novo forcing ou de tentar uma abordagem diferente para o equipamento, decidiu simplesmente terminar com o projeto.
É de salientar que o Project Alloy consistia nuns óculos de realidade virtual independentes, uma tendência que só agora começa a ser seguida por outros grandes nomes do mercado. Mais: o Project Alloy nem sequer foi concebido para ser um produto comercial, foi concebido de forma aberta por forma a poder ser adaptado por fabricantes de hardware – à Intel só lhe interessava vender os chips. Ainda assim o projeto morreu.
Acontece que a machada no Project Alloy não é o único exemplo de um grande projeto da Intel que desapareceu num curto espaço de tempo.
Que horas são?
Em 2014 a Intel anunciou planos para entrar, com força, no segmento dos wearables. Na altura parecia que os relógios inteligentes iam ser a próxima grande arena de batalha entre as tecnológicas e depois de ter ficado escaldada com a situação do iPhone, a Intel não podia dar-se ao luxo de perder outra grande tendência.
Vimos a Intel a tentar abordar o mercado de luxo, com o bracelete MICA, vimos a Intel a tentar abordar o mercado dos entusiastas da tecnologia, com o projeto de uma pulseira que controlava um batalhão de aranhas-robô, e vimos a Intel tentar abordar diretamente o segmento de consumo com a linha de equipamentos Basis.
No final de 2016 a empresa começou a perceber que estes esforços não estavam a surtir resultados práticos e o mercado no geral percebeu que os wearables, como os relógios inteligentes, não estavam a ter tanta procura como tiveram os smartphones ou os tablets.
O que começou por alguns despedimentos e reorganizações dos grupos de trabalho a nível interno, acabou em julho de 2017 por transformar-se no fecho completo da divisão de wearables.
E a Internet das Coisas?
Sim, a Intel também quis dominar o segmento da Internet das Coisas (IoT na sigla em inglês). Mas por esta altura já deve ter percebido o que aconteceu a essas ambições: foram descontinuadas.
Em junho de 2017 a empresa anunciou que os seus módulos de computação Galileo, Joule e Edison não continuariam a ter um desenvolvimento ativo. Enquanto o Galileo [2014] era mais focado na comunidade dos makers, o Edison [2015] era mais focado no mercado da Internet das Coisas e o Joule mais orientado para projetos de robótica [2016]. Entre si partilhavam o objetivo comum de facilitar que mais equipamentos estivessem ligados à grande rede.
A descontinuação destes três módulos não teve uma grande justificação – parece que simplesmente a Intel perdeu interesse nestes projetos e preferiu focar-se em projetos de maior escala, que possam trazer de facto o retorno que a empresa precisa num mundo cada vez mais competitivo.
É que a altura na qual a Intel mais tentou diversificar a sua estratégia – em wearables, IoT e realidade mista -, coincidiu com a altura em que o número de rivais aumentou de forma significativa. A Apple já faz os seus próprios processadores, a Samsung agigantou-se nesta área, a Google começou a criar processadores específicos para a área da inteligência artificial, a Softbank comprou a ARM para dar mais força à empresa e a AMD tem apresentado propostas muito interessantes na relação qualidade-preço. Sim, a Intel continua a deter quotas de mercado na casa dos 90% no segmento dos PCs, mas até nesta área a empresa precisará de ter cuidado devido ao impacto provocado pelas falhas Meltdown e Spectre.
Portanto, por muito interessantes e promissores que sejam os Intel Vaunt – têm das melhores propostas entre formato e funcionalidade -, talvez seja melhor receber este equipamento com alguma frieza – mais não seja pelo simples facto de várias empresas já terem tentado criar óculos inteligentes e de quase todas terem falhado redondamente.