Durante oito anos houve um médico do qual todos sabiam o nome: Gregory House. A série ficcional norte-americana popularizou-se um pouco por todo o mundo devido a diferentes motivos. Mas todos conhecem o Dr. House como o génio que conseguia chegar a diagnósticos que sem ele pareciam impossíveis de materializar.
O que talvez muitas pessoas não sabem é que existe um Dr. House ‘da vida real’. É o médico alemão Jürgen Schäfer, especialista no diagnóstico de doenças raras. Todas as semanas gosta de reunir uma equipa com 15 médicos de diferentes especialidades para que todos em conjunto possam debater os casos mais graves que têm entre mãos.
Se as semelhanças entre Jürgen Schäfer e o Dr. House já parecem evidentes, o ‘destino’ decidiu juntar ainda mais os seus nomes: a equipa do médico alemão conseguiu resolver um caso de um paciente com a ajuda de um episódio da série televisiva. É que o caso verídico era justamente igual ao caso ficcional e o diagnóstico estava correto.
Tratava-se de uma pessoa que tinha uma prótese metálica na anca que estava a envenenar o corpo com cobalto. O caso de Jürgen Schäfer remonta a maio de 2012. Já o episódio da série é o nº11 da sétima temporada.
Apesar destas curiosidades, diagnosticar doenças na vida real é muito diferente daquilo que vemos na ficção.
“As pessoas que aparecem no nosso hospital trazem cinco quilos de dados médicos”, explicou Jürgen Schäfer, em conferência de imprensa. Por isso é que a empresa hospitalar para a qual trabalha, a Rhön-Klinikum, firmou uma parceria com a IBM para vestir a bata médica ao sistema de inteligência artificial Watson.
Recentemente demos conta de um caso no Japão no qual o Watson já foi crucial para salvar a vida de uma mulher: ajudou os médicos a fazer o diagnóstico correto da paciente.
E será esta a sua nova tarefa como clínico da Rhön-Klinikum. Na prática os médicos vão usar toda a capacidade de computação e de interligação de informação do Watson para acelerarem os diagnósticos médicos.
Os médicos já tinham um sistema compreensivo de diagnóstico, mas era maioritariamente ‘físico’. Com o Watson vão digitalizar este processo e acelerar as hipóteses de diagnóstico – isto poderá permitir resolver um maior número de casos num mesmo período de tempo.
Para alimentar o poder de conhecimento do Watson os investigadores estão a usar dados de várias fontes: Wikipédia, registo dos pacientes, bases de dados especializadas e literatura médica. Depois acrescentam vários factores como o facto de o paciente ter ou não animal de estimação ou se mudou recentemente de localização. Estes dados já são provenientes de um inquérito extenso feito aos pacientes.
E aqui não vale a pena mentir, como acontecia muitas vezes na série: não partilhar os dados corretos poderá ser aquilo que separa um doente com uma condição rara da cura. “Há muitas pessoas com doenças raras que simplesmente estão mal diagnosticadas”, salientou o médico alemão.
Se lhe parece incómoda a ideia de ter um supercomputador a fazer o seu diagnóstico médico, Jürgen Schäfer saiu-se com uma estirada durante a conferência que seria digna do Dr. House.
“Precisamos de alta tecnologia e não precisamos de ter medo dela. Se o piloto do avião desligasse o computador de bordo, sentir-se-ia mais seguro? Dificilmente”.
“Se tentares memorizar sete mil doenças, vais falhar”, acrescentou o médico e investigador Tobias Müller, que também está a trabalhar neste projeto.
Um caminho de aprendizagem
A prova de fogo que foi apresentada para validar o Watson como o novo médico de doenças raras do grupo Rhön-Klinikum veio com um caso real.
Uma mulher de 41 anos apresentava diferentes sintomas: síndrome do roubo da subclávia, indícios de aterosclerose, xantomas nos tendões, cataratas, entre outros elementos.
Os médicos fizeram os testes de diagnósticos indicados para os diferentes sintomas. Só depois é que entrou em ação o núcleo cognitivo do Watson: estabeleceu dezenas de milhares de ligações para ligar os sintomas a possíveis doenças. O Watson deu três diagnósticos diferenciais aos médicos e concluiu que a pessoa sofria de uma doença metabólica.
O Watson estava correto.
Nesta altura é importante dizer que este diagnóstico feito pelo Watson já ocorreu depois de a equipa de médicos ter chegado sozinha à conclusão certa. Ou seja, a equipa deu o mesmo caso ao supercomputador para perceber se conseguia atingir justamamente os mesmos resultados.
Conseguiu. Mas com uma grande diferença: os médicos demoraram dias a atingir o diagnóstico, o Watson apenas precisou de alguns segundos.
Este não foi o único caso no qual o Watson trabalhou em retroespectiva. Ao computador foram dados um total de 500 casos clínicos e os resultados obtidos fizeram com que o grupo hospitalar Rhön-Klinikum quisesse firmar uma parceria com a IBM.
O acordo entre as duas organizações para um projeto de investigação foi anunciado em fevereiro de 2016
“Acreditamos que se conseguirmos usar o Watson para resolver os casos mais difíceis, então será possível usar a mesma tecnologia para casos mais simples”, salientou o diretor financeiro do grupo hospitalar, Jens-Peter Neumann.
Agora o objetivo passa por começar a usar o computador na resolução de casos em ‘tempo real’, algo que deverá acontecer já entre o final deste ano e o início do próximo.
Entre computadores quânticos, chocolates cognitivos e aplicações que podem ajudar a salvar vidas no trabalho, este acabou por ser o grande anúncio do dia aberto dos laboratórios de investigação da IBM em Zurique.
O potencial, como ficou demonstrado, é imenso. Estamos em 2016 e os computadores, que foram criados há 70 anos, já conseguem diagnosticar doenças raras. Consegue imaginar o que nos poderá esperar nos próximos 70?
N.R.: O FUTURE BEHIND viajou para Zurique a convite da IBM