Chocolates cognitivos

Chocolates cognitivos, porque não?

Aposto que já comeu vários chocolates na vida. Uns mais amargos, outros mais doces. Possivelmente com origem em diferentes países. Agora a verdadeira pergunta: já alguma vez comeu um chocolate cognitivo? Eu já.

Por esta altura deve estar a perguntar o que será um chocolate cognitivo e o que o torna tão especial – além do nome claro. Na prática é um chocolate pensado por um sistema de inteligência artificial cognitiva. Os chocolates que comi foram criados, nada mais, nada menos, pelo chef Watson, o supercomputador dos sete ofícios da IBM.




Na prática o sistema da tecnológica norte-americana recorre ao conhecimento que tem de centenas de ingredientes para encontrar alguns que considera que vão combinar em sabor. Este conceito pode parecer estranho – consegue um computador saber o que é o sabor e a que sabem os ingredientes?

Em certa medida, sim. No seu catálogo de dados o Watson tem mais de 35 mil receitas de referência – não apenas de chocolate – e os compostos químicos de mais de mil sabores. A questão é esta: aquilo que nós percebemos como sabor, ao Watson precisamos de lhe dizer em informação digital.

Quando está em poder de toda esta informação o supercomputador consegue então fazer as suas sugestões de receitas, combinando ingredientes que de acordo com a cozinha convencional podem parecer improváveis, mas que de acordo com os seus dados e análises químicas farão sentido à luz dos gostos humanos.

Watson, apetecia-me algo…

No evento IBM Research, na Suíça – terra dos chocolates por herança – tivemos a oportunidade de provar três chocolates diferentes que foram pensados pelo chef Watson e que foram confecionados por uma empresa centenária local.

Estes foram os resultados.

L’Original

Ingredientes: pasta de cacau, manteiga de cacau, açúcar, natas frescas, manteiga fresca, sementes de mostarda, óleo natural de essência de funcho, coentros, lecitina.Chocolates l'originalConvencido com a primeira lista de ingredientes? Olhando por alto para esta lista identificaria a mostarda como o ingrediente ‘esquisito’, isto sem considerar a lecitina que precisei de ver no dicionário o que é – uma substância que existe nos ovos.

O Watson considera que estes ingredientes fazem um bom chocolate mediante os gostos tradicionais das pessoas. A questão do gosto é subjetiva e não sou um especialista em chocolate, mas tentarei deixar aqui a minha opinião sobre este quadrado [comi duas unidades de cada, em momentos diferentes, só para ficar com uma noção mais exata].

Dos três o L’Original era o que tinha o cheiro mais tradicional e era também o que tinha a melhor combinação de sabores. Se houvesse este chocolate no mercado seria certamente um comprador ocasional pois tinha um sabor distintivo, mas não demasiado radical.

Mesmo a nível pessoal para mim é interessante dizer isto pois nem sequer sou apreciador de coentros. Mas devido à mistura química de sabores e aromas, tudo conjugou bem.

Barbade

Ingredientes: pasta de cacau, manteiga de cacau, açúcar, manteiga fresca, vinagre balsâmico, polpa de morango, pimenta sichuan, manjericão fresco, lecitina.Chocolates barbadeHmm… vinagre balsâmico estou habituado a ver nas saladas, não tanto nos chocolates.

Ainda assim, era um chocolate de cheiro discreto, com sabor suave ao início, mas que à medida que ia mastigando intensificava. Quando está na boca é o vinagre que sobressai, mas o sabor do morango ajuda a criar um balanço mais ou menos estável – o vinagre acaba sempre por ganhar.

Mesmo tendo pimenta não a sentimos muito. Talvez este fosse um chocolate mais para os amantes do cacau.

Moricoco

Ingredientes: pasta de cacau, manteiga de cacau, açúcar, polpa de lima, coco, manteiga fresca, gengibre, rum cubano, lecitina.Chocolates MoricocoPela lista de ingredientes este seria à partida o chocolate que diria ser mais tradicional. Mas curiosamente a nível de sabor foi aquele que menos me agradou.

Tinha um cheiro exótico, sem dúvida, mas um sabor bastante ácido. O gengibre e o limão trataram disso. As raspas de coco sentem-se enquanto mastigamos, mas não têm um grande impacto no sabor. No final ficamos com uma sensação picante na boca, por causa do gengibre. Foi o mais intenso de todos os chocolates.

Ainda assim devo salientar que enquanto degustava estas três iguarias estava à conversa com um investigador brasileiro da IBM que disse ser este o seu preferido de todos.

Gostos não se discutem, certo?

Não é objetivo chegar aqui a uma conclusão sobre as habilidades ou não do Watson como chef de cozinha. A verdade é que mesmo sendo criativo nos ingredientes que mistura consegue atingir resultados de sabor com os quais as pessoas se identificam. A originalidade dos ingredientes pode fazer isso mesmo: fazer com que uns gostem muito e outros não gostem tanto. O mesmo acontece com o chocolate tradicional: o mais puro e rico em cacau é muito amargo para uns, mas é a única tipologia de chocolate que outras pessoas consomem.

Por outro lado conjuga ingredientes muito fortes – vinagre balsâmico, gengibre – que acabam por tirar sentido a outros ingredientes – coco, coentros. Talvez alguém com as papilas gustativas mais apuradas discordasse, mas espero que tenha dado para transmitir uma ideia da fusão de sabores.

Conclusão: comi um chocolate feito por um supercomputador e o resultado no geral está aprovado. Há uma área onde o Watson atinge um nível bastante satisfatório: na criatividade. E não é justamente este o elemento que distingue os grandes chefs?

Como tudo começou

Há muito tempo que o Watson anda com as mãos na massa, literalmente. A primeira vez que ouvi falar desta sua faceta cozinheira foi durante o festival norte-americano South By Southwest em 2014.

Na altura os engenheiros da IBM estabeleceram o Watson numa carrinha de comida rápida e colocaram à disposição dos visitantes um sistema que lhes permitiria ter um prato original criado pelo sistema cognitivo. Bastava escolher a tipologia do prato, a região que devia inspirar a receita e um único ingrediente.




Mediante estes dados o Watson sugeria depois outros 12 a 14 ingredientes, dizia qual o nível de combinação entre os ingredientes e ainda o grau de ‘agradabilidade’ de sabor e odor que o prato provavelmente teria.

É preciso dizer que o Watson não é mesmo o cozinheiro e existe um toque humano nas suas criações. O sistema apenas dá a lista de ingredientes, cabendo depois ao cozinheiro tentar combinar da melhor forma essa mistura ‘explosiva’ de sabores.

Esta experiência rapidamente ganhou tração na imprensa internacional e nos meses seguintes várias publicações estiveram a trabalhar com a IBM por forma a terem receitas publicadas com a ajuda do supercomputador.

Uma destas rubricas foi assinada pelo Engadget, um dos mais conhecidos sites de tecnologia do mundo: bruschetta turca com lentilhas vermelhas, alguém é servido?

Esta história do Watson na cozinha é na realidade uma forma mais simples de a IBM explicar às pessoas as potencialidades que o sistema pode atingir noutras áreas. Em vez de misturar ingredientes e gerar receitas, o supercomputador pode analisar sintomas e descobrir quais as doenças que estão a afetar uma pessoa, por exemplo. A lógica é a mesma: ‘mastigar’ um grande volume de dados, aprender constantemente para apurar os seus ‘sentidos’ e tentar ser o mais prestável possível na área no qual está a atuar.

Mas como na vida também há espaço para a diversão e o lazer, ter um computador a criar um chocolate cai sempre bem – ou quase sempre, não fosse aquele quadrado chamado Moricoco.

N.R.: O FUTURE BEHIND viajou para Zurique a convite da IBM