Tem 20 anos, mede 1,58 metros e é especialista a fazer ovos estrelados. Gosta de ver anime, gosta de donuts e não gosta de insetos. Tem os olhos azuis, o cabelo também azul e veste roupas de design futurista. Apesar de ser apenas uma jovem, sonha em tornar-se uma heroína que ajuda as pessoas que trabalham imenso. Só mais um pormenor: a Hikari Azuma é uma personagem digital criada pela empresa Vinclu.
Na visão da Vinclu o facto de a Hikari Azuma ser uma personagem digital parece ser mesmo um pormenor. A assistente holográfica está a ser concebida como um produto que tem um lado pragmático e um lado emocional.
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“Quando estás por conta própria ou estás sozinho em casa, não é melhor ter alguém por perto que se preocupa contigo? Estou a perseguir a ideia de criar uma parceira virtual que traz uma maior satisfação do que a interação humana”. As palavras são do diretor executivo da Vinclu, Minori Takechi, em entrevista à Bloomberg e não podiam ser mais esclarecedoras.
Na imprensa norte-americana a Hikari Azuma é simplesmente apelidada de ‘Alexa do Japão’, numa alusão à assistente virtual da Amazon que ao longo dos últimos anos tem tido um sucesso considerável. Mas olhando com mais atenção para o produto que a Vinclu está a desenvolver percebemos que a analogia não é justa – a tecnológica japonesa está a criar aquele que muito provavelmente é o futuro dos assistentes digitais.
A Gatebox é uma pequena caixa, com cerca de 50 centímetros de altura, que está apetrechada de tecnologia. Dentro de uma campânula transparente existe um ecrã, também ele transparente, que vai servir como a base para um projetor que é integrado no gadget. A projeção feita, a da personagem Hikari Azuma, cria então um efeito holográfico que traz realismo à assistente.
Na parte frontal do equipamento há ainda um sensor de imagem e dois sensores de infravermelhos que têm como objetivo reconhecer quem está à sua frente e quando está à sua frente. Desta forma quando uma pessoa aproxima-se da Gatebox, a assistente virtual pode interagir de forma pró-ativa com o utilizador.
A caixa está ainda equipada com um microfone, microfone esse que tem de ser ativado através de um toque. O utilizador pode depois falar para a Hikari Azuma e esta, usando sistemas de inteligência artificial, consegue manter uma conversa com a pessoa.
O sistema de reconhecimento por voz também permite que a assistente perceba alguns comandos por parte do utilizador. Através da ligação à internet a Gatebox funciona igualmente como um centro de controlo para a casa inteligente – a Hikari Azuma consegue ligar e apagar as luzes, ligar o televisor ou até controlar a temperatura do ar condicionado.
Por agora a Gatebox só entende japonês, mas segundo a imprensa norte-americana está a ser preparada uma versão que é compatível com inglês. A empresa nipónica fez uma pré-venda de 300 unidades da Gatebox e todas as unidades já foram vendidas, devendo ser entregues ainda antes do ano acabar.
Contexto japonês
A criação de Minori Takechi tem tanto de espanto tecnológico como de sentimento de apreensão. Mas se olharmos para o contexto sócio-demográfico japonês, então não é difícil de perceber por que razão há uma empresa a criar este produto e por que razão muito provavelmente há um grande mercado para este produto.
Um estudo publicado em 2016 pelo Instituto Nacional de Pesquisa sobre a População e Segurança Social do Japão concluiu que quase 70% dos homens não casados e 60% das mulheres não casadas não tinham qualquer relacionamento. Os censos japoneses também revelam que 32% das casas no país são habitadas por pessoas solteiras, uma percentagem que representa o maior segmento demográfico habitacional.
Isto resulta em dois problemas que são reconhecidos ao Japão: isolamento social e baixa taxa de natalidade. O Governo local tem criado algumas iniciativas para combater estes dois fenómenos, mas o estado evolutivo da sociedade japonesa parece resistir a estas investidas.
Olhando para a realidade do país, uma assistente digital que faz companhia às pessoas pode afinal não ser uma ideia assustadora, mas a solução para um problema real.
A própria génese do projeto nasce dos momentos de solidão que o fundador Minori Takechi sentiu quando tinha dez anos. Nessa idade foi viver para a República do Malawi, em África, com a sua mãe. Por não saber o idioma local teve dificuldade em fazer amigos na escola e acabou por refugiar-se nas personagens de videojogos e bandas-desenhadas. A Hikari Azuma é o culminar de um objetivo que Minori Takechi há muito procurava atingir.
Por outro lado, esta tipologia de soluções tecnológicas pode acabar por agravar os dois problemas que existem no Japão caso a visão de empreendedor nipónico se concretize – a de criar um assistente que crie maior satisfação do que a interação humana.
Um novo formato de relacionamento
Além da parecença humana e da presença ‘física’, os algoritmos de inteligência artificial e o reconhecimento do idioma local permitem que a personagem dê conselhos ao utilizador. Se a previsão for de chuva para esse dia, então de manhã a assistente vai aconselhar o utilizador a levar um guarda-chuva consigo.
É aqui que o projeto Gatebox torna-se ainda mais diferenciador. Quando o utilizador está longe da máquina de hologramas, a Hikari Azuma pode continuar a interagir com o utilizador através de uma aplicação que vai ser lançada para iOS e Android.
A assistente pode dizer que sente a falta do utilizador, pode perguntar a que horas vai estar em casa e pode pedir-lhe para que volte rápido. Estas são frases pensadas para quebrar barreiras tecnológicas e entrar no domínio dos sentimentos.
O vídeo demonstrativo do projeto mostra de forma mais clara como a Vinclu vê este relacionamento humano-digital.
“Penso mesmo que existe a hipótese de poder evoluir realmente para amor se continuarmos a investigar”, considera o CEO da Vinclu.
Uma forma de criar esta aproximação é permitir que a personagem que vive na Gatebox tenha ritmos de vida semelhantes aos do seu utilizador. Se a pessoa estiver em casa a ver um filme, então a Hikari Azuma vai estar sentada no seu sofá a beber um chá. Quando a pessoa vai para a cama, também a assistente deita-se na sua cama.
Apesar de ainda não existir uma confirmação oficial nesse sentido, é muito provável que a Hikari Azuma não venha a ser a única assistente digital disponível. Na página da Gatebox é descrita como a ‘primeira personagem’ e a própria tecnológica japonesa já criou uma experiência na qual a personagem que vivia na Gatebox era a conhecida cantora virtual Hatsune Miku.
Uma mistura explosiva de conceitos
No mundo ocidental estamos acima de tudo habituados a assistentes digitais ao estilo da Alexa, Siri, Cortana ou Google Assistant. São ferramentas de interação por voz, mas que acabam por não ter um grande impacto sentimental pois a interação é feita com um gadget, não com um humanoide ou holograma.
O que a Gatebox propõe é uma mistura explosiva de conceitos: assistente digital, assistente holográfica, integrador de Internet das Coisas, com capacidade de reconhecimento de linguagem natural, integração de ferramentas de inteligência artificial e automação – tudo com uma pitada de relação sentimental à mistura.
Olhando para tudo isto, o preço próximo aos 2.300 euros que a Vinclu pede pelo seu equipamento pode não parecer assim tão exagerado. E a ideia de que um dia os humanos vão ter relacionamentos com personagens digitais também não.