Sim, assistimos à apresentação de novos gadgets por parte da tecnológica norte-americana – como o Google Pixel – e vimos aquela que é pela primeira vez uma postura séria relativamente à produção de hardware.
Mas bem analisado o evento da Google percebemos que não é sobre o smartphone, a coluna inteligente ou o dispositivo que liga ao televisor. Todo o evento de hoje foi projetado em torno do Google Assistant, a ferramenta que a tecnológica espera que lhe dê vantagem no começo de uma nova etapa tecnológica.
Não foi por acaso que a apresentação começou com referências ao Google Assistant, terminou com referências ao Google Assistant e pelo meio houve, claro, bastantes referências ao Google Assistant.
“No Google I/O falámos da visão para esse futuro. A computação sempre sofreu grandes alterações a cada dez anos”, começou por referir o diretor executivo, Sundar Pichai, na keynote de abertura.
O CEO referiu-se à chegada do computador na década de 1980, ao início da World Wide Web (WWW) na década de 1990, seguiu-se o advento do smartphone e agora a Google acredita que a próxima grande plataforma será a inteligência artificial – Adam Cheyer, o criador da assistente Siri, também assim já o tinha defendido.
“Estamos a evoluir de um mundo mobile para um mundo de inteligência artificial. A computação vai estar universalmente disponível em todos os contextos do dia a dia. As pessoas vão poder interagir com ela de forma contínua”, defendeu Sundar Pichai, para depois acrescentar:
“Na Google estamos muito entusiasmados com esta mudança. O Google Assistent é o pivô para esta mudança. O assistente vai ser universal, vai estar disponível quando os utilizadores precisarem. Queremos um Google para cada pessoa”.
‘Um Google para o teu mundo’
Esta é a nossa missiva da tecnológica para os próximos dez anos. Se até aqui a Google criou um Google para todos – um motor de busca de informação, um motor de busca de imagens, um motor de acesso a quase tudo o que nos conseguimos lembrar -, chegou a hora de o Google adaptar-se a cada utilizador.
“Quanto mais usar o Google, mais inteligente ele fica”, salientou o CEO.
O Knowledge Graph da Google já tem sete mil milhões de factos
A Google deu mesmo a entender que só houve a introdução de novo hardware pois existe software – o Google Assistant – que torna essa aposta em algo com mais sentido de missão para a empresa.
“Porque devemos construir hardware?”, questionou o diretor da divisão de hardware da Google, Rick Osterloh, dizendo que esta foi uma pergunta que lhe foi feita vezes e vezes sem conta nos últimos tempos. E a resposta foi dada várias vezes ao longo do evento e pela voz de diferentes responsáveis da tecnológica: interseção entre hardware e software.
“As pessoas têm ligações fortes com os produtos que usam todos os dias. Este é o tempo certo para estar focado e para pensar em hardware e software. A próxima grande inovação vai acontecer na interseção entre hardware e software, com a inteligência artificial a ter grande destaque”, considerou Osterloh.
O Google Pixel e a coluna Google Home, por exemplo, são equipamentos que foram projetados com esta ideia no seu núcleo. Sem o Google Assistant certamente não existiria a coluna. E sem o assistente o smartphone Pixel seria apenas mais um dispositivo com muito músculo e pouco cérebro.
A Google acredita que as pessoas vão começar a procurar os equipamentos que passem apenas de conectores com o mundo a verdadeiros companheiros e assistentes no quotidiano.
“Estamos a construir hardware com o Google Assistant no seu núcleo. Os dispositivos simplesmente funcionam para ti. Isto foi algo que a Google sempre defendeu. Agora estamos a tomar os passos para mostrar o melhor da Google no hardware”, analisou o ‘patrão’ da nova divisão da gigante de Mountain View.
Todos os que experimentaram a aplicação de conversação Google Allo já tiveram contacto com o Google Assistant. Na prática é uma ferramenta de inteligência artificial que além de conseguir responder a questões e de executar pedidos, consegue tirar significado das situações em que tal acontece.
Com o Pixel esse assistente não vem integrado apenas na aplicação, está integrado ao nível do sistema operativo Android. O Google Assistant pode ser ‘chamado’ em qualquer altura, seja a partir do ecrã de início ou dentro de qualquer aplicação. E isto pode ser feito pressionando o botão central do sistema operativo ou dizendo a palavra ‘Google’.
Apesar de estar integrada ao nível do software mais básico do smartphone, será compatível com diferentes aplicações. Por exemplo, se enviar uma mensagem através do Google Assistant, tanto poderá fazê-lo através da aplicação de SMS, através do WhatsApp, através do Viber ou de outros serviços que serão compatíveis.
Já no final do evento o líder de engenharia do Google Assistant, Scott Huffman, anunciou que esta será a próxima plataforma aberta da tecnológica.
Isto significa na prática que qualquer empresa, qualquer programador, vai poder tirar partido das capacidades de integração e da inteligência da ferramenta da Google. No palco foi mostrado um exemplo: o utilizador pediu ao Google Assistant por um Uber e quem entrou em cena foi um assistente da Uber. Usando as mesmas capacidades de reconhecimento vocal e textual, foi agendada uma viagem através do serviço.
Ou seja, o Google Assistent permitirá que outros bots sejam integrados no smartphone do utilizador, trazendo-lhe não só uma maior camada de inteligência, mas também um maior nível de precisão de executar cada tarefa recorrendo para isso às habilidades nos quais cada serviço é perito.
CNN, Jelly, LinkedIn, Product Hunt, Pandora, Spotify, The Wall Street Journal, Todoist, Lonely Planet, Uber, IFTTT, Vivino, OpenTable e Netflix, entrou outros, já estão a trabalhar na integração com o Google Assistant
Sem grande surpresa Scott Huffman terminaria da seguinte forma: “Hoje é um marco importante para a Google. O melhor hardware encontra o melhor software”.
Não deixa de ser curioso que este é há vários anos o mantra da Apple – ligação simbiótica entre a componente física e digital de um dispositivo. Mas o que a Google revelou hoje não é uma cópia da postura da Apple – é uma reinterpretação daquele que deve ser o conceito da mistura de bom hardware com bom software.
Na prática tudo parece funcionar às mil maravilhas, mas existem algumas barreiras a superar: o suporte de vários idiomas é um deles.
No final de tudo isto o mais importante não será ver o nível de aceitação do público ao novo hardware da Google, mas sim ver até que ponto conseguem interligar-se com o novo assistente digital. Pois este sim foi o grande foco da apresentação de hoje e o motivo pelo qual o 4 de outubro poderá então ficar na história da empresa.