A IFA em Berlim é uma das maiores feiras de eletrónica de consumo do mundo. E apesar de haver um evento claramente maior em termos de tecnologias móveis – o Mobile World Congress em Barcelona -, a feira alemã acaba por ter a sua dose de novidades.
Foi lá, por exemplo, que a Sony e a Huawei decidiram apresentar as suas mais recentes apostas para o mercado dos smartphones.
Agora que todo o furor causado pela apresentação dos gadgets já passou, já é possível pensar sobre um tema que deve ser considerado como crítico: o estado de saúde do ecossistema Android. A Google e os seus parceiros de hardware podiam ter capitalizado muito mais a atenção do mundo caso os smartphones e tablets apresentados na IFA já tivessem a mais recente versão do sistema operativo móvel.
E o que é que aconteceu? O pior de todos os cenários: nem um dispositivo móvel foi revelado com Android 7.0 ‘Nougat’. Algo que fica mal não só à Google, como aos fabricantes de hardware. E a situação só tende a piorar quando olhamos para a forma como a última versão do Android foi preparada.
Android N para todos
Este ano a tecnológica de Mountain View decidiu ter um planeamento diferente e revelou pela primeira vez o Android N a 9 de março. Nesse dia ficou disponível uma versão de pré-visualização que os utilizadores podiam testar. Utilizadores comuns, utilizadores mais versados em tecnologia, programadores e claro, empresas.
O Android N foi disponibilizado para todos, sem segredos e de forma bem atempada. O desenvolvimento do sistema operativo foi ocorrendo com o feedback da comunidade, um pouco como aconteceu com o Windows 10 da Microsoft, e a 18 de julho a Google lançou a versão beta final do sistema operativo.
No dia 22 de agosto, passado pouco mais de um mês, o Android 7.0 ‘Nougat’ era lançado oficialmente e já na sua versão final. Tinham passado mais de cinco meses desde o primeiro anúncio.
Isto para dizer que não foi por falta de tempo que não houve a adaptação do sistema operativo aos dispositivos apresentados na IFA. A prova cabal disto é o facto de a LG ter apresentado o primeiro smartphone do mundo com Android 7.0 no dia 6 de setembro, antes de a IFA ter terminado oficialmente.
Se uma empresa consegue, as restantes também deviam fazê-lo. A situação além de mostrar uma gestão deficitária do ecossistema Android, piora o seu maior problema: a fragmentação.
A versão Android 6.0 ‘Marshmallow’ marcava, a 1 de agosto, presença em 15% dos dispositivos com o sistema operativo da Google
Dispositivos apresentados na IFA, como o topo de gama Sony Xperia ZX, só vão chegar ao mercado em outubro. Quer isto dizer que nessa altura, dois meses depois de já ter sido disponibilizado o Android 7.0, os consumidores que se sentirem atraídos pelo smartphone vão ser obrigados a comprar o melhor hardware, mas com software do ‘passado’.
Nem o todo poderoso Galaxy Note 7 – independentemente dos problemas com as baterias – foi aproveitado como uma grande montra para lançar o Android 7.0. Caso o tivesse feito a Google conseguiria colocar logo nas mãos de milhões de utilizadores o estado da arte do Android.
Relações difíceis
Claro que nem tudo é linear na relação entre a Google e os fabricantes de hardware – caso contrário, porque razão teria a Samsung o Tizen? -, mas a situação da IFA parece mostrar que além de não remarem para o mesmo lado, as empresas não parecem estar interessadas em remar para o mesmo lado. Se tivessem apresentado smartphones com Android 7.0 todos ganhariam.
Parece, de alguma forma, que a questão da fragmentação é indiferente para as empresas. Caso contrário, seria de esperar uma atitude diferente por parte de todos os intervenientes. Mas a fragmentação é tudo menos benéfica.
A razão mais óbvia é a questão da segurança. As versões mais recentes dos sistemas operativos e aplicações são sempre as mais aconselháveis, são as que estão mais à ‘prova de bala’ contra ataques informáticos.
Depois por uma questão de concorrência. De nada adianta à Google produzir um sistema operativo moderno se na prática, se na realidade, mais de 80% dos seus utilizadores estiverem no passado, com versões antigas do Android. Parte do sucesso do iPhone capitaliza-se por este facto: a Apple tem tentado levar o mais longe possível os smartphones antigos com atualizações para as mais recentes versões do iOS.
É justo dizer que uma parte dos dispositivos anunciados na IFA 2016 vão acabar por receber o Android 7.0 ‘Nougat’, mas também é um facto que quando isso provavelmente acontecer, já estará uma nova versão do Android quase pronta para ser revelada.
Falámos recentemente da BlackBerry e de como o modelo adotado pela empresa pode de facto fazer a diferença no ecossistema Android. Mas até a BlackBerry, que coloca a segurança acima de tudo o resto, está com um tempo de desenvolvimento de seis meses após o lançamento oficial do Android.
A fragmentação do sistema operativo ajuda a vender dispositivos. E a falta de alternativas no ambiente mobile acaba por não colocar pressão nas empresas quando parecem não adotar a estratégia mais correta. Os números mostram que a Google tem o mundo nas suas mãos, com quotas de mercado superiores a 80%.
É difícil de imaginar uma rebelião em que os utilizadores deixam de usar Android simplesmente porque o sistema operativo não é o mais atual. A Google dirá, certamente com razão, que não controla os ciclos de atualização das empresas. É verdade que se impusesse regras demasiado restritas então a ‘liberdade’ do Android perderia parte do seu apelo.
Mas a partir do momento em que existem situações como a do Stagefright, que deixaram 900 milhões de dispositivos vulneráveis e muitos deles continuam sem receber atualizações, parece motivo mais do que suficiente para imprimir algumas mudanças na forma como o Android é distribuído – ou melhor, não é distribuído – pelos utilizadores.