Se não os consegues vencer, copia-os até que deixe de fazer sentido

Esta é uma impressão pessoal e vale o que vale. No dia em que o Instagram disponibilizou a funcionalidade Stories, muitas das 265 pessoas que sigo na rede social aderiram de imediato a este novo formato de publicação. Desde então a minha barra superior no Instagram está sempre populada com círculos brilhantes. Não houve um único dia ao longo dos últimos meses em que não existisse pelo menos uma história a ser partilhada.

Os números partilhados oficialmente pelo Facebook ajudam a perceber este fenómeno: 150 milhões de pessoas utilizam ativamente a funcionalidade Stories. É justo dizer que esta aposta da tecnológica norte-americana foi um sucesso instantâneo.




Depois olho para o meu WhatsApp e para a minha lista de 128 contactos que já usam esta aplicação. Na recém criada secção Estados, onde era suposto surgirem as WhatsApp Stories dos meus contactos, nunca vi qualquer interação. É certo que esta funcionalidade está disponível há menos tempo, mas já lá vai quase um mês e nunca vi qualquer uma destas pessoas a publicar uma Storie no WhatsApp.

Uma vez mais, este é um exemplo pessoal e vale o que vale. Mas depois desta comparação de situações torna-se difícil não deixar de pensar na estratégia agressiva que o Facebook tem implementado em torno da funcionalidade Stories e de como todo este processo tem-se desenrolado. Parece que é mais importante ter as Stories em todos os serviços do que ver propriamente se fazem sentido ou não mediante os diferentes ambientes para os quais se destinam.

A funcionalidade Stories tornou-se popular pela mão do Snapchat, a rede social que o Facebook tentou comprar por três mil milhões de dólares e não conseguiu. Desde esta ‘tampa’ que uma das principais ‘guerras’ do Facebook tem sido tentar derrubar as taxas de crescimento do Snapchat. Como? Tentando copiar alguns dos seus principais pontos diferenciadores.

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O Facebook tem um vasto histórico de tentativas neste sentido, todas elas falhadas – os nomes Poke e Slingshot dizem-lhe alguma coisa? Até que a tecnológica liderada por Mark Zuckerberg decidiu assumir uma postura diferente: copiar, sem dó nem piedade, até no nome, o maior elemento de sucesso do Snapchat.

Aquele-Cujo-Nome-Não-Deve-Ser-Pronunciado

“Ainda assim, todas as pessoas que estavam na sala da entrevista sabiam que não havia como evitar a questão sobre o Snapchat, por isso coloquei-a de forma franca: ‘Vamos falar sobre a big thing. O Snapchat foi bastante pioneiro neste formato. Muitas partes do conceito, a implementação, até os detalhes…’”, escreveu o repórter do TechCrunch no artigo em que foi anunciada ao mundo a funcionalidade Instagram Stories.

O diretor executivo do Instagram não deixou o jornalista terminar a frase. “Totalmente. Eles [Snapchat] merecem todo o crédito”, disse Kevin Systrom.

Josh Constantine do TechCrunch revelou ter ficado boquiaberto com esta estirada do CEO do Instagram. Mas Kevin Systrom depois também deixou clara uma ideia muito importante: o Instagram inspirou-se no Snapchat, mas muitas outras redes sociais já se inspiraram no Facebook para muito daquilo que são hoje. Um exemplo desta ideia? Basta olhar para a evolução que o LinkedIn tem tido ao longo dos últimos anos.

Este mesmo Josh Constantine foi o jornalista destacado para entrevistar alguns executivos e engenheiros do Facebook sobre uma nova funcionalidade do Facebook Messenger – sim, Stories também para o Facebook Messenger. Mas desta vez o nome é diferente – Messenger Day.

Se no passado houve uma abertura por parte de Kevin Systrom para falar no Snapchat, desta vez a posição dos porta-vozes do Facebook já foi muito mais esguia.

“Onde foram buscar inspiração para construir este tipo de produto?”, perguntou o jornalista [a partir do minuto 1:00]. “Penso que conseguimos ver muito do que os nossos amigos estão a fazer e a usar, o que estão a publicar no Facebook, o que estão a partilhar connosco no Messenger. Falámos com muitas pessoas de países diferentes para vermos como querem comunicar”, respondeu o gestor de produto do Facebook, Tony Leach.

Mais tarde no vídeo o jornalista pergunta a Tony Leach quem ajudou a definir a forma como as pessoas comunicam entre si nestes tempos mais recentes. Uma vez mais a resposta não veio com a palavra ‘Snapchat’, aquela que parecia ser a mais óbvia de todas.

A storização do Facebook

Nesta altura é claro que o Snapchat foi a fonte de inspiração, mas desde o momento em que as Stories também chegaram ao Instagram que o Facebook está a agir num patamar de concorrência pouco comum.

Atualmente o conceito de Stories já foi integrado no Facebook em si, no Facebook Messenger, no Instagram e no WhatsApp. Tudo isto num período de tempo pouco superior a meio ano. Não estará a tecnológica a ser agressiva demais na disseminação deste conceito?

Isto é aquilo que podemos considerar um ataque ao Snapchat de todos os ângulos possíveis. O Facebook tem uma força de utilizadores imbatível quando consideramos todos os seus serviços – o Instagram é o mais ‘pequeno’ dos quatro já referidos e conta com 600 milhões de utilizadores.

Nesta fase do campeonato o Facebook já não precisa de explicar às pessoas como usar as Stories, elas já aprenderam no Snapchat ou no Instagram. Capitalizando este conhecimento, disponibiliza a funcionalidade nas suas principais plataformas. Quem produzir Stories na plataforma A, muito provavelmente vai ter menos razões para reproduzir as mesmas Stories ou outras completamentes novas na plataforma B ou C. As pessoas querem estar onde as outras pessoas estão, sobretudo os seus amigos e familiares, pelo que do ponto de vista estratégico esta disseminação das Stories faz todo o sentido para o Facebook.

O Facebook está também assim a tirar razões às pessoas para utilizarem o Snapchat. Por exemplo, o lançamento das Instagram Stories teve um forte impacto na taxa de crescimento de novos utilizadores do Snapchat. O segredo pode ser justamente este: o objetivo principal não será demover pessoas que já usam o Snapchat, mas tentar estancar o fenómeno em que mais pessoas se juntam à plataforma.

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Só que esta disseminação da funcionalidade Stories por diferentes serviços do Facebook não está a ser recebida com o mesmo entusiasmo em todas as plataformas. No caso do WhatsApp a tecnológica foi forçada a trazer de volta os estados em texto, que tinham sido removidos para dar destaque aos Estados-Stories.

“Ouvimos dos nossos utilizadores que as pessoas sentiam falta da possibilidade de definirem atualizações só de texto nos seus perfis, por isso integramos esta funcionalidade na secção ‘Sobre’ nas definições do perfil”, respondeu o WhatsApp sobre algumas críticas dos utilizadores, citado pela publicação USA Today.

É verdade que esta reação negativa originado no WhatsApp ainda não teve correspondentes nos outros serviços do Facebook onde a funcionalidade Stories já foi lançada. Mas este foi um primeiro sinal de que a rede social pode estar a levar esta aposta longe de mais, sobretudo quando força estas novas opções em detrimento de outras opções das quais as pessoas gostavam.

Toda esta ‘storização’ do Facebook é ainda muito recente e não há por agora qualquer estudo que diga se os utilizadores estão a gostar da estratégia ou não. Com esta forte iniciativa, o Facebook pode acabar por magoar um pouco a sua imagem pública pois sempre que as Stories são implementadas num novo serviço, aquilo que os internautas também leem é ‘O Facebook voltou a copiar o Snapchat’.

O próprio Snapchat parece estar a passar de uma fase de cordialidade para uma fase de indignação. O vice presidente de produto do Snapchat, Tom Conrad, enviou uma indireta – bastante direta por sinal – a um executivo do Instagram.

O Facebook claramente não conseguiu vencer – ainda! – o Snapchat. Mas o caminho que a tecnológica escolhe para alcançar este objetivo tem de ser palmilhado com cuidado, sobre pena de o resultado final ter um desfecho exatamente contrário. Pois por muito que o Facebook tente incorporar as funcionalidades do Snapchat nas suas plataformas, nenhuma destas réplicas parece ter ainda abalado a lealdade que os utilizadores do Snapchat têm relativamente à plataforma. Sobretudo junto dos millennials, o Snapchat ainda é rei.

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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