Till Faida é o diretor executivo da Eyeo GmbH. Este nome não lhe é familiar? Vamos tentar outra vez.
Till Faida é o diretor executivo da Eyeo GmbH, empresa responsável pelo mais conhecido bloqueador de anúncios do mundo, o Adblock Plus. Dito assim já deve conhecer melhor o trabalho que é feito pelo alemão e pela sua equipa.
Olhando para os dados do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, provavelmente um quarto das pessoas que estão a ler este artigo têm um bloqueador de anúncios ativo. E portanto não vão ver os dois anúncios que estão incorporados nesta entrevista.
Este tem sido um dos tópicos quentes relativamente à sustentabilidade da internet: muitos sites e publicações tentam viver com base nas receitas geradas pela publicidade, mas se os utilizadores bloquearem a publicidade então automaticamente estão a ter um impacto negativo neste modelo de negócio.
A questão é justamente esta: os bloqueadores de anúncios são cada vez mais populares entre os utilizadores e por força desta realidade os modelos de negócio obrigatoriamente estão a mudar.
Adblocking: Uma guerra pelo sustento da internet
Não basta atirar responsabilidades para ferramentas como o Adblock Plus, Ghostery, Ad Muncher, 1Blocker ou Adguard Adblocker. As publicações online e os anunciantes também têm de saber assumir responsabilidade pela situação devido à publicidade intrusiva que veicularam durante anos.
O simples bloqueio de anúncios intrusivos não é o único motivo pelo qual os adblockers são bastante populares – ainda há mais utilizadores no desktop do que nos dispositivos móveis. Na prática os adblockers também ajudam a que a navegação na internet seja mais rápida, mais segura e mais privada.
O CEO da Eyeo GmbH, Till Faida, esteve em Portugal a propósito do Web Summit. Aproveitámos a oportunidade para falar com o responsável do Adblock Plus sobre a situação atual da sustentabilidade da internet, sobre o futuro da solução tecnológica da empresa e também sobre os desafios que a Eyeo está a enfrentar.
Há uma ideia importante e que deve desde já conhecer: Till Faida e a Eyeo no geral não são contra os anúncios, são contra os maus anúncios. O responsável acredita que há espaço para a publicidade online, mas à imagem de outros conteúdos que são produzidos na internet, precisam de ser criados a pensar nos reais interesses e necessidades dos utilizadores.
Algum dia imaginou que o Adblock Plus atingisse os mil milhões de downloads? Ou o número já aumentou?
Os downloads não são a melhor métrica. O último marco que anunciamos foi no início do ano, em maio, e foi que o Adblock Plus agora é usado em 100 milhões de dispositivos ativos. Esse é um número do qual temos orgulho, mas também mostra a procura que existe para uma alternativa ao sistema atual da publicidade.
Ainda estão a crescer?
Sim, absolutamente. Penso que cada vez mais pessoas estão frustradas com as experiências online dos anúncios: são demasiado intrusivos, muito chatos, as pessoas estão preocupadas com a privacidade e a segurança. Existem muitas razões pelas quais as pessoas querem ter controlo sobre o browser e a experiência de publicidade.
Qual foi a publicidade que vos fez criar o Adblock Plus?
[Risos] Não o construi, não posso reclamar o crédito por isso. O Adblock Plus já existe desde 2006 e começou como um projeto open source do meu cofundador, Wladimir Palant, o programador original do Adblock Plus. Há cinco anos juntamo-nos e começamos a Eyeo para garantir que o adblocking não se torna destrutivo para o ecossistema.
Imagino que muitos diretores de jornais têm a sua fotografia pendurada na parede. Como é que se sente sobre isto?
Penso que cada vez mais publicações percebem que o que está a colocar em risco o jornalismo ou os conteúdos subsidiados por anúncios é o modelo de negócio que não resulta. Os utilizadores não estão a aceitá-lo. Mais e mais publicações estão a perceber que existe uma grande oportunidade para recuperar um segmento de utilizadores que estava perdido devido à publicidade agressiva, esses utilizadores podem voltar com anúncios alternativos, menos intrusivos.
Em última instância isto vai levar a um ecossistema mais sustentável, com menos, mas melhores anúncios que trazem valor para todos.
Recentemente tiveram uma luta interessante com o Facebook. O Adblock Plus bloqueava os anúncios, o Facebook desbloqueava, vocês bloquearam outra vez, eles voltaram a desbloquear… A pergunta é: ao desenvolverem uma ferramenta como esta, como conseguem manter-se sempre em bicos de pés?
Em casos como estes beneficiamos de ainda sermos um projeto open source. A forma como funciona é que temos uma comunidade de mais de 200 de apoiantes voluntários que criam as regras de bloqueio, não apenas para o adblock plus, mas para os restantes adblockers que existem.
Esta comunidade é dedicada e este jogo do gato e do rato, eles escrevem novas regras de filtro para se livrarem dos anúncios, depois o facebook muda algo e isto é um jogo continuo do gato e do rato.
Estou contente que devido ao apoio da comunidade open source não temos de nos concentrar nisso. Sinto que isto é uma perda de tempo e em vez de estarmos a forçar algo nos utilizadores que eles não querem ver, seria uma aproximação mais sustentável fazer a experiência de anúncios muito melhor para que os utilizadores não queiram bloquear a publicidade.
É uma luta difícil? O Facebook tem muito dinheiro, engenheiros dedicados a esta questão..
Nós temos uma comunidade dedicada de apoiantes voluntários. Que é tão poderosa ou até mais poderosa.
Por um lado vocês têm de ‘lutar’ contra estas empresas, vamos dizer assim, mas por outro existem muitos adblockers que estão a surgir. Como gerem a competição e como garantem que mantêm-se à frente deles?
Tudo o que fazemos é open source para que todos possam pegar no código e possam desenvolver o seu próprio adblocker. A nossa vantagem competitiva é que o Adblock Plus dá aos utilizadores poder para controlarem quais anúncios querem ver, quais anúncios querem bloquear.
Estamos também a garantir que os produtores de conteúdos ainda têm uma forma de monetizar. Aquilo que os utilizadores se apercebem é que bloquear todos os anúncios e ter tudo de forma gratuita não é a solução.
Existe uma oportunidade real para os dois lados, para os utilizadores terem uma melhor experiência sem magoar os produtores de conteúdos e para os produtores de conteúdos monetizarem este segmento especial de utilizadores com anúncios alternativos e menos intrusivos.
Qual é o maior desafio que estão a enfrentar agora? Porque por um lado a imprensa não está do vosso lado, depois têm questões com as grandes empresas, há a concorrência… Qual é o maior desafio com o qual têm de lidar?
Lançámos os nossos produtos mobile há um ano e ainda é um desafio criar consciencialização de que o adblocking também existe no mobile. Muitas pessoas acreditam que isto é um produto apenas para o desktop. Isto é algo que nos pode ajudar a conseguir mais utilizadores nos produtos mobile pois vemos uma necessidade crescente.
Há muitas pessoas preocupadas com os consumos de banda larga, tempos de carregamento de página, muitos dos anúncios também estão a ficar mais chatos no mobile. Penso que existe uma grande oportunidade de crescimento nos produtos mobile, mas as pessoas não sabem ainda que isto existe.
Olhemos um pouco para o futuro, pois estamos a ver a afirmação de tecnologias emergentes como a realidade virtual e a realidade aumentada. Será uma questão de tempo até vermos anúncios em VR e AR. Têm um plano para estes segmentos?
Penso que vai ser interessante ver se os mesmos erros que foram feitos no desktop se também serão feitos nestes novos ecossistemas.
Penso que isso ainda está para ser visto, como é que esses anúncios vão ser e que necessidade vai haver para um adblocker.
Também vai ser interessante ver que tipo de ecossistemas vão ser muito bem sucedidos e quão abertos vão ser. Quantos privilégios essas plataformas vão permitir a programadores como nós termos, para podermos criar soluções poderosas.
É super-interessante, é um novo mercado que está a surgir, mas ainda existem muitas questões. Estamos a observar.
Vão ser vigilantes?
Se houver necessidade para soluções de adblocking, então haverá soluções de adblocking, em todas as plataformas. Agora existem soluções de adblocking no mobile pois existe procura para elas.
Como imagina o mundo online daqui a cinco anos? Não só em termos de utilizadores de bloqueadores de anúncios, mas pensa que os anúncios já estarão quase extintos, viveremos num modelo de subscrição?
Penso que vai ser tudo muito mais fragmentado. Tanto em termos de como vamos aceder à internet e com que tipo de dispositivos. Se olhar para o desenvolvimento da internet das coisas, pela forma como interagimos com a internet vai ser muito diferente, vai criar oportunidades para experiências de anúncios diferentes.
Penso que teremos experiências de anúncios para diferentes perfis de utilizadores. Alguns utilizadores ainda são monetizados com anúncios tradicionais. Mas especialmente os àvidos por tecnologia não podem ser alcançados com os anúncios online tradicionais. Precisamos de inovação e inovação amigável do utilizador para que eles possam ser monetizados de uma forma sustentável.
Mas tem de ser feito nos termos deles.
Relativamente à vossa lista de aprovações. Por vezes torna-se um pouco controversa pois há quem pense que recebem dinheiro para deixar passar anúncios. Pedia um comentário a esta questão e pergunto: quantos sites ou empresas têm na vossa lista de aprovações?
A coisa interessante é que todas as pessoas têm instalado um adblocker concorda que nem todos os anúncios são maus e que os anúncios são necessários para que haja conteúdo gratuito na internet.
O desafio é como é que os anúncios têm de parecer para que sejam aceitáveis para utilizadores que optaram por bloquear a experiência de anúncios tradicionais.
Para isso desenvolvemos uma lista de critérios. Esses critérios estão sempre a evoluir, mas o que é importante é que todos que são certificados como parte do nosso programa de anúncios têm de responder aos mesmos critérios. Tudo o que fazemos é completamente transparente.
Os critérios são transparentes e também as entidades que foram certificadas são transparentes. O que garante que as mesmas regras são aplicadas a toda a gente.