Vivemos um período tecnológico de grande valor. Estamos no primeiro lugar da fila a assistir à massificação de novas tecnologias que têm um grande potencial para mudar o mundo à nossa volta e a nossa relação com ele. Realidade virtual, realidade aumentada, blockchain e inteligência artificial são as próximas grandes fronteiras tecnológicas.
Uma outra tendência que tem dados passos interessantes de desenvolvimento, mas que não tem recebido tanta atenção, é a computação quântica. Os motivos parecem claros: comparativamente com as tecnologias já referidas, a computação quântica está numa fase ainda muito inicial de desenvolvimento; o próprio conceito de computação quântica é difícil de entender; pelo que a computação quântica não tem ainda um apelo muito comercial.
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Aos poucos isso começa a mudar e é justamente sobre essas mudanças que vamos falar. Não é por a computação quântica ser um domínio tecnológico complexo que impede algumas empresas de quererem afirmar-se já neste segmento. Mais: há muito que cientistas e investigadores querem deitar as mãos a máquinas de computação quântica para testar conceitos que nunca saíram do papel.
Mas afinal, o que é isto da computação quântica?
A teoria quântica diz que até que uma determinada partícula seja medida ou observada, essa partícula existe simultaneamente em todos os estados nos quais potencialmente pode existir. No caso da computação tradicional a informação é processada em bits – informação compilada em códigos compostos por 0 e 1 [linguagem binária]. A teoria quântica aplicada às leis da computação resulta então na computação quântica, uma área na qual os bits dão lugar aos quantum bits [qubits].
Os qubits existem no chamado estado de sobreposição, ou seja, a informação não está apenas em 0 e 1, a informação pode estar numa sobreposição entre 0 e 1. Este estado de sobreposição permite acelerar de forma considerável os níveis de velocidade de computação, motivo pelo qual a computação quântica é perseguida há tanto tempo.
Vivemos num mundo que produz cada vez mais dados. A própria lei do silício preconizada por Moore já não está a funcionar. A computação quântica pode ser a base para grandes níveis de computação em períodos de tempo muito mais reduzidos. Há outra grande vantagem associada: quando bem otimizados, o consumo energético pode ser muito inferior ao de um supercomputador.
Neste momento há acima de tudo quatro empresas que mostram ter plena consciência de que dentro de algumas décadas a procura por sistemas de computação quântica pode ser enorme. São por isso empresas que já têm desenvolvimentos em curso e que já disponibilizam ou vão disponibilizar serviços comerciais de computação quântica.
Este é o aspeto do interior de um computador quântico. #Crédito: IBM Research / Flickr
Não, esta computação quântica ainda não é para os típicos consumidores finais – apesar de existirem pequenas experiências acessíveis a todos. A computação quântica que existe neste momento destina-se à comunidade académica, a investigadores e a empresas que querem perceber desde já como funciona esta tecnologia por forma a otimizarem as suas estratégias para quando ela estiver mais acessível e desenvolvida.
O que fazem ou farão as empresas com estes sistemas? A computação quântica pode revelar-se muito importante para processos de aprendizagem automática, reconhecimento de padrões, problemas matemáticos complexos, análises de cibersegurança, análises de imagens, análises médicas e verificação de informações – tudo, na prática, tarefas que exigem um grande volume de poder computacional.
Se um dia vamos ter um iPhone com um processador quântico [QPU]? Parece difícil de imaginar, mas não dizemos que não, pois os avanços tecnológicos registados nas últimas décadas já mostraram que alguns cenários mais conservadores foram largamente ultrapassados.
Devido aos passos iniciais que ainda estão a ser dados, a computação quântica é neste momento um conceito ainda muito volátil. Se os chips com qubits são relativamente ‘fáceis’ de produzir, garantir as condições necessárias para que esses chips funcionem é outra conversa.
Para funcionarem estes chips têm de estar dentro de compartimentos próprios que garantem o mínimo de influência externa possível, sobretudo em relação ao campo magnético da Terra. Para ter uma ideia, é necessário atingir temperaturas de 273 graus negativos, muito próximo do chamado Zero Absoluto, para garantir que os qubits funcionam da forma desejada.
São todos métodos muito dispendiosos e altamente tecnológicos, pelo que a sua integração em produtos mais consumíveis não é algo que vá acontecer num curto espaço de tempo. Por isso é que atualmente vendem-se acima de tudo serviços de computação quântica – nesta fase assemelham-se a serviços de aluguer de computadores quânticos, algo que pode ser feito através do cloud computing.
D-Wave, Atos, IBM e Google são neste momento quatro nomes grandes a ter em consideração na área da computação quântica, cada um pelos seus diferentes motivos.
D-Wave
A D-Wave é uma tecnológica canadiana fundada em 1999 e que desde a sua génese tem como objetivo a criação de sistemas de computação quântica que se possam tornar acessíveis.
No site a tecnológica reclama para si o título de primeira empresa a trabalhar nesta área e a verdade é que passadas quase duas décadas a D-Wave é de facto um dos nomes grandes, possivelmente o maior, na área da computação quântica.
Em 2004 a empresa começou a aperceber-se que para atingir os seus objetivos muito provavelmente teria de construir os seus próprios computadores quânticos, algo que atingiu pela primeira vez em 2010 com o lançamento do D-Wave One.
Além de vender serviços de computação quântica – permite que entidades externas utilizem as suas máquinas -, a D-Wave também vende, efetivamente, computadores quânticos. Não são computadores baratos, mas os seus clientes também não são ‘meros’ clientes.
Google, NASA, Lockheed Martin e a Associação das Universidades de Investigação do Espaço (USRA) são alguns dos atuais clientes da D-Wave.
A tecnológica lançou no início do ano aquela que é uma das máquinas comerciais de computação quântica mais potentes até à data: ostentam um QPU de 2.000 qubits, custam 15 milhões de dólares cada e medem três metros de altura. A empresa Temporal Defense Systems, da área de segurança informática, já garantiu uma unidade do D-Wave 2000Q.
Apesar dos avanços que tem realizado, a verdade é que pelo caminho a D-Wave também tem colecionado algum criticismo, acima de tudo da comunidade científica. Há quem defenda que o modo de funcionamento destas máquinas, apelidado de anelamento quântico, ainda não provou totalmente ser mais rápido do que os computadores tradicionais.
Atos
Em novembro de 2016 a Atos lançava aquele que era o primeiro programa de computação quântica na Europa – um que o ‘velho continente’ bem precisava tendo em conta a desvantagem com que estava a ficar para outras potências tecnológicas. A Comissão Europeia dedicou mesmo um fundo de mil milhões de euros para um programa que vai tentar aproximar a Europa dos EUA nesta área nos próximos dez anos.
A Atos foi rápida a produzir resultados: menos de um ano depois do anúncio da sua iniciativa a empresa francesa já tem disponível um simulador de um computador quântico para venda. O Atos Quantum Learning Machine (QLM) consegue simular um QPU máximo de 40 qubits, mas está disponível noutras configurações mais ‘modestas’ e que vão até aos 30 qubits.
Apesar da menor contagem de qubits, a Atos diz que a sua máquina é a mais poderosa do mundo no momento, sobretudo devido à aliança entre software e hardware que a empresa desenvolveu. Ao simular as leis da física, os resultados não são afetados justamente pelas leis da física que costumam ‘atacar’ os sensíveis processadores quânticos.
Acaba por ser uma abordagem diferente, mas que a empresa espera que leve ao mesmo fim: o Atos QLM destina-se sobretudo para empresas que querem começar a desenvolver soluções de software que poderão ser usadas por verdadeiros computadores quânticos.
IBM
Outra empresa que também tem feito uma aposta significativa na computação quântica é a IBM. A gigante norte-americana tem mais do que um centro de desenvolvimento dedicado a esta área e no FUTURE BEHIND já vimos um dos computadores quânticos da empresa quando visitámos o seu centro de inovação na Suíça.
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A IBM foi das primeiras tecnológicas a entrar no jogo da computação quântica com a sua iniciativa IBM Q. Em parte esta necessidade da empresa foi alimentada pela forte aposta que está a fazer na inteligência artificial, através do Watson, o que permitiu antecipar as grandes necessidades de computação que se avizinham.
A IBM tem neste momento dois computadores quânticos disponíveis: um com 16 qubits que está disponível para qualquer pessoa através da internet; o segundo funciona como um protótipo de uma versão comercial e tem 17 qubits, que apesar da curta diferença que parece ostentar para a versão ‘gratuita’ acaba por ser duas vezes mais potente, segundo dados da própria IBM.
Neste site pode inscrever-se para aceder também ao computador quântico gratuito da IBM e conduzir algumas experiências. A IBM tem ainda uma página de comunidade onde são partilhados os resultados das experiências realizadas por programadores e investigadores de todo o mundo, o que também acaba por ser uma fonte de informação interessante para quem segue esta área – ao todo já foram realizadas mais de 300 mil experiências.
Já o modelo mais potente do IBM Q vai estar disponível também através da internet, mas para esta versão será necessário pagar para ter acesso à sua capacidade de computação.
O que faz a Google neste lista? Decidimos listar a gigante dos motores de busca devido ao facto de recentemente terem surgido informações sólidas que dizem que a computação quântica é uma área que a Google quer explorar.
Sabendo que a gigante de Mountain View já é cliente da D-Wave e que é a Google, uma empresa que tem apostado imenso na inovação tecnológica em diferentes fronteiras, então este é um ‘concorrente’ a ter em consideração.
Segundo a Bloomberg, a Google já permitiu que investigadores de inteligência artificial e laboratórios científicos tivessem acesso aos seus computadores quânticos através da internet. O objetivo da tecnológica é o mesmo de todas as empresas até agora referidas: permitir, desde já, o desenvolvimento de soluções tendo em vista um futuro onde a computação quântica vai ser mais comum.
Além de um data center quântico, a Google também estará a trabalhar no ProjectQ, uma iniciativa em código aberto que convida ao desenvolvimento de código comunitário para computadores quânticos.
Especula-se que o computador da Google possa ter um QPU de 49 qubits e que a empresa vai tentar comparar o seu sistema com supercomputadores que estão no ativo com o objetivo de provar as vantagens da computação quântica.