Em setembro de 2014 conseguiu fazer o que poucos até hoje fizeram: uma rede social surgida do nada tornou-se num fenómeno de popularidade à boleia do Facebook. Quase todos os meios de comunicação escreveram sobre a Ello. E quase todos a descreveram como a rede social anti-Facebook.
O cunho da expressão nunca foi dado pelos próprios fundadores da plataforma e o seu diretor executivo, Paul Budnitz, até deixou de falar para a imprensa por causa desta ‘marca’ que lhes tinha sido colocada. Mas isso também fez com que os pedidos de convite por parte dos utilizadores se amontoassem e o CEO da Ello recebesse chamadas de imensos investidores norte-americanos.
A questão é que este peso de ser o anti-Facebook também acabou por ser o motivo pela qual a Ello desapareceu rapidamente do mapa. Simplesmente não estava em condições de cumprir com as expectativas que lhe foram traçadas.
A escolha do soundbite foi perfeita pois na altura havia quem de facto procurasse uma alternativa ao grande Facebook – agora não vale a pena procurar, o Facebook apodera-se dessas alternativas. A questão é que a Ello não proporcionava então as funcionalidades necessárias para se estabelecer como uma rede social de grande escala. A sua bandeira era apenas a promessa de não mostrar publicidade aos utilizadores – o que consequentemente é um maior garante de privacidade.
A Ello foi originalmente lançada em março de 2014
Mas para não vermos publicidade não é preciso uma nova rede social, para isso é que existem ferramentas como o Adblock Plus. E também por este motivo é que a Ello acabaria por recuperar a sua estratégia inicial, focando-se na comunidade de artistas e criativos.
“A Ello representa uma visão alternativa do mundo. […] Esta comunidade transformou-se num oásis onde pessoas de todos os lados inspiram-se mutuamente para levar o mundo para a frente. Não é um lugar de controlo e manipulação, mas um lugar de conexão, criação e celebração da vida”, lia-se num email enviado pela empresa aos seus utilizadores no final de 2015.
A grande questão é: em agosto de 2016, passados quase dois anos do seu apogeu, ainda alguém se lembra da Ello?
Só agora passado muito tempo e longe dos holofotes da ribalta é que a rede social Ello parece estar a concretizar a sua visão e a sua verdadeira proposta de valor.
Há vida na Ello
Quem entrar hoje na Ello vai encontrar uma rede social que ainda tem muito do seu aspeto minimalista de 2014. Ainda assim a plataforma está diferente: há menos texto e muitas mais imagens. Agora quase se assemelha a uma mistura do Tumblr com o Pinterest na forma como mostra as publicações, mas sem as limitações de tamanho e resolução das imagens – e também sem os anúncios e as marcas.
O espaço tem a designação de Ellosphere e os seus utilizadores de Ello’ers. As publicações estão lá e há utilizadores bastante ativos. Vai é apenas encontrar partilhas de trabalhos próprios de vários artistas ou republicações de outros criativos que têm estado a usar a Ello como uma montra para o seu trabalho.
O facto de estar pensada para criativos não impede que a rede social tenha também um cunho de atualidade. Citamos dois exemplos nos quais a Ello foi um mar de publicações: aquando da morte dos músicos David Bowie e Prince, foram vários os artistas que fizeram as suas homenagens na Ello – a rede social tornou-se naquela altura um ponto de interesse para os fãs devido à originalidade das dedicatórias.
E se ficar surpreendido pela qualidade do material que vai encontrando não é por acaso. A Ello tem uma forte componente de curadoria humana que ajuda a mostrar aos novos utilizadores os trabalhos mais apelativos. Só desta forma é que conseguirá atrair novos artistas e simples novos ‘curiosos’.
Fotografia, criações digitais, pintura e arte abstrata estão entre as categorias mais comuns de entre as partilhas. Mas há muitas mais que englobam entrevistas, músicas e até arquitetura. Se há uma forma de arte então o mais provável é que a Ello tenha um exemplo para lhe mostrar – incluindo conteúdos que só são apropriados para utilizadores maiores de idade.
Não há números oficias e recentes sobre a base de utilizadores ativos da Ello
Entre estes utilizadores encontram-se alguns portugueses. Ricardo Ferreira [@ferreiraricardo] é aquilo a que podemos chamar de early adopter – costuma registar-se nas novas plataformas sociais assim que são disponibilizadas pois gosta de ir acompanhando o universo das novas tecnologias.
Mais de dois anos depois continua a utilizar a Ello e para ele a principal razão está na divulgação do trabalho: Ricardo é designer e nesta rede social consegue publicar imagens de maior resolução e que preservam a qualidade do seu trabalho.
“Na Ello encontram-se mais pessoas ligadas às artes, vão lá para divulgar o seu trabalho”, conta em conversa telefónica com o FUTURE BEHIND.
Apesar de ser utilizador de muitas outras plataformas – Facebook, Twitter, Instagram, Tumblr, Pinterest -, aponta o dedo ao facto de a partir de determinada altura as marcas e a publicidade ganharem quase tanto destaque como os seus utilizadores.
Graças à Ello diz que já teve recebeu contacto para participar num projeto norte-americano que na prática consiste num autocarro-galeria e teve ainda contacto com outros ilustradores no sentido de desenvolverem trabalhos em conjunto. “Na Ello já tive contactos de pessoas de diferentes partes do mundo: Japão, Brasil ou EUA”, recorda.
Além desta vertente mais artística, Ricardo Ferreira gaba o aspeto geral da rede social, a facilidade de utilização e ainda o destaque as os conteúdos multimédia recebem na plataforma.
Outro factor que tem agradado ao utilizador português é a curadoria de conteúdos e utilizadores que todas as semanas lhe chega ao email através das newsletters da Ello. “Estão a ir pela parte da qualidade e é interessante vê-los fazer esse caminho”. O seu próprio perfil já foi recomendado mesmo sem ter um grande número de seguidores ou de publicações, como o próprio frisou.
“Conheci a Ello através do meu professor de inglês, Mark Appleby, que é meu amigo no Facebook e seguidor das minhas fotografias e que me aconselhou esta plataforma enviando um convite para a versão Beta da Ello e que foi imediatamente aceite. Lembro-me de ele me ter dito que deveria desistir de pôr fotos no Facebook e partilhar nesta rede por razões óbvias”.
É assim que Adriano Pimenta [@adrianopimenta], arquiteto de profissão, explica a sua chegada à plataforma Ello. Desde 2013 que vive na Arábia Saudita e tem a fotografia como grande passatempo.
“A valorização deste meu outro lado de ver o que me rodeia é gratificante. […] As ligações são mais fortes que noutras redes sociais pois existem interesses comuns e por vezes opostos que se atraem para que a rede solidifique e cresça de maneira sustentável e sem interferências abusivas como é o caso do Facebook”, salienta numa resposta enviada por email ao FUTURE BEHIND.
Na Ello destaca a qualidade do design da plataforma, o destaque que as publicações recebem pela sua qualidade e por ser uma plataforma que gera bastante conhecimento em diferentes áreas. E até o ícone é um elemento em destaque para Adriano Pimenta: “Muito bem feito o sorriso preto…uma espécie de humor negro para este mundo sobrecarregado de informação inútil”, declara.
Além da Ello é utilizador do Instagram, do Behance e também do Facebook. E mesmo sendo uma rede de ‘artistas para artistas’ continua a ter o elemento mais básico de uma rede social – novas conexões e novas amizades.
“Já conheci imensa gente, inclusive pessoas da Arábia Saudita (e já com encontro para um café) que também já aderiram a esta plataforma. É interessante ver a quantidade de pessoas que conheci e a maneira completamente diferente de conhecimentos que a Ello proporciona pois é pelo interesse no trabalho desenvolvido e não por ser amigo do amigo do amigo do amigo…..(mais uma crítica ao Facebook, peço desculpa….)”.
Em constante evolução
Quem chegou a registar-se na Ello em 2014 e nunca mais removeu a subscrição da rede social tem recebido vários emails ao longo dos meses onde fica clara a ideia de que a rede social não tem parado e tem aliás sempre algo novo para mostrar aos seus Ello’ers.
Um dos elementos em destaque é o facto de a Ello ter deixado de ser uma plataforma isolada e estar agora a posicionar-se como o ponto de partida para outras redes sociais. Sim, a Ello permite que os utilizadores partilhem as suas publicações também no Facebook e na restante mão cheias de redes sociais mais conhecidas. Se dúvidas havia, que fiquem agora desfeitas: esta não é uma plataforma anti-Facebook, simplesmente tem ideais e um posicionamento muito diferentes.
Isto ajuda a empresa a concretizar a sua visão de mostrar ao mundo trabalhos que talvez de outra forma não receberiam tanta atenção – quem melhor para perceber o trabalho de um artista do que outros artistas?
Todas as semanas a Ello tem newsletters com curadoria onde apresenta novos utilizadores e as melhores publicações
Esta missão de exposição também acaba por ter outro significado para a Ello. Entre as diferentes funcionalidades que a plataforma foi adicionando à rede social nos últimos meses uma delas é a possibilidade de fazer compras.
A secção ‘shop’ é mesmo a primeira de todas as secções que existem na Ello. Todas as peças que estão disponíveis para compra apresentam-se com um símbolo verde no canto superior direito e quando clicado leva o utilizar para uma loja online externa.
Ainda que a transação não seja toda feita dentro da Ello, a rede social é o primeiro ponto de contacto com esse trabalho – e possivelmente ficará com uma pequena percentagem do negócio final.
No final de abril foi disponibilizada a versão 3.0 da Ello na versão Web e no dia 13 de julho foi disponibilizada a tão prometida versão da aplicação para Android – a app para iOS já estava disponível. Estes dois lançamentos concretizam uma expansão continua e controlada da Ello e mostram que a rede social quer viver muito além do computador: quer estar sempre com os utilizadores.
As aplicações móveis foram desenvolvidas tendo em conta o mesmo look and feel da plataforma na Web: presença constante do branco para uma maior ‘limpeza’ e ‘pureza’ das publicações, interface de utilizador simples, utilização fluída e com os conteúdos sempre em grande destaque.
Já muitas outras redes sociais foram apresentadas como sucessoras do Facebook. O Google+ é o exemplo mais conhecido de todos e está neste momento em ‘banho maria’ por parte da tecnológica. Diaspora, alguém se lembra? Em bom rigor, não há outros grandes nomes que tenham tentado uma batalha direta com o gigante erguido por Mark Zuckeberg. Mesmo não tendo querido fazer essa batalha, a Ello conseguiu sair de lá com vida. E agora vive como quer e com os utilizadores que quer. Não parece o final de uma história feliz?
N.R. [14.30h de 23/08/2016]: Acrescentadas as declarações de Adriano Pimenta