O mundo ficou de boca aberta quando em março soube que um britânico, com apenas 15 anos, tinha acabado de ganhar 250 mil dólares numa corrida de drones. A tenra idade de Luke Banning, o prémio avultado e o próprio desconhecimento do desporto foi uma combinação improvável de elementos que ajudou a catapultar as corridas de drones para os principais meios de comunicação.
Acontece que há já vários anos que existem corridas de drones, por norma muito mais amadoras e sem um prémio tão apetecível. O evento que Luke Banning venceu foi o World Drone Prix, o maior grande prémio de corridas de drones até à data. Organizado nos Emirados Árabes Unidos, foi um evento isolado que reuniu dezenas de pessoas em torno deste novo desporto.
Mas lá longe, nos EUA, uma prova mais organizada, mais séria e visualmente espetacular estava a emergir. A Drone Racing League surgiu oficialmente em 2015, mas durante muito tempo manteve-se longe dos olhares das pessoas.
Talvez este secretismo tenha ajudado a criar mais hype em torno do seu campeonato de corrida de drones. A Drone Racing League não esconde: quer ser a Fórmula 1 dos drones. E a avaliar pela primeira temporada, temos candidato ao título.
Fast and furious
Nicholas Horbaczewski é fundador e diretor executivo da Drone Racing League. O jovem empreendedor pode muito bem, estar a construir o próximo grande desporto motorizado, mas a verdade é que o seu passado está ligado à área da produção de conteúdos multimédia. Este vai acabar por ser um factor determinante no sucesso da DRL, como veremos mais abaixo.
Licenciou-se [1999-2003] e completou o mestrado na Universidade de Harvard [2006-2008], tendo trabalhado durante 11 anos na Leeden Media, uma empresa de produção de filmes independentes. Um percurso que pode parecer estranho pois até aqui não há drones envolvidos.
“Penso que começou mesmo quando vi pela primeira vez uma corrida de drones. Estava com o Ryan Gury [diretor de produto da DRL] e fomos a um campo em Long Island, perto de Nova Iorque. Havia pessoas a fazer corridas de drones. Vieram com os seus drones construídos em casa e correram à volta do campo. E pensei que era algo muito interessante e algo muito porreiro”, disse numa entrevista por Skype com o FUTURE BEHIND.
À esquerda Nicholas Horbaczewski, CEO da DRL; À direita Ryan Gury, diretor de produto da empresa. #Crédito: DRL
Neste momento Nicholas estava a recordar o episódio que lhe fez dizer ‘quero construir uma liga de corrida de drones!’.
“Basicamente pensei que se já era interessante, podia ser muito mais do que era na altura – um desporto de passatempo e underground. Tentei perceber o que precisávamos de fazer por forma a que as pessoas o pudessem ver na televisão ou num evento ao vivo, mas o achassem interessante”, continuou.
Foi assim que nasceu a Drone Racing League e em menos de dois anos a empresa teve uma evolução tão rápida quanto a velocidade que os drones alcançam durante as provas.
Os drones chegam a atingir velocidades próximas aos 145 Km/H
A Drone Racing League, como empresa, já recebeu mais de oito milhões de dólares de financiamento e já conseguiu captar a atenção de grandes emissores mundiais. Atualmente a liga de corrida de drones já é transmitida nos EUA pela ESPN, no Canadá pela TSN, no Reino Unido pela Sky Sports e na Alemanha pela Prosieben Maxx.
A receita para o sucesso da DRL é a mesma de tantas outras empresas e negócios: esforço, inovação e dedicação.
“A realidade é que aquilo que a Drone Racing League fez acima de tudo foi resolver os desafios técnicos da corrida de drones. Uma das maiores barreiras que havia na corrida de drones como um desporto com espectadores, é que a tecnologia que temos usado em desportos era muito caseira, não estava ao nível em que funcionaria num cenário de grande escala, como numa corrida profissional”, explicou o CEO da DRL.
“Tivemos de desenvolver toda a nossa tecnologia ‘em casa’. Desenhámos de raiz todos os drones, também desenhámos os nossos rádios para comunicarmos com os drones em percursos mais extensos. Isso foi mesmo a primeira coisa que fizemos que nos permitiu fazer algo que mais ninguém tinha feito”.Este controlo de fio a pavio que a DRL tem sobre a sua prova permite-lhe de facto construir um produto premium. Os vídeos das provas são mirabolantes: têm adrenalina, têm um aspeto futurista, têm uma forte vertente competitiva, têm dramatismo, há muita cor e velocidade… na prática tem tudo o que um bom desporto deve ter.
Além de ingredientes para um bom desporto, são elementos essenciais para um espetáculo televisivo de sucesso.
“O que fizemos a seguir foi desenhar o desporto e as filmagens por forma a tornar-se apelativo como um desporto para os media. Algo que as pessoas pudessem ver e seguir como um desporto, como uma competição genuína em que consegues dizer quem está a ganhar e a perder. E foi aí que captamos a atenção de alguém como a ESPN”.
Aqui falou claramente mais alto a experiência que Nicholas Horbaczewski já trazia na bagagem na produção de filmes e foi assim que a Drone Racing League começou a afirmar-se como um evento com capacidade para ter uma escala mundial.
Videojogo da vida real
A Drone Racing League é uma teatralização daquilo que pode ser um evento de corrida de drones. Os cenários são inóspitos e escolhidos com cuidado. O desenho das pistas não é deixado ao acaso. A iluminação com néons ajuda a dar um aspeto retro-futurista. A forma como os pilotos profissionais controlam as aeronaves – através de joysticks e de uns óculos com ecrãs que transmitem a imagem diretamente dos drones – parece algo saído de uma consola ou de um computador de gaming.
“A maneira como iluminamos os percursos, a forma como desenhamos os percursos, a forma como os filmamos… esperamos que te façam lembrar um videojogo”, atirou Nicholas.
O conceito de videojogo é chave. Para criar um produto de verdadeiro sucesso e que apelasse ao maior número possível de pessoas era de facto necessário criar a DRL como algo que as pessoas gostassem, quisessem experimentar e estivessem desejosas de ver outra vez.
“Quando as pessoas veem corridas de drones, muitas vezes elas dizem que parece um videojogo da vida real. Nós concordamos. Fizemos o nosso desporto e as nossas corridas muito parecidas com videojogos. Nós gostamos dessa sensação”, começou por dizer a propósito deste tema o CEO da DRL.
“Uma das coisas que gosto nas corridas de drones é que mistura a linha entre o digital e o real. (…) Em muitos aspetos partilham os controlos de um videojogo, mas está mesmo a acontecer na vida real. Quando as pessoas veem, lembra-lhes de videojogos que jogaram quando eram miúdos ou filmes de ficção científica que viram. Isso é algo especial. Muitos desportos não te lembram de videojogos e filmes de ficção científica”.
Mas o que agora parece perfeito e alinhado demorou muito tempo a desenvolver. Aliás, o tempo que a Drone Racing League passou longe dos holofotes serviu justamente para desenvolver as próprias soluções tecnológicas que o desporto exige.
Na prática cada drone tem uma câmara que faz transmissão de vídeo em direto para o seu piloto. Este vídeo é a visão dos participantes em cada prova e por isso não pode haver falhas. Ou seja, tem de haver uma forte rede de telecomunicações para que tudo esteja 100% funcional.
“A nossa primeira corrida foi em Miami, em dezembro [2015], e quando aparecemos no evento não estávamos certos de que a tecnologia funcionaria. A aventura é tão grande e existem tantas peças a interagirem e que se juntam para funcionar, não havia forma de fazer um teste. O único teste era realmente fazê-lo”.
O fundador da DRL não tem dúvidas em apontar o desenvolvimento tecnológico como a parte mais difícil da criação da liga de corrida de drones. Além da infraestrutura de telecomunicações até os próprios drones foram criados pela Drone Racing League.
Existe um total de 300 drones para serem utilizados por prova
Todos os pilotos participam com drones iguais. Esta é uma forma de manter o conceito focado na habilidade dos pilotos e não tanto nos avanços tecnológicos que os drones podem vir a sofrer ao longo dos meses. Se houver um drone mais leve, mais rápido e mais robusto, todos terão acesso à mesma ferramenta.
“Isso é algo que as pessoas não apreciam, o desafio tecnológico. Mas agora a tecnologia tem de fazer algo difícil, comunicar com os drones que vão a 90 milhas por hora a voar pelo estádio. Tudo tem de funcionar perfeitamente ao mesmo tempo, sempre que um drone levanta voo. E se algo falhar, já não é um desporto, torna-se aleatório. É muita tecnologia a operar ao mesmo tempo num ambiente que não tem tolerância para o falhanço. (…). Não consigo pensar noutro ambiente desportivo em que haja tanta dependência de equipamento técnico”.
Drónula 1
Questionado se vê a Drone Racing League a evoluir como os desportos motorizados reis ou como algo mais próximo de uma Red Bull Air Race, um campeonato com uma forte associação a uma marca, Nicholas Horbaczewski não teve dúvidas.
“Penso que tem o potencial para ser algo como a Fórmula 1”. Prova disso é o facto de a segunda temporada da DRL já incorporar circuitos europeus. Em 2017 além das provas nos EUA, haverá pelo menos uma prova em Londres, no Reino Unido, e outra em Munique, na Alemanha.
O número de pilotos também vai aumentar de 13 para 16, aproximando assim a grelha de participantes da DRL das grelhas de outros desportos motorizados.
Interessante é a forma como a Drone Racing League pretende ‘recrutar’ estes novos pilotos. Recentemente a empresa norte-americana disponibilizou um videojogo – daqueles mesmo para computador – que é um simulador de voo de drones.
O objetivo é que qualquer pessoa com uma máquina compatível e um comando possam experimentar qual é a sensação de conduzir um drone de corridas. Já experimentámos e é algo que recomendamos justamente por retratar a dificuldade de controlar uma pequena aeronave a grande velocidade.
Através deste simulador a DRL vai disponibilizar castings. Na prática são provas nas quais qualquer pessoa pode participar e se for o grande vencedor vai tornar-se num dos próximos pilotos profissionais da liga.
“Se alguém vencer a competição no jogo, pode tornar-se num piloto verdadeiro. Isso é algo que nem a Fórmula 1 tem. Os circuitos ao vivo serão algo como a Fórmula 1, em lugares interessantes e à volta do mundo. Mas penso que pode existir uma série de competições digitais onde as pessoas podem concorrer localmente, regionalmente e nacionalmente para conseguirem um lugar no campeonato. Pode ser como a Fórmula 1, mas com provas de casting abertas”, explicou o CEO.A Fórmula 1 pode não ter, mas o conceito não é totalmente novo. A Sony Interactive Entertainment organiza todos os anos uma competição semelhante, mas que tem como objetivo encontrar um piloto de automobilismo. E tudo começa com provas no simulador de condução Gran Turismo. Recorda-se que em 2013 foi o português Miguel Faísca quem saltou das consolas de videojogos para o volante de um Nissan Nismo GTR.
A tecnologia, o formato mais organizado, a produção televisiva, as transmissões para milhões de pessoas e esta nova estratégia de envolvimento com a comunidade começam a colocar de facto a DRL como a grande liga de corridas de drones do mundo.
Atualmente a DRL pode potencialmente chegar a 200 milhões de espectadores
Mas não é a única que está a tentar afirmar-se. A já referida World Drone Prix e a World Drone Racing Championships são outras duas competições que estão a tentar segurar o seu espaço neste desporto emergente.
O CEO da DRL prefere não falar em competição entre as competições, vendo antes a afirmação da sua liga como algo que está diretamente relacionado com a qualidade do produto.
“A corrida de drones é um desporto, não inventamos a palavra, não inventamos o desporto. Quando começámos a DRL em 2016, as corridas de drones já eram um desporto global. Existem milhares de pessoas que entram em corridas amadoras ou locais, numa base regular. Existem competições de corridas de drones numa base diária em todo o mundo e isso é excelente”.
“Surgir com a ideia não é a parte difícil, concretizá-la sim. Penso que é preciso uma combinação especial de know how e experiência para fazer isto funcionar. Continuamos a ver um crescimento no fundo da pirâmide: existem corridas de drones de pequena escala, amadoras, de âmbito local e achamos que isso é fantástico. Mas não vimos ninguém a criar algo que é competição direta da DRL. Enquanto não vires pessoas a criar tecnologia, vais ver a DRL a ser uma das principais competições”.
Em Portugal também existe uma liga nacional, a Portugal Drone Racing, como já demos a conhecer no início do ano.
Nicholas Horbaczewski deixou mesmo alguns conselhos para os elementos da Portugal Drone Racing.
“Penso que o meu conselho seria começar por decidir o que estão a tentar construir e porquê. Estão a construir um evento apelativo o suficiente para que os miúdos digam ‘hey, quero estar ali!‘ ? Se conseguires construir uma autoridade forte e comunidade, se tiveres uma boa série de eventos… agora se começares por tentar a construir a centrada nos media ou num desporto, será muito difícil”, concluiu.
O CEO da DRL passou recentemente por Lisboa e considera a capital portuguesa como uma das cidades mais bonitas que já visitou. Já no final da nossa conversa disse que seria “divertido” trazer uma prova da Drone Racing League até terras lusas.
Vá preparando esses motores, pois com ou sem DRL, as corridas de drones vieram para ficar.