Era conhecido como o Desafio do Bitcoin de Davos. No dia 21 de janeiro de 2015 o investigador Nick Goldman, do Instituto Europeu de Bioinformática, fez uma apresentação no maior fórum económico mundial sobre um avanço tecnológico que alcançou juntamente com a sua equipa: tinha consigo codificar e descodificar com sucesso informação digital através de uma amostra de ácido desoxirribonucleico (ADN).
Os investigadores usaram ADN sintético como uma unidade de armazenamento, criando assim uma prova de conceito de uma ideia que há muito que a ciência defende – é possível usar as propriedades únicas do ADN para guardar uma grande quantidade de informação num espaço muito reduzido.
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Durante a sua apresentação em 2015, e que pode ver no vídeo acima, Nick Goldman disse mesmo que seria possível guardar toda a informação digital do mundo num conjunto de amostras de ADN que caberiam perfeitamente na bagageira de um carro utilitário desportivo. Quando completamente dominada e escalada, a técnica de guardar informação em amostras de ADN pode ter um impacto de grandes dimensões.
Na prática seria possível dizer adeus a uma grande parte dos centros de dados que existem atualmente e seria também possível reduzir de forma significativa os custos associados ao armazenamento de informação. Têm sido dados passos importantes neste sentido – a própria Microsoft já conseguiu armazenar 200MB de informação em ADN -, mas ainda serão necessários vários anos até que possa existir uma democratização deste processo de armazenamento.
Nada como estimular a comunidade de investigadores com um pequeno desafio, certo? Foi essa a ideia de Nick Goldman, que no final da sua apresentação em Davos apresentou o Desafio do Bitcoin: ele e a sua equipa tinham ‘escondido’ um bitcoin numa amostra sintética de ADN. Aquele que conseguisse reverter o processo, isto é, transformar a informação do ADN em informação digital, então ficava com esse bitcoin.
Nick Goldman definiu um período de três anos para que o desafio fosse completado e durante grande parte deste tempo parecia que ninguém ia ser capaz de concluí-lo. Quando faltavam apenas 50 dias para o final deste prazo, foi até publicada uma mensagem no Twitter a relembrar que o desafio ainda era válido, mas que o tempo estava a esgotar-se.
Back in 2015 we issued a challenge: read digital info written in DNA & win 1 bitcoin. The prize has increased in value recently, but there’s <50 days left to have a go! Read more at https://t.co/sDADX7OnX8 pic.twitter.com/2g9sCsS61A
— Goldman Group (@EBIgoldman) 5 de dezembro de 2017
Acontece que durante este período de três anos o valor do Bitcoin subiu: quando o desafio foi anunciado cada unidade da criptomoeda valia 200 dólares e quando o tweet foi publicado, a 5 de dezembro de 2017, o mesmo bitcoin valia perto de 12 mil dólares – um prémio muito mais aliciante.
Foi graças àquela mensagem no Twitter que o microbiologista computacional Sander Wuyts ficou a conhecer o desafio. “Deviam saber que sou um verdadeiro viciado em ADN. Quando ouvi falar pela primeira vez em ADN no ensino básico, fiquei completamente desconcertado com o facto de que podia conter tanta informação”, escreveu o investigador no seu blogue pessoal.
“Quando li aquele tweet, será escusado dizer que fiquei extremamente entusiasmado. Ainda me lembro de dizer aos meus colegas que ‘devíamos largar tudo o que estivéssemos a fazer e começar a resolver este desafio’”.
O doutorando na Universidade de Antuérpia, na Bélgica, precisou pouco mais de um mês para completar o desafio: no dia 16 de janeiro anunciava ao mundo como tinha conseguido obter a informação a partir de uma amostra de ADN sintético. O anúncio foi feito a apenas cinco dias da data final do desafio.
Mas o que agora é um feito digno de colocar no currículo, não foi fácil de concretizar mesmo para alguém que é especialista na área.
Que comecem os jogos!
Sander Wuyts diz que o primeiro grande desafio foi encontrar uma amostra de ADN válida. O investigador Nick Goldman tinha distribuído algumas no final da sua apresentação em Davos, em 2015, mas fora isso não havia amostras a ‘circular’. O estudante belga recorreu ao Twitter para ver se alguém lhe arranjava uma e acabou por ser o próprio Nick Goldman a enviar-lha.
Antes foi necessário Sander Wuyts fazer um ‘pitch’, pois Nick Goldman só enviaria a amostra de Sander Wuyts mostrasse que valia o esforço. Uma semana depois lá estava a famosa amostra nas mãos do belga.
A partir daí foi uma corrida contra o tempo. Sander Wuyts começou por sequenciar o ADN utilizando os equipamentos que tinha disponíveis na universidade e contando com a ajuda de alguns colegas investigadores. A partir dessa informação era depois ainda necessário fazer uma outra descodificação para poder extrair a informação digital que lá estava armazenada.
Para armazenar informação no ADN é necessário converter o código binário – zeros e uns – através de um sistema de numeração ternário – zeros, uns e dois, como explica a publicação Motherboard. Esta informação é posteriormente convertida em informação segmentada que pode ser guardada em ADN e que é representada pelas letras A-T-C-G, que representam as bases nucleicas do ADN.
Na amostra de ADN preparada por Nick Goldman havia um total de nove ficheiros ‘encriptados’, sendo que um deles era um ficheiro de texto com as indicações sobre como resgatar o bitcoin.
Como conta no seu blogue, o processo de sequenciação e de análise da qualidade de informação correram bem. Foi quando chegou à parte da descodificação propriamente dita que Sander Wuyts encontrou os maiores desafios. Na prática o estudante teve de desenvolver diferentes algoritmos para conseguir extrair a informação correta.
Apesar de conseguir descodificar algumas partes da informação, havia outras que mantinham-se codificadas, pelo que Sander Wuyts teve de ir fazendo afinamentos aos seus programas e algoritmos para apurar os resultados finais. Numa das vezes esteve muito perto mesmo de ultrapassar o desafio, tendo conseguido ‘traduzir’ a quase totalidade do texto, à exceção de alguns caracteres – acontece que para ter acesso ao bitcoin, ele iria precisar mesmo de todos os caracteres que formam o endereço de acesso.
Com a ajuda de um outro colega, o doutorando belga voltou ao processo de afinação do algoritmo e só depois de revisto o código da plataforma é que o momento tão esperado chegou: Sander Wuyts tinha conseguido resolver o Desafio do Bitcoin de Davos.
Depois foram necessários mais 20 minutos para resgatar o bitcoin et voilà, Sander Wuyts tinha conseguido extrair com sucesso informação digital de uma amostra de ADN e tinha acabado de ganhar perto de doze mil dólares. Pelo caminho conseguiu descodificar mais quatro ficheiros que lá tinham sido incluídos – quatro imagens, uma das quais o logotipo do Instituto Europeu de Bioinformática.
Por revelar ficaram mais quatro ficheiros, mas provavelmente será uma questão de tempo até que Sander Wuyts faça o pleno.