Se depender destes visionários, o cérebro será o gadget do futuro

Em fevereiro de 2015 o consórcio de investigação Brainflight fez uma demonstração tecnológica impressionante: comandar um drone apenas com a mente. Os ventos sopravam na ordem dos 50 Km/H, mas nem isso impediu que o conceito fosse testado com sucesso.

Em vez de ter um comando na mão, o piloto tinha uma touca de eletroencefalograma na cabeça. Este capacete especial fazia uma leitura dos sinais cerebrais, sinais esses que eram depois enviados para um descodificador. Os comandos eram depois reencaminhados para o drone. A descrição é simples, mas o processo é tecnologicamente complexo. O piloto também necessita de uma curva de aprendizagem, pelo que nem todos saberíamos comandar aquele drone mesmo que tivéssemos a touca eletrónica na cabeça.




O projeto contou com a participação ativa de duas entidades portuguesas: a tecnológica Tekever e investigadores da Fundação Champalimaud. Nesse dia foi quebrada mais uma barreira entre a realidade e a ficção científica. Quando tal acontece, além da pergunta ‘como é que isso foi possível?’, surge também a pergunta: agora que este passo está dado, quais são as próximas barreiras a tombar?

Há muito que o cérebro é uma das principais inspirações para aqueles que ambicionam dar grandes saltos evolutivos no mundo tecnológico. O cérebro acaba por funcionar como um computador, de pequenas dimensões, extremamente potente e com um consumo energético relativamente baixo para as tarefas que realiza.

Um processador de um smartphone, por exemplo, não é mais do que o cérebro do equipamento, o elemento que faz com que todos os restantes elementos e aplicações funcionem.

Esta tentativa de tentar replicar tecnologicamente as potencialidades do cérebro tem conhecido nos últimos anos desenvolvimentos muito interessantes. Basta recordar que um dos temas quentes da atualidade – e para os próximos anos – é a inteligência artificial. Os investigadores estão a tentar, uma vez mais, dar à tecnologia propriedades que até aqui só pertenciam aos cérebros dos seres vivos.

Mas e se a proposta fosse ao contrário? Em vez de tentarmos recriar um módulo tecnológico que se comporta como o cérebro, que tal usar o cérebro diretamente e todas as suas capacidades? E se o cérebro fosse o gadget do futuro?

Transformar os pensamentos em palavras

A questão parece menos irrealista depois de termos conhecido quais são os planos do Facebook e da Neuralink para esta área. As revelações, feitas na semana passada, colocam o cérebro humano no centro de todas as atenções. O objetivo é, como sempre, permitir-nos fazer mais com a ajuda da tecnologia.

Regina Dugan é agora vice-presidente de engenharia no Facebook e é a pessoa que lidera o Building 8, a divisão da tecnológica dedicada a projetos de investigação e ao desenvolvimento de novos produtos que ainda não são conhecidos.

Antes de ingressar na rede social, Regina Dugan passou primeiro pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA (DARPA na sigla em inglês) e foi depois liderar a divisão ATAP da Google, o equivalente do Building 8 na gigante dos motores de busca. Ou seja, é uma mulher que está habituada a pensar à frente do seu tempo.

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Durante a conferência de programadores do Facebook, Regina Dugan revelou aqueles que são dois projetos em desenvolvimento atualmente na empresa: escrever texto diretamente a partir do cérebro, sem termos que falar ou usar os nossos membros; e ouvir através da pele.

Os projetos são muito distintos, mas é fácil de perceber qual o resultado que hipoteticamente poderá resultar destes desenvolvimentos a médio prazo: uma plataforma de comunicação que se assemelha ao conceito de telepatia. O Facebook decidiu partir este objetivo em dois problemas mais pequenos e por agora está a endereçar cada um de forma separada.

“O vosso cérebro tem 86 mil milhões de neurónios que ficam ativos 100 vezes por segundo”, começou por dizer Regina Dugan à audiência. “O cérebro é capaz de produzir 1 terabyte de informação por segundo, são 40 filmes HD a fazerem stream a cada segundo”, exemplificou depois.

“E se pudéssemos escrever diretamente a partir do cérebro? (…) Parece impossível, mas está mais próximo do que parece”.

Regina Dugan revelou pela primeira vez os planos do Facebook relativamente a novas formas de comunicação. #Crédito: Facebook

A ideia ficou automaticamente plantada no cérebro de todos os que estavam a assistir ou já assistiram à apresentação. Atualmente já existem sistemas que permitem a um humano escrever oito palavras por minuto através da conversão direta de sinais cerebrais em texto. O objetivo do Facebook é aumentar esta capacidade de débito para 100 palavras por minuto, o que faria com que escrever um texto com o cérebro fosse até cinco vezes mais rápido do que escrever num teclado do computador ou do smartphone.

Regina Dugan não revelou especificamente qual o método que o Facebook está a desenvolver, mas foi adiantando que é necessário um método não intrusivo, bastante veloz na leitura dos sinais cerebrais, com uma precisão na casa dos milímetros e capaz de resistir a interferências.

Atualmente o Facebook tem uma equipa de 60 engenheiros e investigadores dedicados a esta tarefa de escrever com o cérebro. Além de poder ser uma ferramenta poderosa para pessoas com algumas deficiências físicas, é uma tecnologia que o Facebook também vê aplicável a áreas como a realidade aumentada – criar um rato telepático para controlar experiências de AR, por exemplo.

A executiva do Facebook também quis deixar claro que esta tecnologia não será um descodificador de pensamentos. Só será possível descodificar pensamentos que o utilizador já tenha decidido que quer partilhar – a forma como isto será feito é que ainda está envolta em mistério.

Mas o potencial comunicativo do cérebro e do corpo humano não fica por aqui de acordo com as expectativas do Facebook. A tecnológica também está a ensinar algumas pessoas a ouvirem através da pele. A pele é o maior órgão que o ser humano tem e existem milhares de ligações nervosas entre a pele e o cérebro. Portanto teoricamente uma boa forma de comunicar com o cérebro será através da pele.

Isto já acontece de certa forma com o braile, mas o Facebook quer elevar esta capacidade. No exemplo mostrado durante a F8, uma pessoa que tinha uma manga especial colocada no braço esquerdo conseguia saber que palavras foram escolhidas por outras pessoas simplesmente através dos sinais que lhe eram induzidos no braço.

O Facebook acredita que ouvir através da pele poderá ser uma forma de quebrar também as barreiras que existem entre diferentes idiomas. “Um dia vai ser possível pensar em mandarim e as pessoas sentirem em espanhol”, explicou Regina Dugan. “É assustador? Claro que sim – porque isto é importante”, sentenciou.

São 24 minutos de apresentação, mas que recomendamos pelo simples facto de esta poder ser, no futuro, reconhecida como uma das keynotes que ajudou a definir as formas de comunicação cerebrais.

Contra as máquinas marchar, marchar

Quem também está convencido que o cérebro vai ser o gadget do futuro e que a comunicação por telepatia será um dado adquirido é Elon Musk. O empreendedor norte-americano vai ser o principal rosto da Neuralink, uma nova empresa que pretende ‘injetar’ inteligência artificial no cérebro das pessoas.

Elon Musk falou pela primeira vez publicamente sobre este seu novo empreendimento. O também diretor executivo da Tesla e da Space X vai adicionar mais uma etiqueta de CEO ao seu currículo.

Na prática a Neuralink quer desenvolver um produto comercial que vai permitir ligar o cérebro das pessoas a sistemas de cloud computing com inteligência artificial. É como se adicionássemos um módulo Wi-Fi ao nosso cérebro que nos vai permitir comunicar com computadores e com outras pessoas sem que sejam necessários equipamentos como smartphones ou computadores – desde que todos partilhem o mesmo interface de comunicação.

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“O fluxo de informação entre o teu cérebro e o mundo exterior seria tão sem esforço, que seria semelhante ao ato de pensar que atualmente existe na tua cabeça”, escreveu o Tim Urban, da publicação Wait but Why, no artigo de explicação onde Elon Musk fala abertamente sobre a Neuralink.

Através deste artigo ficámos a saber que numa primeira fase a ideia da Neuralink é desenvolver equipamentos que permitam, a pessoas afetadas por problemas no cérebro, recuperar parte das capacidades eventualmente perdidas. Esta primeira etapa será concretizada dentro de quatro anos.

Com as receitas provenientes deste lado da empresa, a Neuralink vai então desenvolver o tal inferface de comunicação cérebro-máquina que dará, por um lado, uma super-inteligência aos humanos, como por outro lado vai dar um lado mais humano à capacidade das máquinas. Esta é, na visão de Elon Musk, uma forma de evitar que o mundo seja dominado pelos computadores e pelos robôs.

“Apercebi-me nos anos recentes – no último par de anos – que a inteligência artificial vai obviamente passar a inteligência humana em grande medida. Existe algum risco nesse ponto em que alguma coisa má acontece, algo que não conseguimos controlar, que a humanidade não consegue controlar depois desse ponto – seja um pequeno grupo de pessoas a monopolizar o poder da inteligência artificial, ou a inteligência artificial a passar-se, ou algo do género. Pode não acontecer, mas pode acontecer”, disse Elon Musk durante a entrevista.

Só daqui a dez anos é que veremos este interface de inteligência artificial dedicado para o cérebro a mostrar o seu potencial. Nessa altura provavelmente o preço será proibitivo, mas como lembra Tim Urban, o primeiro telemóvel custava o equivalente a milhares de euros e atualmente já existem mais telemóveis do que pessoas em muitos países.

Para algumas pessoas pode haver algo de errado na ideia de misturar humanos e inteligência artificial. Elon Musk defende-se destas críticas dizendo que atualmente milhões de pessoas já são ciborgues – a ligação com os seus gadgets é tão forte que quando eles não estão por perto, pode mesmo haver um sentimento de perda e de dor.

O que Elon Musk está a propor é simplesmente integrar algumas das capacidades que estes equipamentos nos conferem diretamente no nosso corpo e diretamente controladas pelo nosso cérebro.

A ideia continua a parecer demasiado ambiciosa e louca? Sim, há elementos que são questionáveis, mas é aqui que lembramos: há dois anos, em Portugal, já foi possível controlar um drone com o cérebro. Será assim tão difícil fazê-lo comunicar com outros sistemas tecnológicos?

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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