torre unbabel traducao

O projeto Cyrano é mais um pilar na torre da Unbabel

As tecnológicas estão convencidas que a próxima grande plataforma depois dos dispositivos móveis e das aplicações como ecossistema será constituída por bots. Estes bots são sistemas automáticos de conversação que tanto podem estar integrados numa página web, como num serviço de messaging ou de forma mais profunda no próprio sistema operativo.

Microsoft, Facebook, Google, Amazon e Viv Labs estão todos a trabalhar em propostas diferentes: há quem esteja a apoiar a criação de bots como aplicações, há quem esteja a apostar mais no conceito de um único bot como assistente pessoal.

Do que temos visto até aqui há um grande problema: os maiores projetos estão a ser desenvolvidos em inglês e isso deixa de fora uma boa parte do mundo online.

“Tivesse o Facebook lançado o bot M de forma global, descobriria que 75% do mundo não o compreenderia”, in Unbabel

É aí que entra a Cyrano, uma nova interface de desenvolvimento de aplicação desenvolvida pela startup Unbabel. A base do negócio da empresa criada por cinco portugueses – Vasco Pedro, Hugo Silva, Bruno Silva, Sofia Pessanha e João Graça – é um sistema de tradução que mistura inteligência artificial e colaboração humana para que textos, emails ou páginas web possam ser traduzidas da melhor forma possível e no mais curto espaço de tempo.

Com o projeto Cyrano estão a endereçar especificamente o segmento dos bots cuja interação é feita através de texto. Para ter ideia do potencial, um programador consegue no espaço de uma hora fazer com que o seu bot inglês possa falar 20 línguas, bastante para isso integrar a Cyrano API.

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Se os bots são de facto a próxima grande plataforma de computação e interação, então a portuguesa Unbabel está a posicionar-se muito bem no segmento pois tem a solução para aquele que é o maior problema dos bots até ao momento.

Curioso é que mesmo antes das tecnológicas terem apresentado as suas propostas na área dos bots, já a Unbabel estava a trabalhar na Cyrano.

“Estamos desde há uns meses focados no apoio à tradução de serviços de atendimento ao cliente. Queremos automatizar a interação multilingue em costumer service e permitir que qualquer pessoa consiga comunicar com qualquer pessoa em qualquer língua. Tem ficado claro que há um pilar de costumer service que passa pelo messaging: a expectativa é que nos próximos dois anos 20% de todo costumer service passe pelo messaging. Queríamos começar a perceber um bocadinho melhor como é que esta interação devia acontecer a nível de chat e a nível de messaging que é um pouco mais assíncrono”, contou o diretor executivo da startup, Vasco Pedro, numa entrevista com o FUTURE BEHIND.

Por brincadeira já tinham criado um bot e decidiram começar a testar a Cyrano nesse robô de conversação. Foi aí que o Facebook anunciou ao mundo o seu plano de ‘bots para todos’.

“É intenso, é intensivo treinar um bot numa certa língua e quando o fazes depois torna-se difícil fazer com que ele consiga trabalhar em várias línguas. Esse problema surgiu naturalmente e coincidiu com o Facebook e tudo o resto”, acrescentou.

Como funciona?

Imagine uma conversa entre uma pessoa e um bot como uma estrada que liga duas cidades e em frente a cada uma existe uma portagem. Nessas portagens é onde é feita a tradução dos conteúdos. A mensagem que é enviada para o bot é traduzida quase de forma automática. “A maior parte dos bots funcionam no fundo por palavras-chave e a tradução automática consegue na maior parte das vezes ser suficiente para extrair as keywords certas”, explicou Vasco Pedro.

Já quando a resposta é devolvida ao utilizador existem mais fatores em jogo. Para precaver esta situação a Cyrano API está preparada com aquilo a que a Unbabel chama de tradução progressiva, isto é, a resposta começa com tradução automática e se o recetor não perceber a tradução ou não gostar, pode pedir um upgrade. Quando este pedido é feito entra um humano em ação.



Atualmente a Unbabel tem uma comunidade de 40 mil editores, um número significativo que ajuda a reduzir o tempo de espera. Mas para não estar a chamar editores sem necessidade, o sistema usa antes um motor de estimativa de qualidade de tradução para perceber se a tradução é boa o suficiente ou não. “Se está boa o suficiente aí já não damos a oportunidade de fazer upgrade pois no fundo sabemos que está bem”.

Conjugando os diferentes sistemas é possível obter traduções precisas em menos de um minuto.

“O nosso objetivo para messaging é que quando um humano estiver envolvido, a mensagem seja traduzida num minuto. Os objetivos para chats instantâneos são de 30 segundos. E por isso é que a tradução progressiva também ajuda. No fundo tens a resposta instantânea e só usas upgrade em 20% das vezes. Aí como foste tu que iniciaste, ‘quero uma coisa melhor’, tens uma tolerância maior para esperar pela resposta. Um minuto achamos que na progressive translation acaba por ser adequado”.cyrano-logo

Curioso com o Cyrano? Pode falar com o bot e experimentar as suas capacidades de tradução na página de Facebook

Atualmente a Unbabel ainda não tem um modelo de negócio estruturado para a Cyrano – é uma demonstração tecnológica que está a ajudar a empresa a perceber como deve funcionar uma interação com os serviços de apoio ao cliente. Do lado dos programadores o acesso é totalmente gratuito à API.

A startup portuguesa diz ter “alguns players bastante significativos” interessados em fazerem parte do grupo de testes da Cyrano API. Isto porque apesar de a internet estar a criar um mundo global, “cada vez mais as pessoas consomem informação na sua própria língua”. “Nós em Portugal acabamos por estar mais expostos à Internet em inglês, mas no fundo tens uma internet chinesa, uma internet russa, uma internet brasileira. As pessoas já não necessitam na maior parte dos casos ir fora da sua língua para encontrar aquilo que precisam”.

Torre da Unbabel ainda em construção

A Cyrano é um projeto experimental e tem potencial para colocar desde já a startup portuguesa numa boa posição para o segmento dos bots. Mas a internet não será só bots. Continuarão a existir páginas web, aplicações móveis e troca de emails. Isto para dizer que há e haverá muito para traduzir.

“Queremos que um dia qualquer empresa que comece diga ‘preciso da minha app ou do website traduzido’. Adiciona a Unbabel, fácil. ‘Agora preciso das minhas newsletters, agora preciso das minhas FAQ, agora preciso do meu atendimento ao cliente, agora preciso dos meus emails, das minhas landings pages, dos meus adwords’. Que tudo isso venha a ter uma integração na Unbabel, tu adiciones e está feito”, revelou Vasco Pedro.

Outra: é objetivo da Unbabel reduzir o custo por palavra para o cliente de tal maneira que será possível tornar esse custo irrelevante para o cliente. Vasco Pedro não quer as empresas a pensarem se ‘vale a pena traduzir?’, quer que seja uma prática adquirida. “Então passas a ter tradução ilimitada: ou seja, pagas X e traduzes o que quiseres, quando quiseres e nas línguas que quiseres”.

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São metas ambiciosas, mas durante a conversa com o FUTURE BEHIND ficou bem explícito que ambição é o segundo nome da jovem empresa. Mas ainda há um longo caminho a percorrer até que esta visão possa ser concretizada.

Vasco Pedro considera que dentro de quatro anos será possível ter tradução automática perfeita, mas sempre com o apoio de um humano. Sobre quando conseguirão as máquinas traduzir tudo de forma impecável e sem erros prefere não arriscar um prognóstico ou não estivéssemos a falar de tecnologia, uma área onde fazer previsões é uma tarefa árdua devido à disrupção constante.

Se por um lado a questão do tempo de tradução é um dos desafios que a Unbabel está a endereçar, por outro não pode descurar a qualidade da tradução.

“Os seres humanos são muito sensíveis a ruído na linguagem. É um elemento com o qual interages todos os dias. Os seres humanos estão tão treinados a reconhecer caras que qualquer diferença na cara de uma pessoa notas logo. Na língua é a mesma coisa: algo que soe mais ou menos bem e não exatamente como deve ser causa-te estranheza, tira-te confiança, tens a sensação de que aquilo está amador, põe em causa a tua perceção do próprio produto”.

Vasco Pedro sabe isto melhor que muitos pois fez um doutoramento na área da linguagem natural no Instituto Carnegie Mellon, nos EUA.

Entre os atuais clientes da Unbabel estão nomes conhecidos como a Oculus VR, do Facebook, e o Pinterest. No caso da rede social a startup portuguesa está inclusive em vias de lançar um estudo de caso onde vai mostrar melhor como é que o Pinterest conseguiu escalar o seu atendimento dos utilizadores a nível internacional com a utilização dos serviços da Unbabel.

Pen-sar – o – fu-tu-ro

No curto prazo o grande objetivo da Unbabel é tornar-se numa empresa rentável e conseguir resolver o problema dos serviços de atendimento multilingue. Mas se olharmos mais longe no horizonte vemos que a startup portuguesa prepara-se para grandes desafios.

Se a parte da tradução conversacional já está a ser bem endereçada, existem outros segmentos da linguagem que poderão ser mais difíceis de desbloquear.

“Se pensares em termos de conteúdos nós dividimos a linguagem em conversacional, técnica e emocional. Conversacional adequa-se muito a atendimento ao cliente e tem a ver muito com a dificuldade de tradução. A seguir tens o campo técnico se pensares em coisas mais específicas, em que a terminologia e a taxinomia são mais complicadas. Aí estamos a falar de descrição de produtos, comércio elétrico, elementos que têm uma série de palavras concretas, que têm um significado muito específico”.

A parte emocional é ainda mais complexa pois já implica um grau de envolvimento, perceção e interpretação mais avançado.

“Emocional é muito difícil: emocional é pensares por exemplo em marketing, conteúdos, um artigo que foi escrito por alguém, que passou horas a rever, e cada frase é pensada de certa maneira e tu tens uma série de metáforas. Esse tipo de escrita é muito difícil de traduzir de maneira mesmo boa. O nosso objetivo é caminhar nesse sentido, no sentido da dificuldade”.

“Acho que há a oportunidade de criarmos uma empresa enorme e é isso que queremos fazer”, concluiu.