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Etiqueta RFID: se a caixa pisca, está na hora de tomar o remédio

O pequeno ‘comando’ dá o alerta à hora certa. É pontual. Dirigimo-nos ao compartimento onde estão os remédios e lá está a luz LED intermitente numa – ou mais – caixa de medicamentos para que saibamos qual devemos tomar naquele momento. Piscando o olho à injeção de inteligência em “objetos estúpidos”, este é um cenário que a startup portuguesa BeyonDevices está a tentar materializar através de um dos seus mais recentes projetos, cujo pedido de patente será entregue este mês: uma etiqueta RFID acoplada a um dispositivo – uma espécie de comando passível de conectar ao smartphone.

Depois de uma iniciativa malsucedida com blisters eletrónicos – a opção por tecnologia NFC obrigava a grande proximidade e entendeu-se que estava em risco a segurança dos dados clínicos na cloud -, levada a cabo em parceria com a extinta Qolpac, a BeyonDevices decidiu começar um sistema do zero. Ou melhor dizendo, a partir do que aprendeu com esta experiência.

“Pensámos numa solução em que a própria caixa [de medicamentos] vem já com a eletrónica”, começa por explicar, ao FUTURE BEHIND, João Redol, CEO desta empresa nacional que se dedica ao desenvolvimento de dispositivos médicos para a indústria farmacêutica. “O sistema consiste numa etiqueta que vai ter um circuito, bateria e tag RFID impressos e um LED, comunicando por RFID com o dispositivo [gestor das etiquetas]”, descreve, acrescentando que este dispositivo “pode ficar num porta-chaves de pessoas mais idosas, por exemplo, ou ao pé dos medicamentos, sendo passível de emparelhar com o telefone”.

Etiqueta comunica com o dispositivo por RFID –» dispositivo comunica com o smartphone –» que envia dados para o serviço cloud [ainda por explorar através da criação de parcerias]

Traduzindo para miúdos, existe uma etiqueta, com um código único e que só é válida uma vez, que é aplicada por cima da caixa de medicamentos no momento em que esta vai começar a ser utilizada; e, paralelamente, um dispositivo que, por proximidade, vai apanhar a informação que está dentro dessa etiqueta. Esta última é pré-programada com base no número de dias que se tem de tomar o medicamento prescrito, bem como com a informação sobre de quantas em quantas horas. “Qualquer pessoa, ou até o farmacêutico em vez de escrever na caixa ‘de oito em oito horas, durante sete dias’, pode agarrar numa destas etiquetas, pré-programá-la em dois movimentos e aplicá-la na caixa”, exemplifica João Redol.

E quando se chega a casa? Basta aproximar o dispositivo da etiqueta, clicar num botão para fazer o emparelhamento e as informações da etiqueta são transmitidas para o dispositivo. Conforme o intervalo de horas e dias, a etiqueta inteligente vai piscar durante um determinado período de tempo de forma a informar sobre qual a embalagem que se tem de tomar. Já o dispositivo, recarregável e que, ao contrário das etiquetas, só será necessário adquirir uma vez, “vai ter outro tipo de sinalética: não só luminosa, mas há também a possibilidade de ter depois um LCD”.

 

Crédito: Future Behind
Crédito: Future Behind

Um íman para laboratórios farmacêuticos

Além de permitir adicionar as embalagens que se desejar, desde que se atribua um código único a cada etiqueta, e, assim, fazer uma gestão de vários medicamentos, há uma outra vantagem que enche o olho aos laboratórios farmacêuticos: a não manipulação do medicamento. E, por isso, existem já “três empresas farmacêuticas que fazem parte do top 10 mundial que estão muito interessadas” em ver um protótipo desta etiqueta inteligente.

A generalidade dos outros dispositivos obrigam a uma manipulação do medicamento, ou seja quando se tira um medicamento de dentro de um blister a estabilidade do produto já é completamente diferente do que quando está dentro do blister”, conta o CEO da BeyonDevices, lembrando que, por essa razão, “uma das grandes preocupações das farmacêuticas é conseguir que as pessoas não tirem os medicamentos da câmara para onde foi feita toda a estabilidade de um produto”.

Além disso, esta pode ser uma ferramenta de marketing “muito forte”. “Imaginemos esta solução [da BeyonDevices] dentro da caixa, em vez de ser uma etiqueta. Um laboratório poderá fazer com as suas caixas todas já venham com esta programação e oferecer o seu device [dispositivo] com o símbolo da marca, sendo que as pessoas depois só têm de comprar as labels [etiquetas] para medicamentos de outras marcas”, elucida João Redol sobre um possível modelo de negócio. Nestes casos em que a eletrónica está na caixa de cartão será integrada “mais alguma tecnologia”, indica, sem adiantar mais pormenores.

Neste momento, o foco está no produto, sendo que o objetivo é ter um protótipo funcional até ao final do ano. O sistema só deverá chegar ao mercado em 2019, uma vez que a BeyonDevices quer “relacioná-lo com o medicamento e não só vender a etiqueta”. O responsável da startup portuguesa diz não ter conhecimento da existência de eletrónica incorporada no medicamento, com base na FDA: “os únicos dispositivos que conheço que combinam eletrónica com medicamento são inaladores e canetas de insulina”.

O poder de controlar ‘coisas’ do mundo real

Então mas, na perspetiva do utilizador final, no meio de dezenas de apps que alertam para a toma de medicação a tempo e horas, qual é a grande vantagem deste sistema? A diferença está na interação dispositivo e aplicação. “Está provado que as pessoas não aderem quando se trata de apenas uma app”, indica João Redol. “Se virmos a quantidade de apps a nível de saúde que foram feitas, nos últimos cinco anos, nenhuma venceu exatamente por não ter dispositivos ligados”, ressalva. E dá alguns exemplos: “se alguém tiver de tomar insulina e tiver uma caneta de insulina vai buscar a app. Se se tiver uma Fitband para correr utiliza-se a app. Mas, se não houver um device que motive a pessoa a ir buscar a app esta não vence”.

“As pessoas não querem só o telefone, querem uma ligação ao mundo real dos produtos. O facto de conseguirmos controlar coisas do mundo real é o que vai gerar atratividade e não a própria app”, João Redol, CEO da BeyonDevices.

Os motivos não ficam, no entanto, por aqui: segundo a BeyonDevices, as apps são “difíceis de programar” e é precisamente este um dos aspetos que a empresa portuguesa está a tentar simplificar. “Com esta solução não estou a programar nada na app, mas posso utilizá-la se eu quiser. Há um código de uma etiqueta que está pré-programado para tocar, por exemplo, durante dois dias de 12 em 12 horas e é esta informação que vai para o dispositivo e para o smartphone”, aclara.

Esta ligação ao mundo real dos produtos é também feita pela empresa através de uma tampa inteligente para ensaios clínicos – apelidada de smart cap, embora não esteja registada. A ideia é colocar “tampas inteligentes em frascos [para comprimidos] estúpidos” e dar-lhes propriedades que permitam a monitorização, controle e melhoria do cumprimento da toma de medicamentos. Isto sempre numa lógica de não fazer a embalagem toda.

Uma vez que as embalagens utilizadas para fazer ensaios clínicos têm de possuir certificações, ter passado por testes que comprovam que esta tem todas as condições para conter medicamentos e se proceder aos ensaios, este é um processo que pode ser moroso em cada embalagem. Tendo em conta que as soluções que existem para este tipo de produtos englobam a embalagem toda e a tampa acaba por estar integrada na própria embalagem, a BeyonDevices decidiu nada mais, nada menos do que criar uma segunda tampa.

Crédito: BeyonDevices
Crédito: BeyonDevices

“Agarrámos numa embalagem já existente e arranjámos uma sub tampa interior para controlar os eventos de abertura e fecho”, revela João Redol. “Isto permite-nos com um sistema relativamente simples conseguir ajustar o interior a várias tampas standard, permitindo a todas as empresas que fazem ensaios clínicos – e que até já ensaiaram o produto noutros ensaios anteriores dentro de embalagens específicas – não terem que ir fazer a validação toda numa embalagem nova: podem agarrar na embalagem que já lá têm e colocar-lhe a sub tampa e fazer o ensaio clínico na embalagem que já conhecem”, clarifica.

Esta tampa inteligente, que possui sensores que ativam a bateria e registam a sua abertura e fecho, começou a ser testada este mês em ensaios clínicos com 800 pacientes, ao abrigo do projeto GLORIA – Comparação da eficácia e segurança de uma fraca dose de glucocorticoides adicional nas estratégias de tratamento de artrite reumática em idosos, inserido no Horizonte 2020 (programa-quadro de investigação e inovação da União Europeia).

Durante dois anos, a BeyonDevices vai dedicar-se à monitorização dos eventos de abertura e fecho desta tampa, no âmbito do GLORIA, e estabelecer uma relação com a toma de medicamentos. Uma parte deste ensaio, já com uma análise mais específica, será feita mais tarde, em 2017, com um subgrupo de 80 pacientes, o que fez surgir uma proposta a uma gigante tecnológica. “Fomos perguntar à Google se estaria interessada em ligar o relógio da Samsung, com o sistema operativo Android, e app de gestão de ensaios clínicos ao nosso dispositivo para um mini trail durante três meses com 80 pacientes. Estamos à espera de uma resposta, não sei se terão interesse, mas a haver alguma divulgação será no ano que vem”, adianta João Redol.

Seja como for, o desafio do momento é diminuir o tamanho desta tampa, uma vez que esta foi concebida tendo em conta as dificuldades sentidas por pessoas com artroses e, por isso, tem uma dimensão algo elevada. “Vamos refiná-la e adicioná-la depois à Internet of Things”, remata João Redol. Por essa razão, está agora debaixo de olho o teste da “validade de um dispositivo que se possa acoplar a tampas standard”.