O ecossistema Google Daydream visto na primeira pessoa

A Google é uma das empresas que mais tem ajudado na ressurreição da realidade virtual. A tecnológica tentou uma abordagem que nenhuma outra empresa tinha tentado e começou com uma ideia extremamente engenhosa: criou uns óculos de realidade virtual feitos de cartão.

O projeto Google Carboard foi importante em muitos sentidos. Mostrou que a realidade virtual podia ser extremamente barata, extremamente acessível e que podia ser móvel. Havia muitos preconceitos relativamente à realidade virtual e este conceito foi importante para derrubá-los.




Quando a primeira etapa do plano foi concretizada – já existem mais de dez milhões de Cardboard espalhados pelo mundo -, a gigante de Mountain View decidiu partir para uma nova fase. Foi aí que apresentou o ecossistema Google Daydream e os óculos Daydream View.

Na prática a Google decidiu criar um ecossistema de realidade virtual móvel mais dedicado e com melhor qualidade. Enquanto o Cardboard e as aplicações disponíveis no Google Play continuam a ser a porta de entrada para todos os que pretendem experimentar este formato de entretenimento e consumo, o Google Daydream já é uma experiência mais aprimorada e mais imersiva.

Foi o ‘lado virtual da Google’ que levou Daniela Fontes até Mountain View, na Califórnia. Como entusiasta, evangelista e programadora de realidade virtual, a jovem portuguesa quis ver em primeira mão que novidades a Google tinha para apresentar nesta área durante o Google I/O.

A Google apresentou duas referências de design com dois parceiros diferentes: HTC e Lenovo serão as primeiras a criar óculos VR independentes para o ecossistema Daydream. #Crédito: Daniela Fontes

“Em geral foi bom ouvir falar das parcerias com produtores de hardware e da introdução de rastreamento de posição. Não sei como os stand alone headsets vão afetar a indústria, mas estou muito curiosa. (…) Em termos de filosofia acho que um ponto que merece ser repetido é a perspectiva da Google sobre a indústria como uma indústria de computação imersiva, que junta realidade virtual, realidade aumentada e realidade misturada”.

Estes foram, na opinião de Daniela Fontes, os principais destaques do evento de programadores da Google no que diz respeito à realidade virtual. “Como programadora, a revelação do Seurat foi o ponto alto para mim, porque é mais uma ferramenta que vai afectar a produção de conteúdo”.

O Project Seurat foi sem dúvida um dos ex libris do Google I/O no que diz respeito à realidade virtual e foi uma tecnologia que de imediato captou a atenção de todos. Na prática o Project Seurat permite recriar ambientes fotorrealistas em realidade virtual móvel, dispensando para isso a necessidade de hardware poderosíssimo.

O segredo está na reconversão que este sistema é capaz de fazer de uma cena gráfica. No exemplo dado durante o Google I/O, os engenheiros da Google e do ILMxLAB, da Lucas Films, conseguiram reduzir uma cena inspirada no filme Star Wars: Rogue One com 50 milhões de polígonos para 70 mil polígonos. Apesar desta resolução, quase não existe perda de fidelidade gráfica.

Em termos práticos isto significa que será possível criar experiências muito mais realistas e que tudo o que será preciso para assegurar esta experiência é um smartphone e uns óculos compatíveis.

“A premissa do Seurat é fantástica. Em VR e especialmente em Mobile VR a performance é muito importante. Acho que a possibilidade de pré-renderizar cenas de alta definição e reconstruí-las no dispositivo vai ser um passo muito importante para a criação de conteúdo de alta qualidade. Mas isso não quer dizer que é uma silver bullet”, começou por analisar Daniela Fontes.

“Nem todos os projetos irão beneficiar diretamente da tecnologia. Fazer cenas super realistas ou de alta qualidade sai caro e em VR é preferível manter a qualidade gráfica mais baixa e consistente a ter flutuações”, acrescentou depois. Isto porque na opinião da especialista em realidade virtual, o mais importante é ter interações que estão em linha com as expectativas dos utilizadores.

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As expectativas, mas da comunidade de produtores e criadores VR, foi justamente outros pontos que Daniela Fontes partilhou com o FUTURE BEHIND a propósito da sua passagem pelo I/O.

“Acho que o clima é de curiosidade, de ver o que vai acontecer. Para Daydream teremos de esperar para ver e saber mais sobre as revelações. (…) Contudo, houve uma ligeira preocupação com a antevisão de um mercado Daydream fragmentado à nascença, no qual será difícil tirar partido de stand alone headsets ao mesmo tempo que providenciamos uma experiência equiparável aos equipamentos de entrada de gama”, explicou.

Tendo em conta o estado atual do ecossistema Daydream, as preocupações podiam de facto ser muitas mais. A começar pela ainda limitadíssima disponibilidade dos óculos Google Daydream e passando depois também pelo baixíssimo número de smartphones que são compatíveis com estes óculos. No ano passado a Google apresentou um conjunto forte de parceiros, mas a verdade é que nem todos concretizaram o seu compromisso com a plataforma. Por muito bom que seja, em termos práticos o ecossistema Daydream só é uma realidade para um número reduzido de utilizadores.

Perguntámos a Danielas Fontes a opinião dela sobre estes factos. “Quando começámos a desenvolver para Google Cardboard, uma das coisas de que nos apercebemos foi que os smartphones da altura não tinham sido concebidos para VR. Eu vejo o ecossistema Daydream como algo que vai ajudar os smartphones a transitarem para a próxima geração. Não julgo que o ecossistema por si seja limitado e acho que tem um grande potencial. É difícil criar um standard quando os equipamentos estão a evoluir tão rapidamente, mas é uma questão de tempo até a user base do Daydream começar a crescer”.

Falando mais concretamente nos planos da Mimicry Games, Daniela Fontes diz que este ecossistema da Google já é apelativo o suficiente para o estúdio, estando a equipa já a trabalhar nesta plataforma. “Embora o ecossistema seja pequeno, e ainda não esteja disponível globalmente, a exposição que um jogo ou uma app de qualidade têm é muito relevante”.

Para os que tiverem oportunidade e interesse de testar o Google Daydream View, a programadora deixa duas sugestões de experiências: Exo e Virtual Virtual Reality, com este segundo a estar também incluído nas cinco melhores apps VR para Android.

O segredo da realidade virtual? Paciência

A publicação Backchannel publicou um artigo de fundo sobre o desenvolvimento e os planos da Google para o segmento da realidade virtual. Acima de tudo é interessante ver como a Google numa fase ainda inicial já está a apontar para a independência dos equipamentos VR.

A nova referência de óculos de realidade virtual que foi apresentada durante o Google I/O significa que o utilizador só precisará de colocar os óculos para ter acesso às experiências VR – dispensam-se smartphones, portáteis ou desktops. Tirando o Facebook, que também está a criar um equipamento independente, quase todos os outros grandes projetos de VR dependem de equipamentos externos.

Além dos desafios tecnológicos, a realidade virtual está a sofrer de falta de paciência. Todos acreditam que nas suas potencialidades máximas a realidade virtual vai conseguir de facto criar experiências únicas, mas quanto estarão os investidores, os utilizadores e os programadores dispostos a esperar?

Se 2016 foi o grande ano do hype da realidade virtual, 2017 está a ser o ano de ajustamento de expectativas. O diretor da divisão de VR e AR da Google, Clay Bavor, pede por isso paciência.

Clay Bavor já era reconhecido como o homem forte da realidade virtual da Google mesmo antes de a tecnológica decidir apostar na área. #Crédito: Daniela Fontes

O executivo compara a evolução da realidade virtual à evolução do conceito de telemóvel. Há trinta anos quando foi revelado o primeiro telemóvel, o mundo todo também não caiu imediatamente de amores por ele – sobretudo pelo preço. Foram necessários vinte anos até que o iPhone pudesse ser concretizado e mesmo o equipamento da Apple foi recebido com descrédito.

“É como se estivessemos a construir aviões com peças de bicicletas e automóveis”, escreveu Clay Bavor na publicação onde pede alguma paciência e contenção de expectativas relativamente ao que a realidade virtual já consegue garantir.

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“Podíamos construir a mãe-de-todos-os-óculos que custa dois mil dólares e é espetacular? Claro que sim. Temos desses no nosso laboratório, mas não fazia sentido tentar introduzir esse produto [no mercado]”, salientou o engenheiro da Google.

O plano da Google, assim como o do Facebook-Oculus, é um plano a dez anos. Ou seja, só daqui a uma década é que provavelmente as pessoas vão desejar ter um dispositivo de realidade virtual tanto quanto desejam ter um smartphone.

“Vai ser a forma como vamos compreender o mundo, mover-nos pelo mundo e interagirmos com o mundo”, defendeu Clay Bavor.

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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