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ARKit: Será esta a próxima grande revolução da Apple?

A Apple é a empresa mais valiosa do mundo, tendo um valor de mercado estimado em 780 mil milhões de dólares. A Apple é também a marca mais valiosa do mundo, valendo perto de 170 mil milhões de dólares. Esta posição de empresa líder entende-se perfeitamente tendo em conta o que a Apple fez nos últimos 15 anos.

Primeiro mudou o mercado da música a nível global com o fenómeno iPod. Mais tarde mudou o segmento das telecomunicações móveis e do entretenimento com o iPhone. Pouco tempo depois voltaria a fazer das suas com a apresentação do iPad, um equipamento mais focado em produtividade e igualmente em entretenimento.

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Através destes três equipamentos a Apple foi também criando novas indústrias e mudando por completo outras. Por exemplo, foi a Apple quem criou o conceito de loja de aplicações moderna para dispositivos móveis, gerando uma indústria paralela de vários mil milhões de dólares e na qual tem uma quota-parte interessante. Dentro deste conceito, a Apple também ajudou a transformar o sector dos videojogos – graças aos dispositivos móveis nunca houve tantos jogadores no mundo.

Podíamos apontar muitas outras indústrias que foram afetadas sobretudo pelo ‘terramoto’ iPhone, de longe o produto mais influente da Apple. Preferimos no entanto apontar para o futuro e falar naquele que pode ser outro grande ‘abanão’ de forte impacto no mundo da tecnologia e que poderá cimentar a Apple como a grande responsável por esse movimento: falamos da realidade aumentada e em específico do ARKit.

A realidade aumentada (AR na sigla em inglês) não é uma tecnologia de agora e muito menos os créditos da sua criação podem ser atribuídos à Apple. Há décadas que várias empresas desenvolvem soluções de realidade aumentada e para diferentes segmentos. A questão é que também não foi a Apple a inventar o leitor portátil de música digital, nem o smartphone, nem o tablet – e no final nada disto impediu que fosse a Apple considerada como a grande revolucionária.

Com a realidade aumentada podemos estar prestes a viver outro momento destes. Já há exemplos de como a realidade aumentada está a tornar-se uma tecnologia mais comum – basta lembrar o enorme sucesso que a aplicação Pokémon GO teve e ainda tem. Só que a Apple não quer apenas uma aplicação de realidade aumentada nos dispositivos dos seus utilizadores, quer muitas destas apps.

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Foi por isso que criou o ARKit, um kit de desenvolvimento que dá aos programadores ferramentas que permitem aproveitar o hardware e o software do iPhone ou do iPad para criar experiências de realidade aumentada. Quando a Apple fez as primeiras demonstrações na Worldwide Developers Conference deste ano, percebeu-se de imediato que a marca da maçã tinha um produto de qualidade entre mãos.

Era o culminar de uma série de promessas e de aquisições que a tecnológica de Cupertino tinha feito junto de startups de áreas como reconhecimento de imagem, realidade virtual e realidade aumentada.

Mundos digitais

Desde o início de junho que o ARKit está disponível para a comunidade de programadores e têm sido já vários os exemplos de trabalhos publicados nas redes sociais e que parecem mostrar, de facto, que vem aí uma nova revolução.

Se os resultados em si parecem promissores, o FUTURE BEHIND ouviu a opinião de alguns programadores sobre o ARKit e sobre o potencial que eles pensam que esta tecnologia tem e poderá vir a atingir. Todos eles estão a trabalhar ativamente neste novo ecossistema.

“Dá gosto ver finalmente a realidade aumentada a chegar ao grande público de forma global e sem necessitar de recorrer a objetos marcadores externos, necessários nas primeiras tecnologias de AR que surgiram anteriormente”, considera o programador Basílio Vieira.

Este é de facto um dos elementos que destaca a tecnologia de realidade aumentada da Apple de outras tecnologias do mesmo segmento – por exemplo, a PlayStation Vita da Sony já tinha experiências de realidade aumentada, mas obrigava à utilização de marcadores externos.

A única informação que um iPhone ou iPad vai necessitar é de um plano horizontal, seja uma mesa ou até o próprio chão. A partir do momento em que tem esta informação consegue trabalhar, por via algorítmica, na criação de objetos digitais que transmitem uma sensação de realismo.

O ARKit permite criar objetos digitais que têm um forte sentido posicional, isto é, fixam-se no ponto que o utilizador define e mantêm-se nessa posição. O utilizador pode depois rodar sobre o objeto, aproximar ou afastar o smartphone e experimentar ângulos diferentes de visualização – ele não sai dali, está fixo.

Apple Arkit
Demonstração do ARKit em funcionamento. A chávena de café é um modelo 3D dinâmico, pois também inclui animações. #Crédito: Apple

“Sempre pensei que o Google Tango resolveria a limitação dos marcadores com vários sensores num smartphone. Também sabia que isso não resolveria o nosso problema tão rápido: todos teriam de comprar uma nova tipologia de telefone. O ARKit trouxe uma solução inesperada para o mercado ao usar Visual Internal Odometry para analisar o mundo à sua volta com a informação da câmara e os dados do CoreMotion. Demorou algum tempo até a Apple mostrar o que tinha, mas o reconhecimento e rastreamento de superfícies parece surpreendente. Mal posso esperar para ver isto com novos sensores 3D”.

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A explicação pertence a Sanem Avcil, programadora e fundadora do estúdio Coolo Games. Na parte final da sua resposta, a especialista em realidade aumentada refere-se aos rumores que dizem que uma das versões do próximo iPhone terá três sensores de imagem incluídos, justamente a pensar na criação de melhores e mais imersivas experiências de realidade aumentada.

Em certa medida a Apple quer dar aos seus utilizadores experiências de realidade aumentada com a mesma qualidade que é garantida, por exemplo, por uns Microsoft HoloLens – com a diferença de os HoloLens custarem 3.000 euros e um iPhone entre os 600 e os 900 euros.

“Se tu como empresa vês que tens a possibilidade de fazer finalmente alguma coisa 3D com realidade aumentada para um mercado tão vasto, vês uma possibilidade muito interessante de negócio que até agora não houve”, salienta o líder de investigação e desenvolvimento da IT People Innovation, Rui Milagaia.

A agitação com o ARKit é de tal forma grande que a tecnológica portuguesa já recebeu contactos de clientes que querem ter uma experiência em ARKit para os próximos meses – a confidencialidade não lhe permite, por agora, revelar quem são os interessados.

Além da questão do posicionamento, Rui Milagaia também destaca a dimensão real dos objetos criados através do ARKit como uma característica a salientar neste sistema da marca da maçã. Se colocar uma chávena de café digital em cima da mesa ela vai ter um tamanho à escala, se a mover para o chão o tamanho vai manter-se à escala, mas vai adaptar-se pelo facto de estar mais distante.

“Em aplicações de AR é muito importante manter uma relação muito coesa entre o mundo real e os objetos virtuais [o tracking], correndo o perigo de quebrar a ilusão se ocorrerem erros constantes. Através de um grande esforço do software que compõe o ARKit, os engenheiros da Apple conseguem manter um tracking a um ponto muito para lá do esperado para uma solução que se baseia apenas na câmara e nos sensores de posição do iPhone”, salienta por sua vez Basílio Vieira.

Operação simplificar

A Apple fê-lo outra vez: voltou a simplificar algo que até aqui envolvia várias camadas de complexidade. Foi também esta a receita de sucesso dos outros produtos da Apple já referidos: criar uma experiência de utilização sem barreiras para os utilizadores.

“Uma experiência que até a minha mãe consegue facilmente pôr a correr e acha gira, (…) se conseguires fazer com que facilmente qualquer um o faça e não há hipótese de se sentir mal porque as coisas não falharam, ganhaste. Ganhaste aquele cliente, ele vai achar aquilo espetacular, vai sair de lá só com sentimentos positivos”, considera Rui Milagaia, da IT People Innovation.

Basílio Vieira acrescenta depois outro ponto interessante à discussão: a realidade aumentada da Apple não facilita só a vida aos utilizadores finais, facilita também a vida aos programadores.

“O ARKit traz uma vantagem inigualável: passa a estar disponível de forma universal na plataforma e os programadores sabem que podem criar soluções de AR que irão funcionar sem que o utilizador necessite de acrescentar algo ao sistema e que esse funcionamento será consistente. Isto muda radicalmente a perspetiva de quem produz conteúdos”.

É justamente esta barreira de desenvolvimento mais facilitada – para quem tem conhecimentos na criação de conteúdos 3D ou a trabalhar em ferramentas como o Unity – que tem despoletado um grande número de partilhas de experiências ARKit nas redes sociais.

Salem Avcil e a sua Coolo Games, por exemplo, já estão com o foco totalmente virado para o ARKit. “A versão de programadores do iOS 11 tem os seus bugs e falha bastantes vezes, mas tenho a certeza que esses bugs vão ser corrigidos antes do lançamento do iPhone 8 [nome não confirmado] e do iOS 11. Já começámos a criar demonstrações e quero criar os nossos novos projetos já com o ARKit”.

Também Basílio Vieira está com a ‘mão na massa’. “Estou desde já a desenvolver os primeiros projetos porque ter a coragem de ser pioneiro costuma trazer vantagens. A tecnologia não necessita de amadurecer para ser utilizável pois esta versão do ARKit, mesmo se considerarmos a grande limitação atual de não detetar planos verticais (paredes e similares) é mesmo assim um passo muito sólido em frente”.

No caso da IT People o ARKit passa a ser mais um dos motores de desenvolvimento que a empresa vai utilizar no seu ecossistema de realidade aumentada. “É uma questão de nos ajustarmos ao novo mercado que temos aqui. Apresenta um argumento muito bom para qualquer um dos nossos clientes o facto de termos todo o trabalho desenvolvido, isto é só uma pecinha para mudar”.

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Por exemplo, a empresa já está a adaptar uma das suas plataformas, o ARchitect, a funcionar em ARKit. Esta adaptação permitiu trabalhar melhor os efeitos de luminosidade da casa e também gerir melhor outras simulações de iluminação, como luzes apagadas ou luzes ligadas.

“Aquela chávena tem os brilhos certos, tem sombra em tempo real, tem fumo. Inclusive a Apple fez forma de apanhar a luz circundante do objeto e pô-la refletida num nível de opacidade baixa, para dar uma ilusão de pertencer àquele espaço. Eles já nos dão essas ferramentas, para que pareça realmente real. Há pequenas nuances que mudam no objeto”, referindo-se ao exemplo da chávena de café mostrado no WWDC17 e que faz parte das demos básicas do ARKit.

One more thing…

Aqueles que aderiram ao mundo dos smartphones ainda na sua infância, fosse iOS ou Android, certamente lembram-se que na altura muitas das aplicações mais populares eram simples brincadeiras. São exemplos disso as apps que ‘transformavam’ o smartphone num sabre de luz da Guerra das Estrelas, num isqueiro ou numa caneca de cerveja que respondia ao movimento do acelerómetro.

Prepare-se, pois estes tempos vêm aí novamente. Apesar de todas as utilizações espetaculares que a realidade aumentada promete trazer para os nossos bolsos, no início vai ser vivida uma fase de brincadeira – isto é, vão ser criadas muitas aplicações básicas só para ‘ensinar’ e mostrar os potenciais da realidade aumentada.

Em bom rigor o jogo Pokémon GO já fez um pouco isto: colocou muitas pessoas em contacto com criações de realidade aumentada pela primeira vez, apesar de a tecnologia de sobreposição dos pokémon ser bastante rudimentar e pouco imersiva.

Tim Cook ARKit
Tim Cook é o grande obreiro dos esforços de AR da Apple. Há vários anos que o executivo tem prometido algo nesta área. #Crédito: Apple

“As pessoas quando estiverem em frente ao ARKit, que nunca tiveram desta forma, vão querer experimentar coisas novas. Estes dois meses até meados de setembro é uma altura de criar aplicações quase de estupidez para ganhar um dólar de cada vez, porque tens 100 milhões de pessoas a experimentar esta tecnologia”, salienta Rui Milagaia.

Basílio Vieira é da mesma opinião, mas considera que desta vez a evolução será mais acelerada. “Rapidamente passaremos pela fase das primeiras abordagens em que a utilização de AR será quase um artefacto sem sentido para começarmos a ver aplicações mais práticas e úteis, dos quais destaco o levantamento da geometria de uma habitação e a apresentação de informações de navegação”.

Em 2008 os programadores não tinham experiência de desenvolvimento para smartphone, agora já levam quase uma década de conhecimento nesta área. Sim, as aplicações de brincadeira vão ser uma realidade, mas também desde o primeiro dia que poderemos contar certamente com experiências de grande qualidade.

A receita está por isso a ficar pronta: avanços importantes na tecnologia de reconhecimento de imagem com hardware já massificado; ter um bom ecossistema de programadores; e ter neste ecossistema pessoas que procuram qualidade, oportunidade de negócio e também fama.

O resultado deste cozinhado aponta num sentido: a Apple vai conseguir com a realidade aumentada criar outro momento de grande disrupção na indústria, iniciando uma nova era tecnológica e ganhando uma importante vantagem sobre a concorrência mais direta.

“A realidade aumentada vai mudar a forma como vivemos e interagimos com o mundo à nossa volta. Hoje será através dos nossos smartphones e amanhã através de óculos AR. Acredito que a Apple vai criar um grande interesse mediático e também junto dos utilizadores em setembro”, defendeu Sanem Avcil.

Uns óculos AR serão, na opinião de Basílio Vieira, uma etapa mais avançada dos ecossistemas de realidade aumentada. “Este passo irá ditar o fim dos motores de busca e dos smartphones como os conhecemos: deixaremos de perguntar algo ao motor de busca, sendo o agente digital responsável por determinar o que pretendemos saber a cada instante e deixaremos de estar a olhar para uma caixa na nossa mão, passando a informação a ser adicionada num dispositivo wearable”.

Nessa altura poderá já nem ser a Apple a líder de tendências – como já não o é nos smartphones e na música digital. O que conta é o presente e aí a Apple está claramente em vantagem.

“A Apple vai fazer o máximo de barulho que puder porque finalmente tem poder para o fazer e nenhum Android guy vai poder dizer ‘temos isso há imenso tempo’. Eles vão ter um trunfo na mão. (…) Acho que isto é uma revolução como já há muito tempo a Apple não fazia uma”, defendeu Rui Milagaia.