Jogatanas e Manias

Jogatanas e Manias #36: Uma carta de amor ao Wrestling

Ser adolescente rapaz em Portugal, ali entre 2004 e 2006, significava provavelmente uma de três coisas: Ou berrar todos os dias KUNAAAAAAAAMI FRESQUINHO, ou tentar fazer vírgulas em bolas de todos os tamanhos e pesos como o Ronaldinho Gaúcho, ou tentar fazer Pedigrees no meio da rua como na WWE.

Infelizmente, padecia dos três males, mas como não tinha pezinhos para o futebol nem o timing ideal para fazer mais que imitações manhosas do Gato Fedorento, mergulhei de forma profunda no Pro-Wrestling – ou como os meus pais diziam, de forma jocosa: Ah, isso é luta livre, aquela coisa a brincar do Tarzan Taborda não é?

Tinha acabado de ver o Kurt Angle, na altura, a receber um chokeslam do Big Show, do topo duma estrutura altíssima, que o tinha atirado para uma cadeira de rodas. Não só não acreditei no que diziam como fiquei ainda mais apaixonado por aquele mundo tão piroso e tonto e absolutamente cáustico e disruptivo.

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Ver na Televisão era insuficiente. Apesar de termos a versão reduzida da Raw e da Smackdown na SIC Radical – com o raríssimo Pay-per-View a ser transmitido, muitas vezes semanas depois do acontecimento – o bichinho começava a morder. Passar uma adolescência com gostos de nicho na altura significava também ter quase ou nenhum escape criativo para onde podia direcionar as minhas frustrações, a minha tristeza com a solidão adolescente e amorosa, a incapacidade de reconhecer o ambiente tóxico doméstico e a autêntica luta pela sobrevivência social diária na escola.

Foi assim que descobri o maravilhoso mundo dos jogos de Wrestling. E embora tenha absorvido muitos dos títulos de 16 bits, foram essencialmente três jogos que me tornaram um fã para a vida.

O primeiro, surpreendentemente, veio da Nintendo 64 e duma incursão mais marota pelos mares da Somália que tanto conhecimento me deram na altura: WWF No Mercy, desenvolvido pela AKI Corporation, que mais tarde iria aperfeiçoar ainda mais a fórmula com a excelente saga Def Jam (embora isso seja material para outro episódio). Primeiro, porque o roster assemelhava-se mais ao que se dizia ter sido a época de ouro da WWF nos fóruns e no Lords of Pain – sim, era um site de wrestling, deixem-me!

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Tal e qual como se estivessem a ver na TV, não é?

Stone Cold Steve Austin, The Rock, Triple H, Mankind e o Undertaker versão American Bad Ass são só alguns dos personagens selecionáveis em versões poligonais muito rudimentares. Aliás, cada um dos mais de 30 wrestlers tinha direito a alguns segundos do seu vídeo de entrada, completamente comprimido e pixelizado, com o que parecia ser a sua música de entrada, repleta de filtros de som.

Se parece que estou apenas a reclamar com o jogo, é mesmo só parecença: é que WWF No Mercy ainda hoje é considerado um dos melhores jogos de Wrestling de sempre, muito graças à sua jogabilidade extremamente simples, contudo repleta de complexidade. Com recurso a poucos botões conseguíamos recriar uma versão competitiva do que poderia ser um combate de wrestling, mais dependente do nosso conhecimento da personagem e dos seus atributos do que da sorte ou da quantidade de finishers. Se preferem utilizar reversals e chain wrestling, o Chris Jericho é o vosso melhor amigo, mas se preferirem uma versão repleta de golpes e strikes, juntem-se ao Steve Austin and GIMME A HELL YEAH!

A comunidade de mods para No Mercy mantém o jogo vivo ainda hoje, com imensas colaborações já com música atual, wrestlers de hoje em dia e até com empresas diferentes da agora WWE. Sim, enquanto esperam pelo AEW Fight Forever para recriar a briga entre o CM Punk e os Young Bucks, podem continuar neste absoluto clássico a esbofetear o MJF como ele merece.

Se na parte da jogabilidade WWF No Mercy coçava-me o vício, a vertente criativa deixava-se estar adormecida, até ter descoberto por mero acaso o inacreditável mundo dos simuladores de companhias de Wrestling com o ainda gratuito Extreme Wrestling Revenge. Este jogo HTML e text-based permite-nos criar a nossa própria organização e, com o roster de lutadores ao nível global em 2003, organizar os eventos, os shows televisivos, escrever e escolher a direção das rivalidades, o tipo de combates… enfim, era uma janela para os bastidores que tanto ambicionava.

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Nada grita ENTUSIASMO como uma lista de atributos numéricos.

Se me irritava que o Eddie Guerrero continuava a não ser campeão por causa do Batista, podia construir simulações para que ele recuperasse o título que não devia ter perdido. Foi também assim que, a despertar para a cena indie e para a Ring of Honor onde uns simpáticos lutadores chamados Bryan Danielson e CM Punk começavam a despontar, os contratava para os tornar o absoluto foco das minhas empresas.

Escrevia e simulava todas as histórias na minha cabeça, projetava e representava as promos que surgiam com o mesmo texto repetido vezes sem conta, como se à minha frente, de facto, estivesse o Kurt Angle a prometer fazer o Bret Hart arrepender-se de regressar da reforma, num absurdo mas épico what if.

Em termos de jogabilidade, era em tudo semelhante ao Championship Manager – agora Football Manager – da Sports Interactive: repleto de menus e estatísticas que precisávamos de ter em conta, como o desempenho monetário da nossa empresa, o merchandise que vendia e a que preços, a negociação de contratos com as TVs e com horários mais favoráveis, bem como o planeamento do crescimento dos wrestlers com maior potencial, de acordo com a forma como se tornavam mais “over”, ou seja, populares com a audiência.

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O Wrestling, principalmente ali perto de 2006, cresceu exponencialmente de popularidade no nosso país e, com isso, também a vontade dos meus amigos em querer jogar comigo. É nesse ponto que entra WWE Smackdown vs Raw, ou o jogo mais jogado e replicado nas tardes do meu verão de 2005. A uma jogabilidade mais rápida, com maior foco no desgastar do adversário para aplicar um finisher, juntava-se também os gráficos da Playstation 2, que me permitiam cantar sempre que escolhia o meu preferido, Shawn Michaels, para lutar contra o seu eterno rival, Bret “the Hitman” Hart, escolhido por um dos meus amigos por causa do seu irmão, absoluto fã do wrestler canadiano nos anos 90.

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Pensar que na altura, ninguém imaginava o quão gigantes estes dois se tornariam.

Esta introdução das Lendas da WWE como desbloqueáveis no jogo trazia um sabor mais interessante à experiência com o jogo, tal como o criador de wrestlers com mais opções de customização que nunca e que me permitiu, graças a imensos guias online, recriar lutadores que não estavam disponíveis e usá-los no modo Carreira, culminando sempre, se jogarmos bem as nossas cartas, no main-event da Wrestlemania pelo título de pesos pesados.

Curiosamente, e apesar de terem pertencido de forma bastante intensa na minha formação, os jogos de Wrestling foram desaparecendo do meu horizonte ao longo dos anos. Não me recordo, sequer, do mais recente que joguei, até porque à medida que a modalidade perdeu fulgor em Portugal, voltei a ver o desporto de forma mais isolada, ora acompanhando CM Punk e a sua luta contra o status quo, ora quase chorando com o Kofimania, muito mais recentemente.

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No entanto, e apesar dos MUITOS problemas que este mundo mágico e rocambolesco sempre teve, foi e é muito importante na minha formação: não só por me apresentar um escape criativo e emocional num momento onde só queria desaparecer num rio escuro de música zangada e alta, onde ninguém me pudesse encontrar, mas também porque me ajudou a respeitar-me e aos meus gostos, mesmo quando ouço, pela trigésima sétima vez consecutiva: o quê, tu ainda vês Wrestling?

Há uns tempos, provavelmente diria que não. Hoje em dia? Controlo-me e digo que sim, de forma educada, porque na minha cabeça só me apetece perguntar: porque é que pensas assim?, para poder soltar um sonoro IT DOESN’T MATTER WHAT YOU THINK!