6 segundos de respeito pelo Vine (e porque o Twitter pode ser o próximo)

Passou menos de uma semana desde que o Twitter anunciou a descontinuação da sua aplicação de seis segundos de vídeo, Vine.

Uns dirão que já não era sem tempo, outros que é uma situação terrível. Eu digo ao Twitter que é melhor aprender a sua lição rapidamente antes que toda a rede social vá cano abaixo. Mas recapitulemos um pouco para perceber o que se passou na semana passada que tantas notícias gerou.

O Vine remonta a junho de 2012. Originalmente criado por Dom Hofmann, Rus Yusupov e Colin Kroll, a rede de microblogging foi comprada pelo Twitter em outubro desse mesmo ano numa transação que rondou os 30 milhões de dólares. A aplicação só seria lançada em janeiro de 2013 para aparelhos iOS e em novembro de 2013 passou a incluir o mercado Android e Windows.

O Vine atingiu fama e glória relativamente depressa. Em poucos meses tornou-se a mais utilizada aplicação de partilha de vídeos e em maio de 2014 uma versão web foi lançada, abrindo o serviço a uma audiência muito mais alargada. Desde então, mais aplicações foram adicionadas, e mais de 200 milhões de utilizadores passaram a utilizar a aplicação mensalmente.

Em junho deste ano, o Vine chegou mesmo a anunciar que estava a realizar experiências para permitir aos utilizadores publicarem vídeos mais longos, até 140 segundos.

Foi com surpresa – mas não muita – que o Twitter veio dizer que descontinuará o Vine, ao mesmo tempo que quase um em cada dez postos de trabalho no Twitter será cortado (o que equivale a aproximadamente 380 pessoas).

Que o Twitter tem problemas já todos sabemos. Quando este ano começaram a surgir rumores de que a rede social poderia ser colocada à venda, percebemos que as coisas estavam más.

Google, Salesforce, Facebook, Microsoft, Apple ou mesmo outros gigantes dos quais não nos lembramos regularmente como a Disney, Verizon, a Comcast e até mesmo o PornHub, entraram todos na onda de rumores.

O pior de uma situação já má para o Twitter foi cada um destes nomes, quase um por um, descartar-se da potencial compra da rede social. O próprio Twitter veio a público dizer que a companhia podia ser vendida se o preço certo fosse garantido por um potencial comprador.

A única empresa que ainda parece interessada segundo as últimas notícias é a Disney. De acordo com a NBC, qualquer potencial venda é esperada até ao fim do ano.

Entretanto, o Twitter, cujas receitas e número de novos utilizadores parecem ter estagnado, veio dizer que está numa missão para tornar-se financeiramente sustentável já em 2017.

De volta ao Vine, esta é uma rede maioritariamente utilizada por milennials. De facto, 71% dos utilizadores encaixam nesta faixa etária e quase 30% têm entre 18 e 24 anos. O mercado para o Vine parece definido, mas não se encaixa tão bem no mercado mais alargado do Twitter.

Eu sou um utilizador ávido do Vine. No dia em que a sua descontinuação foi anunciada, publiquei sete vines numa conferência em Bruxelas, parte de um conjunto de quase 300 que carreguei em menos de dois anos.

Como jornalista, esta tornou-se numa ferramenta de trabalho, que aliada com o Twitter reinventou a forma de reportar em direto, onde quer que esteja.

Foi com grande desilusão que recebi a notícia sobre o encerramento do Vine no meu relógio. E a ideia de que manter os Vines disponíveis depois do encerramento iria apaziguar a alma… Não é bem assim.

Porém, o encerramento do Vine tem de ser visto como um aviso do Twitter para o próprio Twitter. O que em 2006 foi um sucesso, ao fim de uma década parece um prédio que vai perdendo os seus moradores e aos poucos vai-se degradando.

Mas este ainda é um prédio com uma caixa-forte bastante sólida: são mais de 2,21 mil milhões de dólares em receitas. A pergunta é: como é que uma empresa que tem dinheiro suficiente, uma base de utilizadores de mais de 300 milhões e dez anos de experiência, se deixou levar e não se consegue reinventar?

Há dois lados para esta moeda: em primeiro lugar, o Twitter não tem conseguido conquistar novos utilizadores, pelo que está constrangido por um largo número de utilizadores que usam a plataforma há anos e não gostam de mudança.

Por outro, o Twitter não tem sabido integrar os seus utilizadores e potenciais novos utilizadores na sua estratégia.

O maior ponto de venda do Twitter é a utilização da rede em tempo real. Isto endereça um instinto natural do ser humano que é o acesso à informação em tempo real e com rapidez. Mas isto traz outros problemas em termos de administração de tweets e afins.

Ora, se o Twitter faz exatamente aquilo que os seres humanos gostam, como é que ainda assim não consegue reinventar-se?

O Twitter não é uma rede que agradará a uma audiência do tamanho do Facebook, por exemplo. Mas se começar a prestar mais atenção aos 300 milhões de utilizadores que tem, talvez consiga superar os desafios com que se defronta.

Para começar, a rede tem uma grande necessidade de ‘arrumar a casa’. Contas fantasma devem ser removidas, estão a tirar nomes de utilizador que pessoas reais querem e são simplesmente números que entram nas contas oficiais e que no final não se transformam em negócio. Quantidade não é qualidade.

Ao longo dos anos, o uso do Twitter não foi bem entendido por muitos, o que parecia uma boa ideia há cinco anos é hoje uma carga de trabalhos.

Por exemplo, o Facebook foi rápido a perceber isto e permite aos utilizadores juntarem perfis e fundir perfis com páginas, e vice-versa. Sem esta opção o número de utilizadores talvez fosse maior do que os 1,7 mil milhões que o Facebook tem atualmente, mas esta possibilidade oferecida aos utilizadores mantém esses mesmos em posse da sua rede, da sua existência social. E este é só um exemplo.

Depois da casa arrumada, o Twitter tem muito trabalho na parte de curadoria da informação – em tempo real – e tem mesmo de entrar à séria no campo da inteligência artificial (IA). Atendendo à necessidade de informação rápida e em tempo real, a IA irá trazer uma nova onda tecnológica para as redes sociais.

No caso do Twitter por exemplo, a IA pode facilmente lançar um tweet em menos de um segundo após um terramoto acontecer. A tecnologia já é usada para escrever notícias, mas não existe ainda no Twitter.

Visualmente, o Twitter também tem de se modernizar. Um site que se parece com uma aplicação móvel no desktop deixa-se de tornar apelativa para muita gente, de forma muito rápida. O que em 2006 era bom, em 2016 é visto como parte da história da internet.

Ao fim de dez anos, o Twitter parece ter as suas bases, mas parece estar num loop em que não consegue modernizar-se.

O Twitter é a rede que mais uso, aquela pela qual tenho mais interesse e é com pena que percebo que está a ir abaixo a olhos vistos.

A esperança é que o Twitter e o seu CEO Jack Dorsey encarem a realidade e olhem bem para as feridas profundas dentro da empresa, e que nos próximos três a seis meses o Twitter saia com uma estratégia e produto mais ‘arrumado’ e apelativo para uma maior comunidade de utilizadores.

Se o Twitter falhar nos testes que enfrentará nos próximos meses, poderemos muito bem ver o Periscope ir abaixo e a rede Twitter ser ‘desligada’ tal como o Vine, algo que se poderia tornar no maior falhanço de sempre no campo das redes sociais.

Cá estaremos para ver como o Twitter se reinventará e se essa reinvenção passará para as mãos de outra empresa.

Até lá, é RIP para o Vine, e – dedos cruzados – boa sorte para o Twitter.

João Marques Lima: João Marques Lima é jornalista e editor na Data Economy em Londres, especializado nas áreas da Internet das Coisas, M2M, centros de dados e o Digital Single Market da UE. Apareceu recentemente no 'Top 100 Influenciadores da Internet das Coisas 2016 ', 'Top 100 Influenciadores de M2M 2016 ', 'Top Influenciadores d e Carros Conectados', e na lista de “Líderes de pensamento da Internet das Coisas para seguir nos próximos quatro anos'.
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