Fundada em 1994 e adquirida pela Sony em 2001, a Naughty Dog é uma das empresas mais importantes da indústria dos videojogos, tendo lançado séries memoráveis como Crash Bandicoot, Jak and Daxter e a trilogia Uncharted na PlayStation 3. Em 2013, tiveram em The Last of Us a sua obra-prima, imediatamente um nova referência para os videojogos, e agora regressam com Uncharted 4.
A série Uncharted é conhecida pelo seu formato ‘blockbuster‘, jogos de ação recheados de sequências cinemáticas e ação emocionante, com grafismo a subir a fasquia do que se deve esperar da consola onde foram lançados. Nesse aspeto, sem dúvida que Uncharted 4 cumpre todos os requisitos. Toda a gente esperava um jogo empolgante e visualmente deslumbrante, mas o que mais surpreendeu na verdade foi a sua história. Aliás, a maneira de contar a história.
Não querendo estragar nenhuma surpresa do jogo, é inevitável referir uma sequência do início onde Nathan Drake está em casa a viver “uma vida normal”. Um simples jantar, uma conversa no sofá, um olhar para uma fotografia. Um trabalho fantástico a nível de escrita, direção de atores e até na escolha dos planos de câmara. Não vimos comunicados oficiais a prometer que o jogo iria ser uma grande aproximação ao mundo do cinema e televisão, e ainda assim foi isso que tivemos.
Verdadeira televisão. Se Uncharted 4 fosse uma temporada de uma série do Netflix, eu iria ver em binge da mesma forma que os meus colegas de casa me acompanharam enquanto o joguei. Não ‘parece um filme’ só porque tem gráficos super realistas. Parece um filme porque tem a escrita de um filme.
Muito crédito desse sucesso vai para Neil Druckmann, cujo nome saltou para a ribalta após o lançamento de The Last of Us, um jogo com as mesmas qualidades de Uncharted 4, e que também podemos considerar como grande material de televisão. Não é à toa que se fala em adaptar estas duas histórias ao mundo do cinema, o material necessário está nos jogos. Mas quando os próprios jogos já nos transmitem toda a experiência de um grande filme ou uma grande série, precisamos mesmo de Hollywood?
A Quantic Dream, criadora do êxito Heavy Rain (2010), acredita que é possível fundir o mundo dos videojogos com o do cinema, através do género a que chamamos Drama Interativo. Heavy Rain, com o seu excelente grafismo e trabalho de captura de movimentos e expressões dos atores, contava uma história interessante e interativa, na qual podíamos mudar o rumo da história através das decisões feitas em nome dos personagens. O jogo que fizeram em seguida, Beyond: Two Souls, revelou-se uma desilusão pela fraca escrita e uma realização desinteressante, mostrando que não adianta ter atores de renome para se ter uma produção cinematográfica em videojogos. Melhor correu o trabalho da Supermassive Games com Until Dawn, cujo enredo se adaptava subtilmente às interações do jogador com os diferentes personagens, mas aqui podemos alegar que houve alguma “batota” ao prestar homenagem a filmes de terror para adolescentes, bem menos exigentes.
A Naughty Dog, por sua vez, já faz “cinema” sem proclamar uma aspiração a tal. The Last of Us foi uma revolução na forma de se contar histórias – construída em cima da experiência da série Uncharted, é certo, mas nem por isso menos impressionante. Uncharted 4 foi apenas a confirmação da mestria deste estúdio em criar uma experiência interativa, dramática e emocionante. Em ambos os jogos, a interação entre os personagens acontece a todo o momento, enquanto o jogador os conduz através de um caminho relativamente fixo. Se nos abstrairmos das sequências de tiroteios onde se pode “perder” o jogo e tentar novamente, então estamos de facto a olhar mais para uma experiência cinematográfica interativa do que para um videojogo tradicional.
O ponto forte da empresa hoje em dia é a sua capacidade de quebrar as barreiras que definem géneros e o que é suposto esperar-se de um videojogo. Fizeram-no melhor em títulos que apelam aos jogadores do que outras empresas que tentavam apelar aos cinéfilos, curiosamente recorrendo simplesmente a melhores argumentistas e uma direção artística muito forte. Agora imaginemos que a Naughty Dog podia fazer o jogo que quisesse, um Drama Interativo sem pretensões de ganhar um Óscar mas também sem ter de prender às convenções de um videojogo. Qual seria o resultado?
Depois de um grande êxito, é normal os fãs pedirem mais do mesmo. No entanto nesta altura não devíamos estar a pedir uma sequela, mas sim que eles façam o jogo que lhes apetecer.