Durante algum tempo a fama da Xiaomi veio do facto de ser apelidada de ‘a Apple da China’. O que pode ser visto como um elogio também tem a sua dose de crítica. Existiam muitas parecenças entre os dispositivos das marcas, os sistemas operativos e até a forma como as apresentações eram coreografadas deram que falar – o CEO da empresa chinesa tinha inclusive um modo de apresentação próximo ao do falecido Steve Jobs.
Em 2014 durante a apresentação da Mi Band, a pulseira inteligente da empresa, até chegou a ouvir-se a célebre frase “Só mais uma coisa…”.
Mas isso foi apenas o início. Há muito que a Xiaomi começou a descolar-se dessa imagem e começou a criar uma filosofia própria de marca. Abraçou uma maior abertura internacional, contratou pessoas importantes como o antigo líder do Android Hugo Barra e apostou numa linguagem própria para os seus equipamentos.
O resultado não podia ser melhor: a Xiaomi é uma das startups mais valiosas do mundo com uma avaliação estimada em 45 mil milhões de dólares.
Se muito deste sucesso vem obviamente da estratégia agressiva adotada no segmento dos dispositivos móveis – equipamentos com especificações topo de gama, mas muito mais baratos do que a concorrência direta -, o que nos chama mais a atenção na Xiaomi é a sua diversidade.
Em 2015 vendeu cerca de 70 milhões de smartphones. No primeiro trimestre deste ano vendeu cerca de 15 milhões.
No espaço de dois anos a tecnológica chinesa passou de uma quase simples marca de smartphones a sinónimo de uma grande variedade de equipamentos eletrónicos e não só. Isto parece encontrar justificação num argumento muito simples: mesmo que só tenha sucesso no mercado doméstico, a China, a Xiaomi conseguirá ser uma das maiores empresas do mundo. O país asiático é agora um dos maiores mercados de consumo e todas as marcas tentam lá estar – a Xiaomi tem a vantagem de ser da casa.
Conquistando o coração dos chineses através dos smartphones, o objetivo a longo prazo é que a Xiaomi venha a ser uma marca de confiança em muitos outros segmentos de eletrónica.
Mais uma inspiração ‘appleana‘
Ainda esta semana vimos um novo movimento por parte da Xiaomi. Anunciou o seu primeiro portátil de sempre, o Mi Notebook Air. Uma vez mais parece que a inspiração vem diretamente da Apple e do seu portátil Macbook. A simplicidade domina em toda a linha, assim como a aposta em cores que conferem um aspeto mais cuidado ao equipamento como o dourado e o prateado.
O Mi Notebook Air está disponível numa versão de 13,3 polegadas e noutra de 12,5 polegadas, variando as especificações de modelo para modelo. De acordo com o The Verge o portátil não foi fabricado pela Xiaomi, mas antes por um parceiro na China – ainda assim será a marca da tecnológica aquela sob a qual vão ser feitas as vendas.
O portátil maior tem processador Intel Core i5 e uma placa gráfica Nvidia GTX940MX vai custar cerca de 675 euros. A versão mais pequena, equipada com Core M3, vai custar o equivalente a 475 euros.
Sabe-se que vai ser lançado na China a 2 de agosto, não havendo qualquer indicação de que vá sequer chegar aos mercados ocidentais – reforçando assim a questão de que muito do que a Xiaomi faz, faz a pensar no seu mercado doméstico.
A questão que se coloca é se a Xiaomi está neste segmento para durar ou se é apenas mais uma prova de que consegue competir em qualquer segmento de hardware se assim o desejar.
Mi Ecossystem
Junho de 2016. A Xiaomi revela ao mundo uma bicicleta elétrica que ainda tem a vantagem de poder ser dobrada para ocupar menos espaço quando não está a ser usada. Chama-se Mi Qycycle, tem uma autonomia estimada de 45 Km/h, um motor de 250 watts e custa o equivalente a 405 euros.
A bicicleta tem ainda um módulo inteligente que permite-lhe ligar ao smartphone e conseguir informações importantes como a localização do utilizador ou o melhor caminho a seguir.
Apesar de agora ser conhecida como a bicicleta elétrica da Xiaomi, é a também empresa chinesa iRiding quem é responsável pelo seu fabrico. Este exemplo acaba por ser importante pois mostra uma postura dinâmica relativamente à Xiaomi.
Ao contrário de outras startups – quase já não é justo falar na Xiaomi como uma startup – a Xiaomi não se limita a receber investimento, também investe fora de portas. A iRiding é apenas um dos exemplos de outras jovens empresas chinesas que estão a receber algum apoio e financiamento da empresa responsável pela marca Mi.
Capa da revista Wired UK onde é clara a tentativa de afastamento da Xiaomi relativamente à Apple
Como tem dinheiro, a Xiaomi sabe que pode rentabilizar a sua marca através de uma vasta rede de parceiros. Quer ter uma maior presença na vida das pessoas, quer estar mais perto delas até quando não estão com o smartphone.
Aquilo que tem acontecido é a solidificação do ecossistema Mi, ou Mi Ecossystem na sua designação internacional. Um dos exemplos mais ‘extremos’ desta nova filosofia é a Mi Induction Heating Pressure Rice Cooker, ou seja, uma panela de pressão para fazer arroz. Claro que é uma panela elétrica, com componentes digitais e funcionalidades inteligentes, mas quantas marcas de smartphones está habituado a ver no negócio das panelas?
Os dois exemplos referidos colocam a Xiaomi também na área da mobilidade e das casas inteligentes. Podemos referir ainda o quadricóptero Mi Drone, o televisor Mi TV, o tablet Mi Pad, o purificar Mi Air Purifier, a pulseira Mi Band, a câmara de ação Mi Pro Action Camera, a balança Mi Scale, a bateria externa Mi Powerbank ou o descodificar para televisão Mi Box.
Muitas destas apostas acabam por levantar a mesma questão relacionada com os portáteis: estão neste mercado a longo prazo? Qual o seu grande objetivo? Haverá ambições para ser a maior tecnológica do mundo? As respostas a estas questões nunca foram dadas de forma direta pela Xiaomi, que consegue manter uma humildade asiática para abrir ainda mais o apetite aos consumidores ocidentais.
Qual o grande plano?
A Xiaomi podia perfeitamente preocupar-se com os clientes domésticos que teria bastante procura para as suas diferentes apostas. Mas a empresa chinesa tem ao mesmo tempo piscado o olho ao ocidente. É um pouco como quando estamos no quarto e vem-nos o cheiro do jantar da cozinha – por vezes não sabemos muito bem o que é, mas já sabemos que vamos querer comer.
Por esse motivo é que independentemente do novo gadget que a tecnológica chinesa lançar, rapidamente terá notícias nos mais consagrados sites de tecnologia do mundo pois lá no fundo todos sabem o que esta empresa pode representar.
Já é possível comprar com relativa facilidade os smartphones da Xiaomi, não sendo tão direto noutras categorias – como por exemplo, o seu televisor. Mas e se a Xiaomi um dia se lembrar de vir de malas e bagagens para o ocidente?
MI significa ‘mobile internet’ e a nível interno também tem a referência de ‘missão impossível’
Nessa altura já a marca será conhecida, já a marca terá a confiança dos consumidores e já todos saberão que esta é a marca que faz bons produtos e com um preço muito competitivo. Se a Xiaomi decidisse fazer uma grande expansão global então as marcas de diferentes categorias que têm quotas de mercado pouco expressivas podiam ser engolidas.
Parte da ideia de que a Xiaomi é apenas uma empresa de smartphones é um estereótipo, a própria tecnológica e os seus executivos definem-na como uma empresa de internet – ao bom estilo da Google, Facebook ou Microsoft.
“Pensem na Xiaomi como uma empresa que está a trazer inovação para todos. Colocamos um ênfase nos produtos de alta qualidade que ajuda a criar um estilo de vida conectado para todos à medida que avançamos para uma nova era de inovação tecnológica”, disse o seu diretor executivo, Lei Jun, numa entrevista à Wired publicada em abril.
Pelo perfil que tem apresentado nestes primeiros anos de vida a Xiaomi parece de facto ser uma empresa única – não foi a primeira a inspirar-se no conceito de smartphones da Apple, mas soube ir muito além disso. Lidou com as críticas de forma pública e continua a cair na tentação de imitar a marca da maçã em alguns segmentos. Mesmo trabalhando maioritariamente na China a Xiaomi é uma marca global. E quando chegar de facto ao resto do mundo não virá sozinha – trará consigo muitas outras startups chinesas que estão desejosas de irem além da grande muralha da China.
A grande questão é quando é que essa expansão vai acontecer – se é que vai acontecer – e se nessa altura não terão já aparecido equivalentes da Xiaomi noutros mercados emergentes como a Índia.