Enquanto uns ainda estão a tentar perceber o que são as moedas digitais e como funcionam, já há pessoas que estão num patamar de compreensão muito mais avançado e apenas desejam uma maior adoção das criptomoedas no mundo digital, sobretudo do lado dos comerciantes.
Não há muitos números concretos sobre a quantidade de utilizadores de criptomoedas, sobretudo devido ao seu formato descentralizado e anónimo. Um estudo recente publicado pelas empresas ARK Invest e Coinbase estimava que um total de dez milhões de utilizadores já têm em sua posse bitcoins, a mais popular das criptomoedas.
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Mas o Bitcoin é apenas uma de centenas de criptomoedas. Aquilo que se sabe é que este tem sido um mercado que tem atraído cada vez mais atenções, muito por causa das valorizações consideráveis que diferentes criptomoedas têm conhecido nos últimos meses. À hora de publicação deste artigo o mercado das principais criptomoedas valia 118 mil milhões de dólares, segundo informações do site CoinMarketCap.
Moedas há, moedas valiosas também, utilizadores também já são alguns, o que falta neste ecossistema? Falta equilibrar a balança do lado transacional, isto é, tornar as criptomoedas num bem utilitário que possa ser usado na maior parte das plataformas de comércio eletrónico.
Segundo o analista James Faucette, da Morgan Stanley, a aceitação do Bitcoin no retalho é “virtualmente zero”. De acordo com o que é citado no site Pitchbook, apenas três comerciantes online dos 500 maiores do ranking Internet Retailer estão a aceitar a divisa digital.
Para a empresa Utrust a adoção e a utilização das criptomoedas só não é maior porque não há ainda um bom nível de confiança por parte dos utilizadores. A ideia de que as divisas digitais só são usadas no submundo da internet e por criminosos há muito que ficou para trás. São sobretudo a volatilidade do valor e a própria falta de confiança em compras online através das divisas digitais os motivos que impedem uma adoção mais célere das criptomoedas.
É este o problema que a Utrust propõe-se a resolver – na prática a empresa quer funcionar como o PayPal das compras feitas com criptomoedas. A tecnológica vai ser um mediador para as compras online pagas com criptomoedas – se o consumidor for enganado pelo vendedor, então o dinheiro da compra é devolvido.
A Utrust tem ainda como elemento diferenciador permitir que o consumidor pague o produto em criptomoedas, mas esse mesmo pagamento é feito nas moedas tradicionais – euro, dólar, iene ou francos suíços, por exemplo – ao vendedor. Este é um aspeto que vai interessar sobretudo aos comerciantes que querem explorar este nicho de mercado, mas que não querem deixar por completo o conforto e a segurança que o dinheiro tradicional tem associados.
“O risco está todo do lado do cliente, a nível do pagamento com criptomoedas, o que é um risco enorme. Os compradores têm muita relutância em comprar online com criptomoeda, é um risco muito grande. (…) Por outro lado os comerciantes também têm relutância pois recebem em criptomoeda. Estão sujeitos à volatilidade do mercado, este mercado das criptomoedas pode crescer ou descer 20% ou 30% em poucos minutos. Os comerciantes não estão dispostos a assumir este risco. Este mecanismo de proteção do consumidor ainda não existe a nível de criptopagamentos”, disse o diretor de informação da Utrust, Filipe Castro, em entrevista ao FUTURE BEHIND.
“Aquilo que o utilizador faz é pegar no telemóvel, abrir a sua carteira [wallet], digitalizar o código QR [que vai surgir no ecrã do computador] e enviar o montante. Nós do nosso lado, quando recebemos o montante, validamos a compra, notificamos o comerciante e automaticamente convertemos a criptomoeda que recebemos em moeda tradicional. (…) Basicamente a conversão estará sempre à taxa atual de mercado, exatamente para que seja o mais fiável possível”, detalhou por sua vez o diretor tecnológico da Utrust, Artur Goulão.
“A ideia aqui é reduzir o risco para ambos, nós estamos a remover o medo das criptomoedas. O preço que o vendedor coloca em euros, recebe em euros”, acrescentou o CTO.
Mais do que uma plataforma de pagamentos
Para não ficar sujeito à volatilidade do mercado, o valor da compra é convertido na hora recorrendo aos dados de diferentes plataformas de exchange de criptomoedas. Por exemplo, um saco de maçãs vai sempre custar dois euros, o valor pago pelo cliente em criptomoedas é que pode variar.
Quanto à proteção do consumidor em caso de fraude, em teoria os valores máximos e mínimos não precisam de ser definidos porque o pagamento feito pelo cliente fica retido na Utrust até que todo o processo de compra esteja concluído. No entanto, haverá alguma definição de valores por causa das exigências do restante ecossistema.
“Penso que no futuro vai haver limitação de valores protegidos, tal como a PayPal tem limitação, por causa dos parceiros com os quais vamos trabalhar e com as limitações legais que eles têm. (…) Quando entra a parte de conversão, especialmente quando lidas com conversão para moeda tradicional e depois com regulamentos locais, dependendo dos regulamentos em vigor, aí sim teremos limites de proteção e teremos obviamente todas essas restrições”, explicou Filipe Castro.
A Utrust tem acima de tudo ADN português e os seus cofundadores também são todos portugueses – Nuno Correia, Filipe Castro, Artur Goulão e Roberto Machado. Apesar deste pendor lusitano, a empresa não pode ser considerada como portuguesa pois está sediada na Suíça. Isto justifica-se pelo facto de ser um dos países que apresenta melhores condições para startups que operam no mercado das criptomoedas.
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Através da Utrust os utilizadores vão poder fazer compras utilizando as suas criptomoedas de eleição, seja ela Bitcoin, Ethereum, Litecoin, Dash ou Monero, entre outras. Sempre que houver uma transação consumada a Utrust fica com 1% do valor da transação. Há casos onde o valor da taxa cobrada pela Utrust sobe para os 3%, mas é apenas em casos nos quais é necessária uma resolução de conflito que exige mediação humana entre o vendedor e o consumidor.
Há no entanto uma forma de evitar o pagamento da taxa de 1% requerido pela Utrust. Como? Usando a criptomoeda própria da plataforma. A Utrust, enquanto plataforma de pagamentos através de moedas digitais, usa o protocolo de desenvolvimento Ethereum ER20, uma tecnologia de blockchain.
Ao estar assente numa tecnologia de blockchain, isso permite que o projeto tenha tokens, ou dizendo de outra forma, tenha a sua própria divisa digital. A divisa tem o mesmo nome da plataforma – Utrust – e sempre que as compras forem realizadas com Utrust então não há cobrança da taxa.
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“O objetivo principal não é criar uma criptomoeda com uma característica extraordinária. Já vão existir muitas criptomoedas com várias forças que são capazes de emular vários tipos de instrumentos financeiros. (…) O nosso objetivo não é criar um token forte, o nosso objetivo é criar uma plataforma forte com um nível de adoção muito grande. O token é apenas um mecanismo de alavancagem”, salientou Filipe Castro.
Enquanto plataforma que pretende democratizar a utilização de criptomoedas no comércio eletrónico a Utrust não está sozinha. A BitPay, por exemplo, posiciona-se como uma ferramenta que permite a qualquer comerciante vender os seus produtos e receber o pagamento em Bitcoin – mas só aceita esta moeda. A empresa já trabalhou com nomes grandes da indústria tecnológica como a Microsoft, Virgin Galactic, Steam e Zynga, e até tem um cartão físico que permite pagar em bitcoins em todos os terminais de pagamento compatíveis com o sistema Visa.
Outra empresa que também está a movimentar-se nesta área é a Monetha. A abordagem é diferente, pois foca-se em criar um sistema de confiança e reputação que tem por base a tecnologia de contratos inteligentes do Ethereum. Na prática todo o histórico da transação está disponível na rede de blockchain da Monetha, pelo que em caso de conflito há provas imutáveis sobre o que aconteceu. Além disso a empresa promete transações rápidas – a rondar os dois minutos – e taxas de transação que rondam os 1,5%.
Uma nova forma de financiamento
A ideia de usar o token Utrust como meio de alavancagem é ainda mais evidente, pois além de funcionar como uma moeda digital independente, os tokens da Utrust também vão ser usados para financiar o arranque do projeto. A Utrust vai realizar uma Initial Coin Offering (ICO), uma operação de financiamento que recorre à emissão de criptomoeda para angariar fundos.
Os ICO funcionam um pouco como as campanhas de crowdfunding – os ‘apoiantes’ do projeto usam criptomoedas para investir em novas criptomoedas e em troca recebem um número correspondente de tokens. No caso da Utrust, a empresa já realizou um pré-ICO e cada token foi comprado em Bitcoin ou Ethereum por três cêntimos de dólar – o que rendeu um total de 1,5 milhões de dólares em financiamento à empresa.
Já durante todo o processo de Initial Coin Offering a Utrust poderá encaixar 49 milhões de dólares. Este é um limite um pouco mais baixo do que inicialmente previsto – 50 milhões – e foi definido após uma reestruturação do ICO por parte da empresa. A primeira ideia passava por realizar o ICO em múltiplas etapas ao longo do mês de setembro, mas esta ideia já não vai ser concretizada.
A Utrust decidiu adiar por tempo indeterminado o ICO. Hoje, 15 de setembro, numa transmissão em direto no YouTube, o diretor executivo da empresa, Nuno Correia, explicou porquê.
“Houve vários factores para adiar o ICO. Isto foi algo feito ao olhar para a comunidade e pensar ‘devemos fazer algo melhor‘. O mercado agora não está favorável, número um. Se os participantes utilizassem Ethereum ou Bitcoin, eles teriam menos tokens por Ethereum e Bitcoin porque o mercado está em queda – é um facto, toda a gente sabe. Penso que a estrutura das rondas não era boa. Temos mais de 20 mil participantes registados no nosso site, o que significa que os grandes investidores vão atacar as primeiras rondas de forma fácil, vão vender em minutos”.
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A Utrust tenciona agora fazer o seu ICO numa única ronda, pois diz preferir ter mais participantes do que pouco participantes com uma grande alocação.
“Inicialmente nós procurámos venture capital, mas posso dizer que apesar de ser considerado um projeto muito interessante, a percentagem que eles queriam para financiar [a Utrust] era enorme. Dado que temos aqui uma boa oportunidade a nível de ICO para fazer a alavancagem deste projeto, pensámos ‘porque não?’”, contou Filipe Castro durante a entrevista com o FUTURE BEHIND.
Este dinheiro será utilizado para o desenvolvimento rápido do projeto: o serviço da Utrust vai entrar em fase de testes em 2018, segundo as estimativas dos seus executivos. “Um dos nossos grandes objetivos é sermos rápidos, muito rápidos quer na implementação, quer no desenvolvimento, desde o ICO até à plataforma em si”, salientou Artur Goulão.
Há um aspeto ao qual a equipa da Utrust tem prestado especial atenção durante o desenvolvimento. “A segurança destes sistemas tem de estar ao nível mais elevado que existe, porque está a lidar com dinheiro, está a lidar com dinheiro das outras pessoas e depois acaba por ser um problema de reputação. Qualquer falha ao início pode ser a morte do artista”, considerou Artur Goulão.
O próprio processo de ICO está a ser gerido com especial cuidado – há exemplos de outras empresas que foram vítimas de ataques informáticos durante este processo. “Estamos a recorrer a vários mecanismos, inclusive de verificação manual, exatamente para garantir que não acontece como uma ICO que foi pirateada e mudaram o endereço do depósito. Não, essas coisas não podem acontecer”, exemplificou.
Ainda na área de segurança, mas mais numa perspetiva de assegurar retorno aos investidores iniciais, o programa de tokens da Utrust foi concebido com uma componente de valorização indexada à utilização da plataforma. Na prática, isto significa que cada vez que é feito um pagamento na plataforma, uma parte da taxa de transação é convertida para Utrust tokens e é ‘queimada’.
O que acontece é que a Utrust enquanto empresa faz uma recompra de tokens, retirando-os de circulação. O objetivo é que o número total de tokens disponíveis diminua, fazendo com que o preço dos tokens suba consoante o número de transações da plataforma. O plano de desenvolvimento e todos os detalhes da plataforma podem ser consultados no white paper que explica em pormenor o projeto e os seus fundamentos tecnológicos.
Atualmente com 20 elementos, a Utrust nasceu depois de Filipe e Nuno se terem conhecido num evento dedicado às tecnologias de blockchain. “Começamos a trocar ideias e o Nuno esteve a falar sobre um problema que tinha – já havia plataformas de criptopagamentos, mas elas não tinham valor porque não davam proteção ao consumidor”, relembra Filipe Castro.
“Ele acreditava que essa era uma das coisas que estava a bloquear a adoção das criptomoedas como meio de pagamento”, acrescentou.
Uma troca de ideias que rapidamente se transformou na conceptualização do projeto e aos poucos a equipa foi crescendo. “Na altura foi um pouco difícil, obviamente, convencer pessoas a trabalharem contigo numa coisa que ainda não é muito conhecida é difícil, mas felizmente encontrámos bons parceiros e pessoas muito motivadas que acreditam muito que isto vai não só ser o futuro, mas vai ser um futuro rentável a nível de plataforma”.