Muito tem sido falado e feito sobre criptomoedas em Portugal: sabemos que legislação para esta área só daqui a um ou dois anos; temos projetos portugueses, como o AppCoins e o Utrust, que já estão a explorar as potencialidades e riscos deste segmento; tivemos um evento com centenas de participantes cuja realização centrou-se no conceito de economia movida por tokens; e até existe em Lisboa um criptocafé onde os entusiastas do tema vão sentir-se em casa.
O que é que não sabemos? Qual é o perfil do utilizador português de criptomoedas e tokens. Devido ao carácter descentralizado e anónimo das moedas digitais torna-se difícil apurar números de utilizadores com exatidão, mas pelo menos é possível apurar as características de quem é utilizador de criptomoedas.
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Foi isso que tentámos fazer: criámos um questionário, lançámos o repto e 128 pessoas responderam. É uma amostra representativa do universo total de utilizadores portugueses de criptomoedas? Ninguém consegue dizer, mas o objetivo também não passava por criar resultados que pudessem ser incluídos num estudo científico.
O objetivo passava por conseguir criar um primeiro perfil do utilizador português de criptomoedas e tokens, e que permita daqui para a frente perceber um pouco melhor quem são as pessoas que tanto falam em Bitcoin, Ethereum, Ripple e Dash, entre outros.
O facto de 21% dos respondentes serem donos de onze ou mais moedas digitais aparece como o grande destaque do questionário: mostra que uma fatia significativa dos utilizadores tem um portfólio muito diversificado de tokens e mostra, de certa forma, um perfil de utilizador avançado. Há outras conclusões de relevo, como o facto de o Ethereum ser a moeda digital mais popular entre os portugueses e de 10% dos inquiridos terem um património superior a 50.000 euros.
Na infografia abaixo resumimos aquelas que são as principais considerações sobre o utilizador português de criptomoedas e tokens. Os resultados na íntegra podem ser consultados neste link.
O perfil demográfico
Os resultados não deixam margem para dúvidas: o universo das criptomoedas em Portugal é dominado pelos homens: 93,8% dos utilizadores são do sexo masculino e 6,2% são do sexo feminino. Apesar de haver uma predominância dos jovens adultos entre os utilizadores de moedas digitais – 47,7% têm entre 25 e 34 anos, 25,8% têm entre 18 e 24 anos -, também é justo dizer que há utilizadores de todas as idades: 4,7% têm menos de 18 anos e 2,3 têm mais de 65 anos.
Ficámos também a saber que as grandes cidades são as localizações que concentram o maior número de utilizadores de criptomoedas. Lisboa contribui com 29,7%, Porto com 18,8% e Braga com 7%. Na quarta posição, com 6,2%, estão os utilizadores portugueses de criptomoedas, mas que estão atualmente a viver no estrangeiro. Destaque ainda para o facto de vários distritos do interior – Beja, Guarda, Portalegre e Évora – não terem registado neste inquérito qualquer utilizador de divisas digitais.
O facto da maior parte dos utilizadores ser jovem ajuda a justificar o facto de 74,2% dos inquiridos ter-se identificado como solteiro, contra 22,7% de inquiridos casados. Numa outra perspetiva, o lado de investimento associado às criptomoedas e aos tokens também parece indicar que quem tem, em teoria, maiores responsabilidades financeiras – seja com um parceiro, seja com uma família -, está menos propenso a ser utilizador de criptomoedas: Portugal é dos países europeus com maior rácio de divórcios e mesmo assim só 3,1% dos utilizadores de criptos definiu o estado civil como separado.
Também parece haver uma associação entre o nível de escolaridade das pessoas e a sua predisposição a entrar no mundo das criptomoedas: 63,3% dos inquiridos têm o ensino universitário, 34,4% têm o ensino secundário e só 2,3% têm o ensino primário. Aqui é possível assumir que o maior nível de formação das pessoas deixa-as mais confortáveis com os potenciais e os riscos das criptomoedas.
O perfil de portfólio
Não guardar os ovos todos no mesmo cesto. Este é um adágio antigo no mundo do investimento e parece estender-se ao segmento das criptomoedas: 21,1% dos portugueses têm onze ou mais moedas digitais, tendo sido esta a resposta mais popular.
Ainda assim regista-se alguma disparidade: 14,8% dos inquiridos têm apenas uma criptomoeda, o que parece mostrar aqui uma fatia de utilizadores que está numa fase de iniciação. Ainda assim a maior parte dos utilizadores – ~54% – tem cinco ou menos criptomoedas, o que revela algum equilíbrio entre quem tem um portfólio mais concentrado e quem prefere ter um portfólio diversificado.
Apesar de todo o buzz que existe em torno do Bitcoin e de ter sido esta a moeda a iniciar a contenda das criptomoedas, em Portugal o Ethereum é a moeda digital mais popular: reuniu 74,2% das respostas contra 63,3% do Bitcoin e 41,4% do Ripple.
LiteCoin, Cardano e Stellar ocupam as posições seguintes, havendo ainda lugar para uma menção honrosa para a criptomoeda AppCoins, da empresa portuguesa Aptoide: ocupa o nono lugar e é detida por 19,5% dos inquiridos.
O questionário permitiu ainda concluir que os portugueses detêm moedas que vão muito além das mais valiosas segundo o índice do CoinMarketCap – 21,1% disseram ter tokens que não constam tradicionalmente no top dos 20 mais valiosos, como ARK, Siacoin, Cryptoescudo, DogeCoin, Bankera, Reddcoin ou Pacoins, entre outros.
Os resultados do inquérito acabaram por confirmar aquilo que muitos já suspeitavam: o grande boom do interesse nas criptomoedas e tokens só aconteceu no ano passado. Segundo os respondentes, 60,9% tiveram a sua primeira moeda digital em 2017 e 14,8% já em 2018. Apenas 1,6% têm criptomoedas desde 2009 – obrigatoriamente o Bitcoin – e apenas 3,4% juntaram-se a este universo em 2013, altura em que houve o primeiro grande boom mediático.
Descobrimos ainda que 35,2% dos utilizadores de criptomoedas já fizeram mineração, que 33,6% já participaram num Initial Coin Offering e que apenas 16,4% compraram um bem ou serviço nos últimos seis meses cujo pagamento tenha sido feito em criptos ou tokens. Ou seja, a esmagadora maioria dos utilizadores não usa as suas moedas digitais como moedas, o que nos leva a outra das principais conclusões do inquérito.
O perfil financeiro
Devido à facilidade no processo de compra e venda de criptomoedas e devido às grandes valorizações registadas durante o ano de 2017, criou-se a ideia de que criptomoedas e tokens são sinónimos de fortuna instantânea. Através das respostas do questionário aprendemos que por um lado sim, é a possibilidade de fazer dinheiro que mais atrai os utilizadores, mas que por outro não, as fortunas ainda estão longe de ser uma realidade.
Quando perguntámos qual a principal razão que levou os utilizadores a tornarem-se detentores de criptomoedas e tokens, a resposta foi clara: 64,1% dizem que foi pelo retorno do investimento. A uma larga distância aparece, com 13,3%, a descentralização e na terceira posição, com 5,5% das respostas, a privacidade. Aprendemos ainda que só 3,1% dos utilizadores estão principalmente interessados na tecnologia de blockchain.
Por outro lado, na resposta de campo aberto que deixámos naquela questão, houve mais motivos apontados pelos utilizadores: curiosidade foi um dos mais populares, facilidade de enviar dinheiro para outro continente e “todas as razões acima”, foram outras das respostas apontadas.
Sabendo que os portugueses querem as criptomoedas para investir, qual será o património dedicado a estes investimentos? Para 32% dos respondentes, o seu património de criptomoedas é inferior a 250 euros, 10,9% dizem ter mais de 50 mil euros, 10,2% têm entre 500 e 999 euros e 9,4% têm entre 1.500 e 4.999 euros [pelo menos tinham no momento em que responderam ao questionário].
Estas quatro percentagens, as mais altas para a pergunta relacionada com o património, mostra mais uma vez uma grande disparidade no perfil de utilizadores. Os números, conjugados com outros que já aqui vimos, parecem indicar que alguns portugueses têm feito investimentos de pouco relevo financeiro e num grupo pequeno de criptomoedas. Há no entanto uma franja de utilizadores mais avançados que além de um portfólio mais variado, já têm um volume de dinheiro considerável investido em criptos.
O perfil técnico
Já conhecemos o perfil demográfico, o perfil de portfólio e o perfil financeiro, três dos aspetos mais relevantes nesta tentativa de conhecer o perfil geral do utilizador português de criptomoedas e tokens. Mas também quisemos ir um pouco ao lado mais técnico e perceber de que forma é feita a gestão destes ativos digitais.
Para começar ficámos a saber que as carteiras [wallets] web, acessíveis através de um browser de internet, são as mais populares – são usadas por 58,8% dos inquiridos. Mais interessante foi descobrir que 23,5% das pessoas usam carteiras de hardware para guardar as suas moedas digitais e 19,3% usam mesmo carteiras em papel.
Esta é um dos lados mais curiosos das criptomoedas: apesar de serem exemplos claros de inovação tecnológica e financeira, tanto podem ser guardadas em dispositivos próprios com altos níveis de segurança, como podem ser armazenados num endereço escrito numa folha de papel.
Perguntámos também pelas plataformas de compra e venda, conhecidas como exchanges, e houve um claro destaque: o Binance é utilizado por 71,7% dos inquiridos, algo que pode ser justificado com o grande número de criptomoedas e tokens suportados por este exchange. GDAX, Kraken e Bitstamp ocupam os três lugares seguintes, por esta ordem, com um terço dos utilizadores a dizer que já utilizou outras plataformas de exchange além daquelas que foram listadas: Coinbase, EtherDelta, Uphold, Poloniex, KuCoin e até Mt. Gox foram alguns dos nomes avançados no campo de resposta aberta.
Neste misto entre plataformas de exchange e carteiras, o questionário revelou ainda que 49,2% dos utilizadores verificam várias vezes ao dia o valor das suas moedas digitais e que apenas 8,6% dos utilizadores conferem este valor uma única vez por semana.
Sobretudo a percentagem de utilizadores que confirmam o valor das criptos várias vezes ao dia não chega com total surpresa, devido aos períodos de grande volatilidade que o mercado de criptomoedas e tokens atravessa com frequência. Aliás, esta é justamente uma das principais preocupações de quem tem património em moedas digitais.
O perfil pessoal
Um quarto dos inquiridos considera que a volatilidade do preço é um dos cenários hipotéticos que lhes provoca maior receio: uma resposta pouco surpreendente sabendo que há patrimónios superiores a 50 mil euros e que a maior parte dos utilizadores está nesta área pelo potencial de investimento.
Apesar de termos colocado a hipótese da volatilidade, a verdade é que esta acabou por não se distanciar assim tanto de outras situações potencialmente negativas. Ataque informático ao exchange foi a principal razão apontada por 16,4% dos inquiridos e criação de leis muito restritivas foi a opção escolhida por 15,6%, em igualdade percentual com o roubo da carteira [wallet].
Interessante é que mesmo com níveis de resposta inferiores, há quem esteja preocupado com a falta de adoção das criptos por parte dos comerciantes, quem tenha receio de questões relacionadas com a fiscalidade e também houve quem indicasse o impacto ambiental com o maior receio.
Apesar destes ‘medos’ que existem relacionados com as criptomoedas e tokens, parece haver uma grande certeza resultante deste inquérito: 96,1% dos utilizadores acreditam que as criptomoedas e os tokens vão ser muito importantes no sistema financeiro mundial no futuro – mesmo tendo em conta que 37,5% dos inquiridos também acreditam que as criptos são uma bolha especulativa.
A verdade é que ambos não se anulam: as criptomoedas podem de facto vir a ter um grande impacto no sistema financeiro à escala global, mas também podem atravessar – como já tem acontecido – fases de forte especulação.
A pergunta final do questionário foi “De zero a dez, como classifica aquela que tem sido até ao momento a sua experiência com criptomoedas/tokens?”: 62,4% dos inquiridos deram classificações entre os 8 e os 10 valores, indicando um bom nível de satisfação para a maior parte dos utilizadores. Ainda assim também é necessário salientar que há quem esteja descontente com a sua experiência no mundo das criptos: 3,9% classificam a sua experiência entre 1 e 3 valores, muito próximo do péssimo.