Era uma vez um intrapreuner apaixonado pela disrupção

Créditos: Future Behind

Quando foi trabalhar para a Deloitte como Gestor de Inovação tinha o sonho de não usar fato e gravata. E conseguiu concretizá-lo. Hoje orgulha-se de “andar de jeans e All Star”, da criação da unidade de inovação Deloitte Centre for Disruption (C4D) e do lançamento do acelerador de startups Deloitte Digital Disruptors (DDD), que pretende dar um banho de inovação à indústria dos seguros.

Trabalha com uma equipa eclética composta por designers, ilustradores, um ex-marine [divisão das Forças Armadas dos EUA], jovens doutorados – cuja grande ambição era conseguir fazer a transferência de tecnologia e adaptar as suas ideias em áreas como a inteligência artificial, realidade virtual ou Internet das Coisas –, bem como outros jovens que não acabaram o curso, mas que têm um interesse particular nestas áreas.

Estivemos à conversa com André Fonseca Ferreira, à margem da Young Talent Conference. Além de diretor do C4D, este intrapreuner assume as rédeas do DDD, sendo também um dos fundadores da aceleradora de startups Beta-i.

 

FUTURE  BEHIND – Em termos práticos, como é que a Deloitte tem levado a inovação ao moinho das seguradoras?

ANDRÉ FONSECA FERREIRA – Neste momento, estamos a fazer projetos em todo o mundo que estão a ajudar as seguradoras a mudar o seu modelo de negócio. A Petable, por exemplo, é uma startup portuguesa que liga veterinários aos donos de cães. O que é que isso tem a ver com seguros? A verdade é que um dos grandes negócios no Reino Unido e no Canadá são os seguros para animais de estimação ou cavalos de corrida. Basicamente, a Petable é uma espécie de Fitbit do Apple Watch que monitoriza a atividade do animal e que automaticamente liga ao veterinário. A indústria dos seguros está a evoluir para a gestão ativa dos riscos, ou seja, não se trata só de segurar o animal mas também gerir o risco de este ter algum problema e, por isso, a Petable encaixa que nem uma luva. Tanto no Reino Unido como no Canadá, este projeto é vendido a clientes para que sirva de plataforma de serviço de uma seguradora para esta área.

FUTURE  BEHIND – Como é que têm abordado a sinistralidade automóvel, por exemplo?

ANDRÉ FONSECA FERREIRA – A DreamQuark é um exemplo giro. Este acelerador de partículas criou um algoritmo de inteligência artificial que permite prever ataques epiléticos, o que é algo clinicamente impossível de prever. Para isso fez milhares de ressonâncias aos cérebro de pessoas, adaptando o algoritmo, e, entre outros fatores, consoante a temperatura – mais calor ou menos calor – indica a previsibilidade de acontecer um sinistro. Durante cerca de um mês, estivemos a testar se o mesmo algoritmo era adaptável à sinistralidade automóvel: imaginemos um retrovisor que olha para a nossa cara e que vê se estamos cansados, por exemplo, e indica quais são as probabilidades de virmos a ter um acidente. Vendemos o protótipo e piloto desta startup a um cliente inglês.

FUTURE  BEHIND – Além destas, que outras iniciativas destacarias?

ANDRÉ FONSECA FERREIRA – O Call Intelligence Agent (CIA), que, neste caso, foi desenvolvido por uma equipa nossa – e não por uma startup -, baseado também num algoritmo de inteligência artificial e que deteta emoções através da frequência da voz. Uma vez aplicado a um call center de uma seguradora, permite receber chamadas e perceber em tempo real se a pessoa está a mentir ou se está nervosa ou não. Estes padrões de emoções induzem comportamentos e, portanto, é possível adaptar o guião: “deixa-me investigar porque se calhar não me estão a dizer a verdade” ou, no caso de uma venda, perceber se se está a perder o cliente com determinado discurso e, por isso, mudá-lo.

Destacaria ainda o Data Analytics Lab Immersion (DALI), com o qual se consegue trabalhar os dados dos diretores financeiros (CFO) através de Oculus Rift de realidade virtual: os CFO entram num mundo onde conseguem manipular os dados e fazer análises preditivas daquilo que pode ser, por exemplo, um crescimento de rendimentos.



FUTURE  BEHIND – Quais as maiores vantagens de levar a cabo projetos deste tipo dentro de uma organização – o chamado intraempreendedorismo – em detrimento de um negócio a solo?

ANDRÉ FONSECA FERREIRA – Numa organização como a Deloitte, tem três grandes vantagens. Primeiro porque esta é uma empresa global que tem conhecimento sobre todas as indústrias e setores e sobre a maioria dos top 500 clientes em todo o mundo, dando acesso à massa crítica para se poder inovar. Depois, é uma marca credível – facilmente uma pessoa bate à porta da Deloitte a dizer que tem uma ideia – e, por último, precisam urgentemente de conseguir ajudar os clientes a inovar e não têm as ferramentas. Se alguém empreender dentro de uma organização destas só encontra facilidades.

FUTURE  BEHIND – O que é que viajar por três continentes de mochila às costas faz pelo intrapreuner que és hoje?

ANDRÉ FONSECA FERREIRA – Ajuda muito. A minha história começa por ser triste: a minha mãe faleceu há cerca de 11 anos e decidi fazer o luto com algo que ela sempre sonhou fazer que era dar uma volta ao mundo. Estive 14 meses à volta do mundo de mochila às costas e completamente sem rede, o que me obrigou a conhecer pessoas, a ganhar dinheiro. Uma perda fez-me ir procurar algo novo e, para além da riqueza toda da viagem e a diversão, obrigou-me a safar-me em certas situações e hoje no mundo do empreendedorismo isso é crítico. Às vezes não precisamos de ter os instrumentos todos, mas sim ter a coragem, a resiliência e a capacidade de encontrar as pessoas. Outra coisa que percebi é que a honestidade compensa sempre: quando estás fora e precisas de ajuda, se fores sincero toda a gente colabora, se começares com esquemas ninguém te ajuda.

FUTURE  BEHIND – O que é que te move?

ANDRÉ FONSECA FERREIRA – Sou completamente apaixonado pelos temas da disrupção, com tudo o que tenha a ver com mudar o status quo, mudar as regras e tudo o que tem a ver com criar valor quando ninguém acredita que se o vá fazer. Isto é válido para a minha vida e para a minha profissão, eu gosto sempre de procurar coisas novas.

FUTURE  BEHIND – Que conselhos darias a um empreendedor ou aspirante a tal?

ANDRÉ FONSECA FERREIRA – Nunca desistam, no momento em que percebam que não está a dar, encontrem rapidamente outra paixão e continuem, mantenham sempre o fogo e, sobretudo, escolham exatamente o que gostam de fazer. É um bocado como o chavão “se trabalhares no que gostas nunca trabalharás um dia na tua vida”. Quem quer empreender e não estar ao reboque de uma organização tem de saber claramente o que é que gosta de fazer, como é que gosta de fazer e se tem condições ou não para se lançar. Na minha opinião, condições há sempre: há sempre uma lista telefónica que tem dez contactos de pessoas que conhecem outras dez e mais dez e todos os instrumentos necessários estão lá. Depois, estudem as matérias. Não precisam de tirar um curso, no C4D temos pessoas que não acabaram o curso e agora estão numa Deloitte e são tão apaixonados por fazer coisas diferentes como os que têm doutoramentos – dão-se todos bem.



Patrícia Silva: Jornalista há quatro anos, desenvolvi um carinho especial pelas novas tecnologias depois de trabalhar numa publicação ligada às cidades inteligentes. Tenho particular curiosidade pelo mundo mobile e Internet of Things, mas todo o universo tecnológico tornou-se atraente.
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