É considerado por muitos como o ‘patinho feio’ do blockchain e das criptomoedas – em bom rigor, o Ripple é exatamente o oposto daquilo que o Bitcoin promete enquanto ideologia. O blockchain do Bitcoin foi desenvolvido para permitir a criação de um sistema transacional descentralizado, que pudesse ser publicamente escrutinado e que estivesse acessível a qualquer pessoa.
O Ripple funciona exatamente numa lógica contrária: é um projeto centralizado, a tecnologia de blockchain é privada e por este motivo funciona numa lógica de permissão, isto é, só quem tem autorização pode fazer a integração da tecnologia.
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O Bitcoin, que surgiu no seguimento da crise financeira de 2008, também foi criado para retirar o poder aos intermediários do sector financeiro, como os bancos. Já o Ripple nasceu justamente para fortalecer o papel dos bancos e de outras entidades no sistema financeiro mundial. Não é por isso de estranhar que o Ripple não seja recomendado pelos defensores mais puristas da ideia que está por trás da criação do blockchain.
E no entanto o Ripple teve um ano de 2017 estelar – o valor do ativo digital associado a este projeto, conhecido como XRP, aumentou 20.800% nos últimos doze meses. O Ripple começou o ano a valer sensivelmente 0,0064 dólares e atualmente vale 1,34 dólares. Significa que se tivesse investido dez dólares em XRP no início do ano, agora teria perto de 2.000 dólares.
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O mês de dezembro tem sido especialmente positivo para o Ripple e é este crescimento que agora nos faz olhar com maior atenção para este projeto. O valor do XRP rondou sempre a casa dos 20 cêntimos de dólar ao longo do ano e só na reta final de 2017 é que escalou de forma considerável, ultrapassando o valor de um dólar por unidade.
Afinal o que é o Ripple e como funciona? Por que razão mesmo sendo considerado em teoria como o anti-bitcoin, consegue à data de publicação deste artigo ser a terceira criptomoeda mais valiosa do mercado, apresentando um valor global de 51 mil milhões de dólares? Quais são os pontos fortes e os pontos fracos do Ripple? Quem está por trás deste projeto?
Os básicos da tecnologia
O primeiro conceito associado ao Ripple surgiu em 2004, segundo um artigo da Bitcoin Magazine escrito por Vitalik Buterin, na altura colaborador da publicação e agora fundador do Ethereum. Mas só em 2012 é que a plataforma foi desenvolvida e com um objetivo concreto: permitir transações bancárias internacionais muito rápidas. Quão rápidas? Através da rede Ripple é possível enviar dinheiro dos EUA para o Japão em apenas 3,4 segundos, ao passo que uma transferência bancária com os mesmos contornos pode demorar entre dois a cinco dias.
Não é por isso de estranhar que rapidamente o Ripple tenha ganhado o interesse dos bancos: não só ajuda a resolver um problema com muitos anos, como ajuda as entidades bancárias a manterem-se competitivas perante o surgimento de novas tecnologias como o Bitcoin ou o Dash, criptomoedas focadas em transações de dinheiro.
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Enquanto tecnologia, o Ripple está dividido em dois elementos: um deles chama-se RippleNet, o sistema que permite criar uma rede comum de pagamentos internacionais independentemente do país de origem e da moeda fiduciária aí usada; o outro chama-se XRP e é a criptomoeda que está associada a esta tecnologia, sendo que o XRP é o elemento intermediário usado para fazer as transações na RippleNet.
Um exemplo: o Carlos está em Portugal e quer enviar dez euros à Joana que está no Japão. Se ambos os seus bancos suportarem a tecnologia RippleNet, então os dez euros do Carlos serão convertidos em XRP, XRP esses que em termos tecnológicos conseguem processar a transação em 3,4 segundos e XRP esses que depois vão ser convertidos para o equivalente a dez euros em ienes. Ou seja, o XRP funciona como o standard que reúne consenso para funcionar como moeda digital intermediária entre duas moedas fiduciárias.
Todas as transações efetuadas são registadas na XRP Ledger, uma base de dados distribuída, mas que ao contrário de outras bases de dados distribuídas só está acessível para quem faz parte do ecossistema Ripple.
Além da questão da velocidade, o Ripple conseguiu atrair vários interessados por mais dois motivos: reduz significativamente os custos associados a cada transação e é uma tecnologia escalável, podendo aguentar até 1.500 transações por segundo. Em comparação, o Bitcoin só consegue lidar com sete transações por segundo.
Se de um ponto de vista prático o Ripple apresenta de facto argumentos mais fortes do que outras criptomoedas, é o centralismo do projeto que mais preocupa os utilizadores deste ativo digital. Quando o projeto Ripple foi criado, foram imediatamente emitidos 100 mil milhões de XRP, ativos digitais que num primeiro momento foram geridos pela empresa que está por trás deste projeto, a Ripple [anteriormente chamada de OpenCoin e de Ripple Labs].
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Os Ripple começaram depois a ser distribuídos por alguns parceiros – bancos e outras entidades – para fomentar a utilização da plataforma e da criptomoeda associada. O ‘problema’ esteve durante muito tempo no facto de mais de 50% das moedas criadas serem controladas ainda pela Ripple. Esta centralização permitiria à Ripple, a qualquer momento, inundar o mercado com XRP para manipular o valor do ativo digital. Apesar de se ter comprometido a não fazê-lo e de nunca o ter feito, a verdade é que durante cinco anos esta foi sempre uma possibilidade que pairou no ar.
Foi então que os gestores do projeto Ripple decidiram utilizar uma outra característica interessante da sua tecnologia: chama-se Escrow [garantia, em tradução livre] e funciona como um contrato inteligente que só é executado se determinadas condições forem garantidas e verificadas. Para ter uma melhor ideia, os Escrow funcionam como cofres.
Em maio de 2017 foi prometido que 55 mil milhões de XRP seriam colocados em Escrows, algo que foi concretizado já durante o mês de dezembro. Segundo a publicação oficial do Ripple, daqui em diante serão libertados todos os meses mil milhões de XRP de forma automática, sendo que as unidades que não forem usadas voltam para um cofre digital que só volta a abrir passadas 55 semanas.
O Ripple enquanto tecnologia tem ainda outra característica de destaque: por cada transação feita, o número de XRP em circulação diminui. É o chamado burn de tokens, isto é, tokens que são eliminados de circulação. Estima-se que atualmente a cada segundo sejam ‘queimados’ três ripple. A eliminação de tokens funciona como uma taxa, que não vai para qualquer entidade, mas que serve para criar um efeito deflacionário na moeda e ajudar o projeto a ser menos instável do que outras criptomoedas.
O grande número de tokens que existem e que ainda não estão em circulação também acabam por funcionar como um elemento que afasta especuladores. Devido ao seu perfil centralizado, baseado num consenso entre entidades e não num consenso de mineração, é possível atuar sobre tentativas de manipulação de valor. São estes pequenos pormenores que fazem com que alguns se interessem pelo Ripple – bancos – e outros o abominem por completo – puristas do Bitcoin.
Atualmente o token XRP é transacionado em mais de 50 plataformas de exchange de criptomoedas e tokens, segundo informação oficial da empresa.
Ao serviço dos bancos
Atualmente o Ripple já está a ser integrado por mais de cem bancos e outras entidades financeiras um pouco por todo o mundo. O aumento no número de organizações que apoiam o Ripple também ajuda a explicar a ascenção que o projeto tem tido em termos de opinião pública e em termos de valor enquanto ativo digital.
Bank of Tokyo-Mitsubishi, Bank of America, Royal Bank of Canada, Santander, Standard Chartered Bank e Westpac são nomes grandes da banca que fazem parte do conselho de administração da Ripple e que trazem credibilidade à plataforma tecnológica da empresa. UniCredit, UBS e BBVA são outros nomes conhecidos e que já estão a trabalhar com a tecnologia de blockchain da Ripple.
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No início do texto referimos vários motivos que são atrativos para os bancos na tecnologia do Ripple, mas o grande motivo está na questão da liquidez: os bancos precisam e vivem de liquidez. Quanto mais tempo demorar uma transferência, menor é a liquidez dos bancos.
Olhando para as criptomoedas que estão a ser criadas, o Ripple é aquela que garante uma maior liquidez aos bancos, justamente por responder à questão da velocidade das transações, por conseguir responder a um grande volume de transações e também por ter um baixo custo transacional.
Além dos bancos e das entidades financeiras per si, o Ripple conta com nomes importantes entre os seus investidores: Accenture, Andreessen Horowitz, Google Ventures, Digital Ventures e Seagate, entre outros.
Amigo do ambiente
Até na questão energética o Ripple é em tudo diferente do Bitcoin. Recentemente escrevemos que um dos grandes pontos de pressão do Bitcoin está relacionado com o elevado consumo energético da tecnologia, algo que resulta da mineração de bitcoins, o que por sua vez é o resultado da validação de transações da rede. Ou seja, para o Bitcoin funcionar o consumo energético será sempre considerável.
Mas se ainda estiver recordado, todas as unidades do Ripple já foram produzidas. Isto significa que o Ripple não pode ser minerado, não há uma necessidade de proof of work. Ao não ser necessária a mineração da criptomoeda, os gastos energéticos são semelhantes aos de outros sistemas de transferências bancárias e muito inferiores aos do Bitcoin ou do Ethereum, por exemplo.
À medida que a popularidade do Bitcoin aumenta, mais as suas fragilidades são expostas e mais os utilizadores começam a olhar para outras tecnologias alternativas. O Bitcoin enquanto sistema de pagamento digital está a perder parte do seu apelo e é justamente aqui que outros sistemas querem capitalizar: o Dash e o Ripple são apenas dois dos exemplos mais conhecidos.