Uma notícia inesperada, mas que do ponto de vista do consumidor foi certamente bem recebida. Primeiro foi o MEO a anunciar a venda de telemóveis, smartphones, tablets, placas de internet móvel e routers wireless desbloqueados. Seguiu-se a NOS também com o anúncio de venda de telemóveis e smartphones desbloqueados. Dos três grandes operadores de telecomunicações móveis a Vodafone foi o único a não aderir – para já – a este novo paradigma.
É de facto um novo paradigma no mercado português de venda de dispositivos móveis. Ainda que já tenham existido campanhas específicas dos operadores onde era possível comprar determinados equipamentos sem vínculo ou com melhores condições de desbloqueio, vender de origem esses equipamentos sem associação ‘à rede’ é uma novidade. Ainda para mais sabendo que esta alteração é para manter.
O MEO fala em comunicado “num movimento único e disruptivo no setor das telecomunicações em Portugal”. Já a NOS, também em comunicado, fala “num movimento que revoluciona o mercado de terminais móveis em Portugal”. Ambas as empresas estão certas.
Além de ser o fim de uma estratégia de longa duração, é uma nova oportunidade para os consumidores. Isto quer dizer, por exemplo, que agora tanto pode comprar um iPhone desbloqueado de origem no MEO, na NOS, na loja online da Apple, nas lojas especializadas em smartphones ou até nos retalhistas de eletrónica. Assim vai o mercado dos dispositivos móveis em Portugal.
Mas que impacto terá de facto esta decisão? O FUTURE BEHIND procurou saber junto de algumas empresas o que esta alteração poderia significar para os seus modelos de negócio e estratégias de venda.
Do lado dos retalhistas questionámos a Worten e a Fnac, com ambas a não terem respondido.
Questionámos também três das marcas que mais vendem no mercado livre de operador: Samsung, Wiko e Huawei. A Samsung não respondeu. A Huawei diz que “não está a comentar este tópico”. Só a Wiko respondeu às questões, à margem do evento de apresentação dos seus novos smartphones.
“Este movimento que está a existir em Portugal agora já é um movimento europeu e mundial de há bastante tempo. Isto resulta de os operadores quererem aumentar a competitividade da sua oferta, porque uma pessoa em igualdade de circunstâncias vai sempre escolher um telefone livre a um telefone bloqueado”, começou por analisar o diretor-geral da Wiko Portugal, Manuel Ferreira.
Para marcas que estão habituadas a vender sobretudo no mercado livre, esta alteração pode trazer grandes alterações na dinâmica de negócio. Se fizer questão de comprar um smartphone desbloqueado já não é obrigado a ir ao mercado livre, também pode ir ao mercado dos operadores.
Mas esta é uma situação que na opinião de Manuel Ferreira não vai trazer alterações muito significativas.
“A oferta que existe no mercado livre é sempre maior do que a oferta que existe no mercado dos operadores. Portanto esse ponto não se prende. Acho que é importante uma marca que quer estar acessível a todos os portugueses estar em todos os pontos de venda. Isto inclui estar no MEO, estar na Vodafone, estar na NOS. (…) Haverá sempre uma procura dos dois mercados”, reiterou.
Por este mesmo motivo a Wiko Portugal, que já tem equipamentos na NOS, está também em fase de negociação com os outros dois operadores móveis. “A Wiko neste momento já trabalha com a NOS, estamos em conversação quer com a MEO, quer com a Vodafone, para começarmos a trabalhar também brevemente”.
Se a questão da maior concorrência é a primeira que vem à cabeça com esta mudança, a verdade é que o facto de os operadores venderem smartphones desbloqueados também representa uma oportunidade para as marcas. Na prática é uma barreira que cai e que pode colocar mais smartphones de mais marcas à venda no MEO e na NOS.
“E neste caso não será necessário ter os telefones bloqueados, o que pode facilitar, mas não é algo que veja como uma oportunidade. É um standard igual para todas as marcas”, comentou Manuel Ferreira a propósito da Wiko.
No caso das lojas especializadas e dos retalhistas, sempre houve uma parceria com os operadores. Era possível entrar nestas lojas e comprar um smartphone livre ou optar também por um equipamento bloqueado a um operador. Talvez com estas mudanças surjam até novas dinâmicas de mercado entre as partes, com os operadores a terem, por exemplo, mais espaços próprios junto dos retalhistas.
Por fim a questão do preço. Sabendo que o mercado está agora equilibrado na questão dos telemóveis desbloqueados, isto significa que as marcas terão de ser mais agressivas nos preços para manterem o interesse no mercado livre dos retalhistas e lojas da especialidade?
“Na Wiko já temos uma estratégia muito interessante de preço de venda recomendado ao público final. Vamos manter a mesma estratégia, que é a estratégia que nos caracteriza. E não a vamos alterar. Acho que não vai ser preciso alterar. Vamos ser muito competitivos quer nos livres, quer nos operadores e portanto não acho que será necessário adaptar”.
Outras consequências menos quantificáveis
A abertura mostrada pelos operadores portugueses pode trazer outras alterações como o facto de um utilizador ir ao MEO apenas para comprar o equipamento e depois utilizá-lo com um cartão de outro operador. Pode até trazer alterações ao mercado de compra e venda de equipamentos em segunda mão.
Uma das vantagens que sempre esteve associado aos equipamentos desbloqueados era o facto de serem mais vendáveis – em teoria – do que os smartphones bloqueados. Quem vendia smartphones desbloqueados estava potencialmente a dirigir-se a todos os utilizadores de redes móveis, enquanto um smartphone bloqueado limitava a venda a utilizadores dessa mesma rede.
A venda de smartphones desbloqueados promete trazer também alguma calmaria à lei do desbloqueio de smartphone. De acordo com esta legislação, ao fim de dois anos de vínculo com os operadores de telecomunicações os consumidores podem requerer o desbloqueio do equipamento. Se quiserem este desbloqueio antes de terminar o período de fidelização então é necessário pagar uma compensação ao operador. As contas estão explicadas nos sites do MEO, NOS e Vodafone.
A DECO, associação de defesa do consumidor, chegou mesmo a denunciar em 2015 situações em que os operadores de telecomunicações cobravam, alegadamente, mais do que o devido pelos desbloqueios.
A lei continuará em vigor para todos os que adquiriram smartphones antes do dia 21 de junho – no caso do MEO -, do dia 28 de junho – no caso da NOS – e para todos os que adquiriram ou venham a adquirir na Vodafone.
Mas o mercado, esse, nunca mais será o mesmo.