O ano é 2010. Um programador interessado em economia, penny stocks e sistemas de pagamentos ficou deslumbrado quando descobriu que uma moeda digital permitia fazer transferências de dinheiro de forma descentralizada e quase sem custos. J.R. Willett tinha acabado de descobrir o Bitcoin e a partir daí ficou obcecado com o potencial da moeda e da sua tecnologia associada, o blockchain.
Nos dias seguintes J.R. Willett consumiu tudo o que lhe aparecia à frente sobre o Bitcoin. “Tive sorte. Apenas tive os interesses certos na altura certa”, recordou em julho de 2017 numa conferência em Chicago, nos EUA. Típico de qualquer entusiasta, começou a falar sobre Bitcoin com a família e amigos, dizendo que seria algo enorme no futuro. Durante meses pediu às pessoas que lhe eram próximas que ouvissem o que tinha para dizer sobre o dinheiro digital – na altura cada unidade do Bitcoin valia perto de 25 cêntimos de dólar.
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Willet recorda-se de receber olhares reprovadores que lhe queriam transmitir a mensagem de que, muito provavelmente, estava a ser enganado por um qualquer esquema fraudulento feito através da internet. Sabendo que na altura só era possível comprar Bitcoin no mercado Mt. Gox ou enviando dinheiro num envelope para um indivíduo no Canadá, então tudo parecia ainda mais suspeito.
Em dezembro, na altura dos seus anos, a mulher de Willet deu-lhe 200 dólares para investir em Bitcoin e disse que não queria ouvir mais falar da moeda. Se Willet quisesse, até podia despejar o dinheiro pela sanita abaixo que isso não lhe interessaria, ela apenas queria que aquela conversa ‘maluca’ sobre a moeda digital acabasse.
Mas avisou-o logo: um dia mais tarde, quando tiveres mais ideias malucas, vou lembrar-te do Bitcoin e destes 200 dólares. A mulher de Willet deu aquele dinheiro como perdido logo à partida – mal ela sabia que estava na realidade a acender o rastilho de uma nova revolução na área do financiamento.
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Em vez de enviar o dinheiro para um estranho no Canadá, J.R. Willet optou por uma jogada muito mais fora da caixa: pegou num software de mineração de Bitcoin, disfarçou-o dentro de um outro software, disse que era um projeto no qual estava a trabalhar e colocou um anúncio na internet à procura de voluntários para testar aquele programa.
O engenheiro norte-americano prometia pagar adiantado pelos testes, pelo que lá acabou por conseguir alguns utilizadores. J.R. Willet diz que conseguiu em mineração pouco mais bitcoins do que se tivesse mandado o dinheiro por correio para o Canadá – a vantagem é que durante este processo, percebeu ainda melhor os fundamentos e o potencial da criptomoeda.
Um ano e meio à espera
Em 2012, Willet começou a pensar na possibilidade de acrescentar uma camada aplicacional ao Bitcoin – na prática a ideia passava por aproveitar todo o potencial tecnológico do blockchain e criar outras aplicações além da própria criptomoeda. Basicamente apercebeu-se que o blockchain permitia criar de forma muito simples outros projetos, incluindo a criação de novas moedas.
Nesse ano o engenheiro norte-americano criou um white paper intitulado de “O segundo white paper sobre Bitcoin”, numa provocação direta ao white paper publicado por Satoshi Nakamoto e que deu origem ao Bitcoin.
“Procurei controvérsia, queria que as pessoas lessem o meu trabalho. Pensei que se as deixasse zangadas, que talvez o lessem”, recordou o especialista em blockchain na conferência. J.R. Willet estava tão convencido do potencial da sua ideia que chegou a enviar o seu white paper para o email do próprio Satoshi Nakamoto, mas acabou por nunca receber uma resposta.
Logo nas primeiras linhas do trabalho de Willet pode ler-se: “Nós acreditamos que a rede de bitcoin existente pode ser usada como uma camada para protocolos, sobre a qual novas camadas de moedas com novas regras podem ser construídas sem mudar a fundação”.
O white paper foi publicado num dos mais populares sites para utilizadores de bitcoin, o fórum Bitcoin Talk, o tema foi discutido, escrutinado, mas na prática ficou parado durante um ano e meio. Estava ali, a ideia para a criação de novas moedas e de um novo modelo de financiamento, mas ninguém quis pegar nela.
“Deixou-me completamente louco”, disse o engenheiro norte-americano, que estava ansioso por ver novos projetos florescerem a partir do seu conceito e até queria ele próprio investir em alguns deles.
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A gota de água surgiu em maio de 2013. J. R. Willet participou pela primeira vez como orador numa conferência ligada aos temas Bitcoin e blockchain, em San José, nos EUA. Foi aí que vez uma intervenção que acabaria por mudar tudo.
“Se quisessem criar, hoje, um novo protocolo em cima do Bitcoin, o que muitas pessoas não percebem é que podiam fazê-lo sem necessitar de investidores de capital de risco. (…) Suponho que estão familiarizados com o Kickstarter? Na realidade podem dizer ‘está aqui a minha apresentação, aqui está o meu grupo de programadores. (…) Vamos fazer um novo protocolo, vai ter as funcionalidades X, Y e Z em cima do Bitcoin. Aqui está quem somos, qual o nosso plano e aqui está o nosso endereço de Bitcoin e quem enviar moedas para este endereço vai deter uma parte do nosso protocolo’. Qualquer um pode fazê-lo. Tenho andado a dizer isto às pessoas no último ano porque quero investir nisto. Não tenho muitas moedas, mas é nisto que quero investi-las. Mas ainda tenho de encontrar alguém que queira as minhas moedas. Alguém nesta sala quer os meus bitcoins porque eu quero…”.
J.R. Miller foi interrompido por alguém que disse “Eu quero” e é assim que termina o vídeo no qual está registada esta declaração.
Claramente essa pessoa não quis as moedas do norte-americano, pois foi Willet quem acabou por arriscar. Na prática concluiu que provavelmente teria de ser ele próprio a mostrar que a sua ideia podia funcionar e só não o fez antes, pois nunca teve as condições financeiras para se transformar, nas palavras do próprio, num empreendedor.
Foi então que colocou o seu endereço de bitcoins no fórum Bitcoin Talk e começou a receber dinheiro das pessoas. Conseguiu angariar mais de 5.100 bitcoins – na altura o equivalente a 500 mil dólares, algo que ao valor atual corresponderia a 69 milhões de dólares – , e pouco tempo depois a moeda valorizou dez vezes – o que deixou J.R. Willet com o equivalente a cinco milhões de dólares.
Assim nasceu uma nova revolução
Com o dinheiro angariado foi desenvolvido o protocolo Mastercoin, lançado oficialmente em julho de 2013. Segundo uma notícia da publicação Bitcoin Magazine feita alguns meses depois, a rede Mastercoin permitia aos utilizadores criarem as suas próprias moedas, permitia a criação de mercados descentralizados e permitia o registo de informações que podiam depois ser integradas em scripts.
Se está familiarizado com o universo do blockchain e das criptomoedas, então aquilo que a Mastercoin pretendia fazer não é muito diferente daquilo que o Ethereum acabaria por concretizar alguns meses mais tarde.
Como se a história em si já não tivesse pontos de interesse suficientes, há mais para digerir: o artigo da Bitcoin Magazine sobre o protocolo Mastercoin foi escrito por Vitalik Buterin, o criador do Ethereum. O engenheiro J. R. Willet também confirmou que pediu um parecer a Vitalik Buterin sobre o seu projeto, por este ser uma pessoa inteligente e com bastante conhecimento no mundo do blockchain – uns meses mais tarde acabaria por surgir o Ethereum.
O próprio Ethereum foi financiado, em 2014, utilizando o mesmo conceito desenvolvido por J.R. Willet – aquilo que hoje é chamado de Initial Coin Offering (ICO) ou Oferta Inicial de Moeda em tradução livre.
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Mais de quatro anos depois, os ICO são uma das grandes tendências do momento. Até novembro de 2017, segundo a publicação CoinDesk, 3,7 mil milhões de dólares tinham sido investidos em ICO desde o surgimento do conceito – e para que conste, J.R. Willet considera que o termo ICO é “estúpido”, uma ideia que começa a ganhar cada vez mais adeptos pela associação quase inevitável às Ofertas Públicas Iniciais (IPO), movimentos altamente regulados em contrapartida com o lado mais descentralizado dos ICO.
Atualmente o projeto MasterCoin é conhecido como Omni Layer e está a tentar reconverter-se numa plataforma que possa ter um posicionamento mais relevante na criação de novos ativos digitais. Segundo dados do site ICO Watch List, em 2017 mais de 50% dos ICO foram criados sobre a plataforma Ethereum, cerca de 30% em novas tecnologias de blockchain e menos de 5% na plataforma Waves.