No final do ano passado o jornal The Guardian escrevia que Lisboa tinha todas as condições para afirmar-se como a capital tecnológica da Europa. A publicação enumerou aquilo que muitas outras publicações internacionais de renome também já disseram da cidade portuguesa: tem um ecossistema de empreendedorismo em franco crescimento, muito talento tecnológico a preços mais acessíveis do que noutros países e, claro, todos falam no Sol que brilha quase todo o ano em Lisboa.
O artigo era uma antevisão sobre a influência que um evento com a escala do Web Summit poderia ter em Lisboa e na imagem de Portugal que seria passada para o mundo. A previsão do The Guardian estava certa em grande medida: aos poucos Lisboa parece mesmo estar a tornar-se na capital tecnológica da Europa, existindo vários indicadores e exemplos que apontam neste sentido.
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O mais recente foi dado pela Zalando. A empresa alemã, que em 2016 faturou 3,6 mil milhões de euros, escolheu Lisboa para a criação do seu terceiro centro tecnológico fora de terras germânicas. Não se sabe ao certo quanto é que a Zalando vai investir nesta sua aventura lisboeta, mas sabe-se que vai contratar 50 funcionários no primeiro ano de atividade, número que pode chegar aos 150 trabalhadores até 2020.
Em terras lusas a equipa da Zalando vai estar focada no desenvolvimento da loja online, de aplicações móveis e também na criação de ferramentas que permitirão a outras startups tirarem partido do seu ecossistema de parceiros.
As palavras ‘Lisboa + centro tecnológico’ começaram a tornar-se mais comuns ao longo dos últimos meses. Também a gigante alemã Daimler decidiu investir na capital portuguesa com a criação de um centro de desenvolvimento tecnológico. A empresa, responsável por marcas como a Mercedes-Benz e a Smart, diz que já não basta construir os melhores carros, é também necessário ser forte no mundo digital.
Foi este o motivo que trouxe a Daimler para Lisboa: ao todo vão ser recrutados 125 profissionais que vão estar responsáveis pelo desenvolvimento de software, aplicações móveis e também pelos avanços em big data e cloud computing da gigante alemã. O que for produzido no Digital Delivery Hub em Portugal vai depois ser exportado para todo o mundo dentro do grupo Daimler.
Mas nem só da Alemanha – que por curiosidade tem um dos grandes centros de empreendedorismo europeu, a cidade de Berlim – vêm estas apostas tecnológicas para Lisboa. Diretamente da Estónia, senhoras e senhores, a Pipedrive.
A tecnológica, que tem como imagem de marca o seu software de gestão de relacionamento com os clientes (CRM na sigla em inglês), chegou a Portugal em março e definiu como objetivo a contratação de 50 funcionários até ao final de 2017. Se tudo correr bem, no próximo ano serão adicionados outros 50. Lisboa passou a ser a terceira localização física da empresa, além da sede no país de origem e noutra que já tem nos EUA.
Em Portugal, a Pipedrive também veio acima de tudo à procura de programadores – front end, back end e full stack -, assim como especialistas em design e em ferramentas de gestão de clientes.
Zalando, Daimler e Pipedrive são três dos maiores investimentos que foram feitos até ao momento em Lisboa e que dizem respeito a apostas de predominância tecnológica. Se estendermos a linha de tempo, rapidamente encontramos outros exemplos de investimentos que privilegiaram a qualidade tecnológica que existe em Portugal, como o centro de competências e desenvolvimento de serviços de TV que a Vodafone Portugal vai prestar para a Vodafone a nível global ou a equipa de engenharia que o Web Summit decidiu fixar em Lisboa.
Ainda que haja uma grande concentração destes investimentos na cidade de Lisboa, também existem exemplos de apostas que estão a ser feitas fora da capital.
Em maio deste ano a tecnológica CGI abriu um centro de desenvolvimento e inovação em Sintra que vai estar inteiramente focado no desenvolvimento de tecnologias cloud. Este projeto, a partir do qual vão ser asseguradas as atividades cloud de outras subsidiárias da CGI na Europa, vai criar um total de 150 postos de trabalho no prazo de dois anos.
Subindo até ao norte encontramos como exemplo de investimento semelhante aquele que o grupo Euronext fez na cidade do Porto. A entidade que integra várias bolsas europeias, incluindo a portuguesa, já tinha um centro tecnológico em Paris, optando por fixar o seu segundo núcleo em Portugal. Em maio foi anunciado que seriam recrutados 105 profissionais para endereçar a gestão da infraestrutura tecnológica do grupo, além de que aquela unidade estaria igualmente responsável pela criação de novas soluções na área dos serviços financeiros.
Depois há outros exemplos de polos altamente especializados que perfilam-se como atrativos para empresas que queiram fazer investimentos em áreas mais específicas, casos do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, em Braga, ou da Incubadora de Empresas da Agência Espacial Europeia, cuja sede está em Coimbra.
Portugal está forte, mas precisa de manter-se atrativo se quiser continuar a somar centros tecnológicos atrás de centros tecnológicos. Os outros países não estão de braços cruzados e também têm talento de qualidade para atrair os gigantes internacionais – ainda em agosto a Ryanair anunciou a criação de um centro tecnológico aqui ‘ao lado’, em Madrid, criando 250 postos de trabalho. Paris, Londres e Berlim também continuam a ser polos fortes de empreendedorismo, pelo que concorrência de peso não falta.
O que Portugal está a viver é uma fase de consolidação. Passamos rapidamente da parte em que o ecossistema empreendedor e o lado tecnológico do país pareciam promissores, para a concretização de uma boa parte dessa promessa. O pacote de 200 milhões de euros em cofinanciamento que o Governo prometeu no ano passado juntamente com o recém-anunciado programa Startup Visa provavelmente vão fazer com que mais empresas, mesmo que não tenham a escala daquelas referidas no artigo, comecem a ver Portugal como um destino cada vez mais provável.
O que parece ser história perfeita precisa no entanto de alguma atenção. É preciso sobretudo que estes novos investimentos sejam corretamente integrados na realidade financeira e social de Portugal, para que não se crie um ainda maior declive entre o litoral e o interior do país, e para que se evitem situações como aquela que Lisboa vive atualmente na questão do alojamento.
Sim, Lisboa está a transformar-se na capital tecnológica da Europa, mas o resto do país pode e deve sair a ganhar com este momento positivo que atravessamos.