Vivem-se tempos de mudança na Intel. Esta semana a gigante norte-americana anunciou o despedimento de 11% da sua força de trabalho, o que corresponde a 12 mil trabalhadores. Esta ‘vassourada’ na empresa é dada pelo diretor executivo, Brian Krzanich. Mas é preciso entender o que está a acontecer com a Intel.
De acordo com dados da empresa de análise de mercado IHS Supply a Intel tem sido há largos anos a maior fabricante de processadores do mundo, pelo menos no que diz respeito à receita conseguida através deste negócio. A Intel não é sequer uma empresa que esteja a passar dificuldades económicas: os resultados do primeiro trimestre de 2016 mostram uma faturação de 13,7 mil milhões de dólares e um lucro de dois mil milhões de dólares.
A grande questão da Intel neste momento é o futuro. Aquele que sempre foi o grande mercado da tecnológica, o segmento dos computadores pessoais, não dá sinais de recuperação como muitos esperavam que acontecesse. Os valores adiantados pela Gartner e pela IDC esta semana mostram uma queda nas vendas de PC que varia entre os 9,5 e os 11,5%, respetivamente, nos primeiros três meses do ano.
Perante tais factos Brian Kraznich deu um murro na mesa e anunciou o que há muito parecia inevitável: a Intel não vai abandonar o mercado dos PCs, a empresa apenas vai mudar as suas prioridades de investimento e de negócio.
Mas é curioso ver as volta que a vida dá. Grande parte desta fatura que a Intel agora está a pagar é um resultado direto do facto de a empresa não ter equilibrado a quebra do mercado de PCs com um aproveitamento da explosão dos dispositivos móveis. Não investiu desde cedo no segmento dos smartphones e não apostou no cavalo certo: o iPhone.
A história é sobejamente conhecida e foi partilhada pelo anterior CEO da companhia, Paul Otellini. “Acabámos por não vencer o concurso ou deixá-mo-lo passar, depende de como querem ver a história. E o mundo teria sido muito diferente se tivessemos sido nós a fazê-lo [processador do iPhone]”, disse em maio de 2013 numa entrevista ao jornal de The Atlantic.
“O que precisas de lembrar é que isto foi antes do iPhone ser apresentado e ninguém sabia o que o iPhone faria… Em resumo, havia um chip no qual a Apple estava interessada e queria pagar um certo preço por ele e nem mais um cêntimo, e esse preço estava abaixo das nossas previssões de custo. Não consegui ver. Não era daquelas coisas que produzes em volume. Mas no final as previsões de custo estavam erradas e o volume era cem vezes superior ao que todos pensavam”.
Depois concluiu dizendo: “devia ter seguido o meu instinto”.
A Intel foi fundada a 18 de julho de 1968 e soube adaptar-se aos desafios do mercado
Agora é fácil para todos nós dizermos que ‘sim Paul Otellini, devias ter seguido o teu instinto’. É que depois desta decisão o mundo nunca mais foi o mesmo de facto. O iPhone tornou-se um sucesso de escala mundial – espera-se que ainda este ano consiga ultrapassar a marca de mil milhões de unidades vendidas -, seguiram-se outros equipamentos de outras tecnológicas e deu-se uma nova revolução tecnológica, uma em que as plataformas móveis afirmam-se como o meio tecnológico número um.
Quem ficou a ganhar com isto foram os fabricantes de chips com arquitetura ARM, de longe os mais populares da atualidade. O iPhone usa ARM, os Galaxy S usam ARM, uma grande parte dos smartphones no geral usam chips ARM que são produzidos ora pela Samsung, ora pela Qualcomm, ora pela TSMC, ora por outras empresas.
A Intel sempre foi sinónimo de potência no processamento, mas o que os dispositivos móveis precisam é de uma boa relação desempenho-autonomia. Nisso os ARM atingiram a maturidade mais cedo.
O mais interessante neste falhanço épico é o facto de a Intel ter provocado a morte de um rival na década de 80 nos mesmos moldes, mas escolhendo o lado certo: na altura a Digital Equipment Corporation decidiu manter a produção de processadores para computadores de alto rendimento por serem os que traziam mais rentabilidade. A Intel apostou no segmento menos rentável e nos 20 anos seguintes, numa parceria de ferro com a Microsoft, criaram um mundo Wintel [Windows + Intel].
Mas o que lá vai, lá vai e não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Só esta atitude pode fazer a Intel crescer nos próximos anos. E os alvos já estão definidos.
Internet das Coisas e computação na nuvem
Dito assim parece que a Intel vai transformar-se numa empresa aborrecida. Vai em parte trocar o foco no desenvolvimento e fabrico de processadores cada vez mais poderosos e cada vez mais pequenos apenas para computadores, por computação remota e por um segmento que as pessoas associam a frigoríficos, torradeiras e escovas de dentes inteligentes.
Mas é isso mesmo: no futuro quase todos os equipamentos eletrónicos vão precisar de um chip para comunicarem entre si e com o mundo online. A Intel quer dominar esse mercado.
Melhor: para que biliões de gadgets possam falar entre si é necesário uma estrutura de escala global, com servidores a aguentar toda esta carga. Bingo! Os servidores precisam de processadores para funcionar, cada vez mais processadores na realidade.
As oportunidades estão lá e a Intel vai tentar agarrá-las.
O negócio continuará a ser de processadores, apenas vão ser chips para segmentos diferentes
“Os nossos resultados durante o último ano demonstraram uma estratégia que está a funcionar e uma fundação sólida para o crescimento. A oportunidade agora é acelerar este momento e construir com base nas nossas forças”, escreveu o CEO da Intel em comunicado.
Apesar de tudo parecer bater certo nesta estratégia, como é óbvio os próximos anos vão trazer algumas alterações profundas nos diferentes segmentos. No campo da Internet das Coisas existem várias empresas a apresentar propostas de produtos e estruturas que tentam agregar estes produtos. Será necessário apostar as fichas nos lugares certos.
E no campo dos centros de dados há mais empresas a olharem para estar oportunidade. Um exemplo: há algumas semanas surgiu um relato na Wired a dizer que a Google estava a considerar criar os processadores para os centros de dados próprios. E sabem que mais? Ainda ontem à noite o diretor executivo da Google, Sundar Pichai, revelava que parte do futuro da empresa vai passar pela computação na nuvem. Ainda não há movimentos concretos e o mercado já está a aquecer. Quem podia desejar melhor?
A Intel é uma das tecnológicas mais avançadas do mundo. Nos últimos meses apresentou uma coreografia de aranhas robóticas controladas por movimento, apresentou um segway que também é um assistente pessoal e revelou o projeto Curie, uma estrutura de desenvolvimento para dar inteligência a elementos tão pequenos como o botão de um casaco.
A tecnológica precisará de intel-igência para conseguir posicionar-se nos segmentos que realmente podem vir a fazer a diferença. Será isso ou será ver a vida a dar novamente uma grande volta.