Hugo Barra sai da Xiaomi quando a empresa mais precisa dele, mas a sua missão está cumprida

Artigo atualizado: Quando em 2013 Hugo Barra comunicou a decisão de trocar a Google pela Xiaomi, o mundo tecnológico franziu a sobrancelha. O que estava a fazer este executivo, na altura com 37 anos, ao abandonar o cargo de vice-presidente de uma das maiores potências tecnológicas mundiais? E de todas as empresas que estariam interessadas em alguém com o seu perfil, porquê a pequena Xiaomi?

Quando Hugo Barra abandonou a Google em setembro de 2013, ele era o homem forte do sistema operativo Android. Era ele quem aparecia nas apresentações públicas da empresa para revelar ao mundo para onde ia evoluir o software que equipava milhões de equipamentos.




O AllThingsD chamava-lhe, em 2013, o general de Sundar Pichai e de Andy Rubin, os ‘chefões’ do sistema operativo Android.

A sua ida para a Xiaomi foi uma jogada que pela aparente improbabilidade justificou logo parte do investimento: na época o nome Xiaomi começava a emergir como uma marca a manter no radar, mas ainda não tinha conquistado a opinião dos consumidores e da crítica.

A chegada de Hugo Barra à Xiaomi colocou em evidência esta startup chinesa. Nestes três anos de ‘Xiaomi ao peito’ o engenheiro brasileiro teve como missão levar a Xiaomi sobretudo para fora do mercado chinês. Barra chegou para ‘ocidentalizar’ a estratégia da empresa.

A Xiaomi está avaliada em 45 mil milhões de dólares

Agora foi a vez de Hugo Barra dizer que está de saída da Xiaomi. Desta vez não faz uma troca direta entre empresas: diz que quer regressar a Silicon Valley, falando também em problemas de saúde. Será uma questão de tempo até que alguém o queira listar nas suas fileiras [atualização: vai para o Facebook] ou até que o próprio comece um novo projeto – algo que é relativamente comum entre executivos de topo em Silicon Valley.

Hugo Barra sai da Xiaomi com o sentimento de missão cumprida. O brasileiro escreveu porquê na sua ‘carta’ de despedida no Facebook.

“Posso dizer com confiança que o nosso negócio global já não é apenas o de uma startup doméstica. A Índia passou de um sonho a maior mercado internacional da Xiaomi com mil milhões de dólares em receitas anuais, mais rápido do que qualquer outra empresa. Expandimos para a Indonésia, Singapura, Malásia, e mais recentemente para 20 outros mercados que incluem a Rússia, o México e a Polónia”.

“Fizemos uma parceria com a Google para lançar o nosso primeiro produto oficial nos EUA e com a nossa estreia bem-sucedida no CES 2017 – onde vencemos três prémios prestigiantes – o mundo agora vê a Xiaomi como um player global que muda a indústria tecnológica através da simples promessa de trazer inovação para todos”.

Hugo Barra a conduzir uma Ninebot, um dos mais de 2.000 produtos nos quais a Xiaomi investe além dos smartphones. #Crédito: Hugo Barra / Facebook

Os factos estão lá, portanto missão quase cumprida para Hugo Barra. Dizemos ‘quase’ pois são declarações do próprio brasileiro que impedem uma análise mais positiva.

“Se eu fizer o meu trabalho em condições, dentro de alguns anos, o mundo vai estar a falar da Xiaomi como fala da Google e da Apple atualmente”, disse ao AllThingsD em 2013. Sim, o mundo fala e respeita muito mais a Xiaomi ‘pós-Barra’. Mas não, a Xiaomi ainda não está no patamar da Google e da Apple. Nem lá vai estar nos próximos tempos.

Xiaomi: Enganou-se quem lhe chamou a Apple da China

Talvez muitos esperassem que por esta altura os dispositivos da Xiaomi já estivessem disponíveis de forma mais generalizada e num maior número de mercados, sobretudo na Europa. Mas há outras ‘forças’ às quais nem Hugo Barra é imune: pressão financeira.

Não deixa de ser curioso que o anúncio da saída do brasileiro da empresa chinesa acontece apenas alguns dias depois de o diretor executivo da Xiaomi, Lei Jun, ter admitido que a empresa cresceu demasiado rápido. Se está a pensar que já leu esta frase em algum sítio, está certo: a também chinesa LeEco está a sofrer do mesmo problema.

Xiaomi enfrenta problemas

O mercado de smartphones está a estagnar, como comprovam os números da consultora IDC. Os últimos valores conhecidos dizem respeito ao terceiro trimestre de 2016, altura em que as vendas apenas aumentaram 1% em comparação com 2015. No segundo trimestre do ano o crescimento foi de 0,3% e no primeiro trimestre o crescimento foi apenas de 0,2%.

Até a sempre imponente Apple começou a sentir na pele os efeitos de um mercado que troca de smartphone com menor regularidade e que está cada vez mais competitivo, nas especificações e no preço.

A questão do preço sempre foi um dos pontos fortes da Xiaomi, mas a empresa chinesa também não fugiu à estagnação geral da indústria. A empresa estimava ter vendido em 2015 perto de 100 milhões de smartphones. Os valores foram depois revistos para 80 milhões, mas nem a esses valores a empresa chegou – vendeu cerca de 70 milhões de equipamentos ao longo do ano. Não é uma marca negativa, mas é uma marca claramente abaixo daquilo que a própria empresa tinha definido.

Lei Jun, diretor executivo da Xiaomi. #Crédito: Xiaomi

Agora o sinal de estagnação vem através do encobrimento de resultados. O diretor executivo da Xiaomi, Lei Jung, confirmou que a Xiaomi não vai revelar quantos smartphones vendeu em 2016. A CNBC escreve que as vendas anuais terão caído para as 62 milhões de unidades.

O CEO da Xiaomi admitiu posteriormente aos funcionários que a empresa está a passar por um período de mudança.

“Nos primeiros anos, evoluímos muito rápido. Criámos um milagre, mas também afetou o crescimento a longo termo. Por isso temos de abrandar, melhorar em algumas áreas e assegurar o crescimento sustentável para o futuro a longo termo”, disse, citado pelo TechCrunch.

A empresa não está a passar propriamente por dificuldades, como mostram por exemplo os resultados obtidos na Índia ou os 2,2 mil milhões de dólares gerados através da venda de dispositivos conectados, como wearables e set-top boxes para televisores.

A questão é que 90% das vendas de smartphones da Xiaomi ainda são feitas acima de tudo na China e através de canais online. A concorrência na China está cada vez mais feroz, com a Huawei, a Oppo e a Lenovo a darem uma boa resposta ao crescimento da Xiaomi.

Ou seja, sabendo que o desempenho no mercado doméstico está a encolher, então esta seria a altura ideal para a Xiaomi tentar uma expansão internacional mais agressiva. Justamente o objetivo para o qual foi contratado Hugo Barra em 2013. Esta compensação podia ajudar a balançar a ambição da tecnológica chinesa, mas o mais provável é que o foco se mantenha no mercado doméstico e na internacionalização asiática.

Mas como é visível pelas declarações do CEO da Xiaomi, a empresa já não se dá ao luxo de avançar para uma expansão internacional com esperança de recolher os frutos a longo prazo. A Xiaomi tentou isso a nível interno e já está a viver um ponto em que se vê obrigada a assumir uma nova postura estratégica.

N.R. [26/01/2017 às 10:51H]: Hugo Barra foi confirmado como vice-presidente para a realidade virtual do Facebook;

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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