É uma das notícias da semana. A Google anunciou a aquisição da equipa de engenheiros e designers da divisão de smartphones da HTC, um acordo firmado por 1,1 mil milhões de dólares. Não há dúvidas de que a HTC sabe criar smartphones, não há dúvidas de que as partes funcionam bem em conjunto – basta olhar para o Google Pixel – e não há dúvidas sobre qual é o grande plano da Google para esta aquisição.
A questão que pode colocar-se é: terá a Google comprado a parte mais interessante da HTC?
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“Criar produtos bonitos nos quais as pessoas confiam todos os dias é uma viagem e nós estamos a investir a longo prazo”, disse o diretor da divisão de hardware da Google, Rick Osterloh, na publicação na qual anuncia o negócio.
Nesta perspetiva o smartphone é de facto o equipamento a ter em consideração. Passados dez anos da apresentação do iPhone, o smartphone enquanto equipamento está mais enraizado do que nunca e é uma parte fulcral na vida de milhões de pessoas em todo o mundo.
Pela importância que ganhou nestes últimos dez anos, o smartphone vai continuar a ter um papel preponderante na próxima década. Muitas das tendências tecnológicas em afirmação, como a realidade aumentada, a realidade virtual ou a inteligência artificial, estão todas a manifestar-se através do smartphone.
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A questão é que o mercado de smartphones já está muito estabilizado e repartido. Samsung, Huawei e Apple são os maiores vendedores a nível global e em Portugal, e não há indicadores de que alguma marca consiga destronar estas três grandes forças. Podem trocar de lugares entre si, mas no curto prazo não devem existir grandes surpresas.
Por muito que a Google tencione fundir o melhor hardware possível com o melhor software possível, serão necessários vários anos até que consiga provocar mossa nos seus rivais mais diretos. Veja-se o exemplo do Google Pixel: foi muito bem recebido pela crítica especializada, mas simplesmente não foi um smartphone projetado para grandes vendas como um Huawei P10, um Galaxy S8 ou um iPhone 8.
“Estamos entusiasmados com o alinhamento de produtos de 2017, mas ainda mais inspirados pelo que virá nos próximos cinco, dez ou vinte anos”, salientou Rick Osterloh na sua publicação. Ou seja, mais uma afirmação de que a Google pretende de facto jogar a médio e longo prazo.
Um mercado ainda por explorar
Acontece que se é para jogar a médio e longo prazo, talvez tivesse sido mais relevante para a Google avançar para a aquisição da unidade de realidade virtual da HTC, em vez de ter comprado a sua estrutura da divisão mobile.
A primeira afirmação que citámos de Rick Osterloh, a relacionada com os equipamentos que no futuro vão representar um papel importante no quotidiano das pessoas, também vai aplicar-se à realidade virtual. Conforme a tecnologia vai evoluindo, conforme os conteúdos vão amadurecendo, mais espaço vai a realidade virtual ganhar junto dos consumidores como um meio de entretenimento que vai roubar espaço ao televisor e às consolas de videojogos.
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As pessoas vão continuar a ver séries, filmes e notícias, mas vão poder fazê-lo nos óculos VR. As pessoas vão continuar a jogar, mas também vão fazê-lo nos óculos VR. E se nos lembrarmos que já há quem esteja a desenvolver o conceito de uma discoteca em realidade virtual, percebemos rapidamente o impacto que estas experiências sociais ‘descentralizadas’ poderão vir a ter.
Além de ser uma tecnologia com futuro – segundo a consultora SuperData, o mercado VR vai gerar 28 mil milhões de dólares em 2020 -, é uma tecnologia que a HTC domina muito bem. Através da divisão Vive a HTC conseguiu colocar-se desde início na dianteira deste mercado emergente.
Os HTC Vive, juntamente com os Oculus Rift, são reconhecidos como os mais completos e avançados óculos de realidade virtual de consumo até à data. Mesmo entre estes dois são muitos os que preferem os Vive aos Rift, acima de tudo pelo facto de permitirem experiências de grande escala e de terem controladores dedicados desde o primeiro dia.
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A HTC sabe o que faz na realidade virtual e tem conseguido resultados interessantes. Estima-se que até ao final de 2016 tenham sido comercializados 420 mil unidades dos HTC Vive, contra 243 mil dos Oculus Rift e 745 mil unidades dos PlayStation VR. A empresa é também uma das que tem construído um grande ecossistema de periféricos em torno dos seus óculos VR, além de ter uma das principais incubadoras dedicadas a este segmento.
Pela qualidade que já tem atualmente e pelos investimentos que está a fazer olhando para o futuro, a HTC está na linha da frente no que diz respeito à realidade virtual. Sendo a realidade virtual um dos grandes mercados digitais dos próximos cinco a dez anos, então talvez tivesse feito mais sentido para a Google fazer uma proposta pela divisão HTC Vive.
Se por ano já são vendidos 1,47 mil milhões de smartphones a nível global – valores da IDC relativos a 2016 -, as vendas de equipamentos de realidade virtual são ainda muito marginais. Se a ideia é lucrar com a venda de hardware, então também nesta perspetiva seria uma área muito mais interessante para investimento, mesmo tendo em consideração os simpáticos lucros que os smartphones topo de gama garantem.
Cumprir o plano
É também preciso ter em conta que ao investir na realidade virtual a Google não estaria a fazer qualquer desvio do seu roteiro. A tecnológica já deixou bem claro que a realidade virtual vai ser um dos seus pilares para o futuro.
A empresa começou por democratizar a realidade virtual através dos Google Cardboard, depois decidiu ‘profissionalizar’ a sua proposta através do ecossistema Daydream e dos óculos Daydream View e já revelou planos para criar óculos de realidade virtual que dispensam smartphones.
Para que a realidade virtual possa de facto afirmar-se junto dos consumidores é importante que não esteja dependente de dispositivos externos, pelo que sim, os smartphones serão importantes para experiências VR, mas provavelmente só nesta fase de expansão inicial.
A Google até foi buscar o líder de design da Vive à HTC há alguns meses, pelo que investir na restante equipa não seria algo assim tão estranho.
Claro que se a Google quisesse comprar a divisão Vive da HTC teria de desembolsar mais do que os 1,1 mil milhões de dólares que deu pelos engenheiros e designers da divisão mobile. Basta pensar que o Facebook, em 2014, pagou dois mil milhões de dólares pela Oculus.
O negócio até pode não ter acontecido agora, mas tendo em conta todos estes factores de interesse mútuo, e sabendo que a Google tem uma relação especial com a HTC, provavelmente como não tem com outro fabricante de hardware, quem sabe se no futuro vão existir novidades nesta área.
“Ainda são os primeiros dias da divisão de hardware da Google. Estamos focamos em construir as nossas capacidades centrais, enquanto criamos um portfólio de produtos que dão às pessoas uma experiência única e agradável apenas possibilitada pela junção do melhor software Google (…) com hardware desenhado de forma cuidadosa”. Palavra de Rick Osterloh.