O ‘vórtex da mudança’ da Intel, o seu futuro e que papel pode ter Portugal nesta história

Já aqui falámos da mudança de estratégia da Intel e chegámos à conclusão que a vida dá muitas voltas. Neste momento a tecnológica norte-americana continua a girar a grande ritmo pois está naquilo a que a própria empresa chama de turbilhão da mudança [Vortex of Change].

Este turbilhão é uma tempestade perfeita de acontecimentos passados e de condições atuais que permitem à empresa antecipar um novo futuro. A Intel já não é só chips para computadores. Há muito que não o é, mas agora isso é mais evidente.

Para quem ainda não sabe, a mudança de estratégia da Intel está relacionada sobretudo com três fatores: computação na nuvem, Internet das Coisas e chips reprogramáveis são agora os grandes focos de investimento. Estas serão as grandes necessidades do mundo em 2020 e a Intel quer ser parte importante dessa realidade.

O FUTURE BEHIND esteve à conversa com o diretor comercial da Intel Portugal, Alexandre Santos, para perceber melhor esta mudança.

Alexandre Santos, gestor de negócio da Intel Portugal #Crédito: Future Behind

“Estávamos de facto a investir em áreas de negócio que não eram rentáveis e aquilo que não é rentável, nós temos de eliminar. Nomeadamente tecnologias de entrada de gama, ou seja, aqueles PCs e tablets de entrada de gama. Nós vamos estar nos tablets, mas não vamos estar em tablets de 50 dólares em que o modelo de uso é inquerente com aquilo que a Intel quer – que todos tenhamos uma experiência tecnológica positiva”, começou por explicar o executivo relativamente à importância menor que os chips para gadgets de consumo vão receber.

“Atualmente temos um só utilizador com muitos dispositivos. Percebemos que o modelo de consumo está a mudar. Não conseguimos estar colocados em tudo isto, mas vemos que isto está a ter impacto em tudo o que nos rodeia e que isto será um clash geracional no futuro”, acrescentou.

Ao mudar a sua estratégia a Intel acreditar estar a equipar-se para um mundo ainda mais tecnológico. Um estudo da Fundação BPW, publicado há já cinco anos, estimava que em 2025 cerca de 75% da força de trabalho em todo o mundo será ocupada pela geração Y, pessoas que nasceram nas décadas de 1980 e 1990, também conhecidas como millenials.

E o que são estes millenials? Versados em tecnologia. Mais: são sedentos de tecnologia. São pessoas que em breve vão esperar da página online do seu supermercado o mesmo que a Amazon já disponibiliza atualmente em termos de comércio eletrónico. Em vez de lhes chamarmos pessoas conectadas talvez seja mais arrojado dizer que são pessoas raramentes desconectadas.



As empresas terão de saber responder a esta necessidade dos seus colaboradores e já não têm muito tempo para fazer a respetiva preparação. “Estamos a impor esta aceleração”, sentenciou Alexandre Santos.

A alteração do perfil dos colaboradores de trabalho é apenas uma das forças que está a provocar o tal vórtex da mudança. A computação na cloud é outro desses elementos, um no qual Portugal não está ainda bem representado na fotografia.

“Estamos de facto ainda muito polarizados em Portugal. Segundo um estudo recente da IDC, há empresas que estão ainda muito no início, muito prematuras, mas há empresas que já estão há muito no topo dessa vanguarda tecnológica [cloud computing].

“Quer dizer que não temos uma curva perfeita, temos algo inclinado, algo sui generis, muito à português. É verdade, lamentavelmente. Mas estamos a corrigir, esse é que é o ponto, estamos a acelerar. E isto tudo só acontece porque neste momento há essa combinação e há essa necessidade”.

Saber posicionar-se no tabuleiro

Sabe o que está entre si, como utilizador, e o equipamento que tem à sua frente? Serviços. E como é que esses serviços funcionam? Com base em centros de dados. Percebe agora mais um motivo para a Intel se focar nos data centers?

Para que as aplicações possam funcionar é necessário um suporte tecnológico que implica entre outros elementos muito poder de processamento. O cenário para a Intel é quase perfeito: números avançados pela imprensa norte-americana dão conta que a Intel detém 99% do mercado dos processadores para centros de dados.

“Percebemos que o data center ocupa o espaço essencial porque está justamente entre o PC-Cliente e o utilizador final. O data center é próspero”, diz Alexandre Santos a propósito deste mercado.

Se ainda está a pensar nos ‘99% de quota de mercado’ não o censuramos. Não é fácil encontrar segmentos onde exista um domínio tão… explicito? Mas a verdade é que as necessidades de computação estão a mudar e isso está a obrigar outras tecnológicas a mexerem-se, como a Google.

A gigante dos motores de busca agora também é oficialmente uma produtora de processadores – e mais uma força, neste caso oposta, no turbilhão da mudança da Intel. Está a desenvolver processadores específicos, chips que a empresa precisa para os seus esforços no segmento da inteligência artificial. Isto faz soar o alerta na sede da Intel?

Sim, de forma moderada. “Não me choca [a iniciativa da Google]. Pelo contrário, é uma dinâmica bastante interessante para a Intel também poder participar”, atirou o responsável da Intel Portugal.

“O que se fala agora é que eventualmente os chips podem não ser da Intel. A Intel também está preparada para essa matéria. A Intel não faz só Xeons. Faz também processadores diferentes para objetivos diferentes”.

“Isso chama-se FPGA dentro da Intel. E o investimento que a Intel fez foi para essas necessidades. Nós conseguimos ter chips que incluem características on demand. Eu quero voltar à nossa premissa inicial que é: fazemos chips para máquinas de calcular e sempre que a máquina de calcular fizer um cálculo diferente nós recorríamos a uma reprogramação e não faríamos um novo chip. É isso que a Intel neste momento está a preparar: responder a especificidades”.

Os field-programmable gate array (FPGA) são circuitos integrados que podem ser configurados pelo próprio cliente. Imagine estes chips como discos regraváveis: foram feitos para guardar uma grande variedade de material e podem ser usados no seu ciclo de vida em diferentes projetos e com diferentes propósitos. No caso dos FPGA basta reprogramá-los.

Não há dúvidas que o segmento da inteligência artificial e do machine learning vai requerer também grandes quantidades de chips. É caso para dizer que a Intel está em todas.

Quer mais um exemplo? Outra das prioridades da empresa para os próximos anos é o segmento da Internet das Coisas (IoT na sigla em inglês). Isto acontece pois se agora a maior parte dos equipamentos ligados à Internet tem um humano associado, as comunicações máquina a máquina (M2M na sigla em inglês) estão a crescer a grande ritmo.

Um estudo da GSM, a associação que representa dezenas de operadores de telecomunicações em todo o mundo, concluiu que entre 2015 e 2020 as comunicações machine to machine vão ter um crescimento anual de 25%. Daqui a quatro anos existirão mil milhões de conexões M2M.

Uma representação do mundo digital e conectado. Crédito: GDJ / Pixabay

Serão carros, frigoríficos, máquinas de lavar, televisores, câmaras de segurança, escovas de dentes… a evolução está a criar um caminho no qual todos os equipamentos de eletrónica acabarão por estar ligados à ‘grande rede’.

Uma vez mais a Intel quer estar lá, sendo a porta de comunicação entre os tais equipamentos e os sistemas de computação na nuvem. Conclusão? A Intel quer ter forte presença em dois dos três elementos da Internet do futuro, garantindo ainda alguma participação na terceira categoria [computadores e dispositivos móveis].

“Nós não vamos querer saber quem é o sensor ou o que é o sensor. A nós não nos interessa esse mundo. A nós o que nos interessa é a capacidade de computação por detrás de cada sensor. E depois a transcrição desses sinais em algo útil que possa ser processado em inteligência útil ao negócio. O sensor não é a nossa grande preocupação. Nós não sabemos o que vai vingar. Sabemos é que por trás de cada uma dessas iniciativas tem de haver uma necessidade de computação”.

As palavras de Alexandre Santos não podiam ser mais explícitas. Mas também revelam uma necessidade, uma ‘debilidade’ na empresa. Conhecemos sobretudo a Intel pelo hardware, ainda que tenha mão nas camadas mais básicas de software. Daqui para a frente precisará de ser muito mais ativa na vertente de serviços. O responsável para Portugal admitiu isso mesmo ao reconhecer que “neste momento de mudança a Intel, como nenhuma outra empresa, pode dar-se ao luxo de dizer que não está do lado da solução”.

Para isso serão importantes aquisições ou investimentos, área onde Portugal pode ajudar um pouco.

Intel com interesse em empresas portuguesas

Sem nomes específicos, que Alexandre Santos não avançou, é difícil quantificar este interesse. Mas uma confirmação de interesse já é positivo para o país. É tão positivo como as declarações do presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Miguel Frasquilho, quando em abril disse que as cinco maiores tecnológicas do mundo tinham interesse em Portugal. É reconhecimento, dos melhores do mundo. Tem de ser bom, mesmo que depois concretize-se em poucos exemplos.

“A Intel Capital olha para empresas cross border, incluindo empresas em Portugal e Espanha, tivemos em Portugal recentemente um conjunto de apresentações de Intel Portfolio Companies – quer dizer que são empresas nas quais a Intel já investiu ou está em vias de investir. E trazemos aos nossos parceiros de negócio em Portugal players de áreas desde o retalho à indústria, para apresentar os nossos parceiros pois alguns deles são convergentes”, detalhou um pouco mais Alexandre Santos.

Há ou não interesse em empresas em Portugal? “Há. Obviamente que há”, confirmou. Mas, mais uma vez reforçamos, não foi adiantado qualquer nome ou negócio em particular.

O Web Summit, o maior evento de empreendedorismo do mundo, também vai ajudar a colocar Portugal e as suas empresas na rota dos grandes tubarões. “O Web Summit aproxima-se, vai estar aqui por três anos e a Intel obviamente não está alheia a esta circunstância. Vamos ter um conjunto de iniciativas que sejam convergentes”, concluiu.

Conclusão: Portugal não é, mas ainda pode vir a ser uma das forças de mudança na Intel. Talvez numa escala muito mais pequena, mas o que conta é fazer parte do movimento e ajudar a provocar alterações mais significativas, aquelas que vão mudar a vida das pessoas. No final de contas a Intel pretende ser um dos pilares desta transformação digital. Não estará sozinha nessa corrida e tal como um velejador terá de saber adaptar-se ao sabor dos ventos. É justamente o que está a fazer atualmente.



Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
Artigo sugerido