‘O que é que tu pensas?’, ‘O que é que tu achas?’, ‘Como é que te sentes sobre?’, ‘O que pensaste quando viste?’.
Quando alguém tem a rara oportunidade de falar com Edward Snowden, o norte-americano responsável pela divulgação dos maiores programas mundiais de espionagem, a tentativa é sempre de conseguir uma abordagem mais pessoal e focada no homem. Houve mesmo um elemento da plateia que durante a sua intervenção disse que ele é “um verdadeiro herói”.
Snowden nunca responde na mesma moeda. Tendo em conta o favor que fez ao mundo, facilmente poderia enveredar por um papel de alvo constante ou até de mártir. Nunca o fez e hoje voltou a mostrar que todas as suas ações tiveram um propósito bem claro: abrir os olhos do mundo.
Pela primeira vez Edward Snowden participou numa conferência organizada em Portugal. Naturalmente que não marcou presença física, fruto do seu asilo forçado na Rússia, mas partilhou as suas ideias com dezenas de pessoas através de um robô de telepresença.
“Devíamos poder pegar no smartphone sem termos que nos preocupar com aquilo que vão ouvir de nós daqui a dez anos”. Esta foi uma das ideias mais fortes que Snowden passou à audiência que hoje esteve reunida no segundo dia das Estoril Conferences.
Snowden é hoje um símbolo da luta pela privacidade online. Mas entretanto tornou-se mais do que isso: é agora um símbolo da luta pelos direitos do Homem, pela liberdade de expressão e pela liberdade de imprensa.
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“Nunca estivemos tão seguros, livres e confortáveis. Mas todos conseguem sentir qualquer coisa no ar”, referindo-se às constantes tentativas de controlo de informação por parte de entidades governamentais e empresas privadas.
“Os nossos smartphones são ferramentas de controlo muito mais precisas do que qualquer busca que possam estar a fazer à nossa casa”, asseverou o delator norte-americano.
É difícil ouvir Edward Snowden e não pensar na possibilidade de que, neste exato momento, podemos estar a ser acompanhados por alguém, mesmo sem o sabermos. Bastaram, por exemplo, umas pequenas interferências no sistema de teleconferência para o próprio Snowden brincar com a situação: “Espero que não tenhamos mais problemas, talvez sejam agentes espiões”.
Foi este o impacto que provocou no mundo com as suas revelações: não só colocou o tema da privacidade digital no topo das discussões, como conseguiu ao mesmo tempo passar uma mensagem fortíssima sobre como essa privacidade pode não ter grande significado perante os objetivos de outros.
“Nós não temos de saber o nome de todos os terroristas, de todos aqueles que estão em investigação. Mas temos de saber quais os poderes que os governos usam em nosso nome e contra nós. (…) As pessoas não podem protestar contra aquilo que não conhecem”, defendeu Snowden.
“Alguma coisa tem de ser feita senhoras e senhores. Temos novas tecnologias, novas capacidades para dar mais força aos direitos humanos”, acrescentou logo de seguida.
Sobre as suas revelações, Edward Snowden diz que foram uma “ação necessária”, mas também foi avisando que será preciso muito mais para que as mudanças sejam efetivas. Para Snowden o segredo contra um mundo dominado por intenções e programas secretos está na cooperação e entreajuda transparente que os países podem ter entre si.
“O governo não vai agir de acordo com o interesse do público, a não ser que tenha de o fazer. (…) Não podemos esperar para sermos salvos, não podemos esperar que haja um político que o faça. (…) Poderás nunca estar seguro em qualquer país. Mas se criarmos mecanismos, laços de fraternidade entre países e comunidades, de forma política e justa, podemos criar um ambiente mais justo para nós e para as nossas crianças”.
Apesar de todas as críticas que continua a sofrer, sobretudo oriundas do seu país de origem, Snowden diz que mesmo passados quatro anos as entidades dos EUA continuam sem provar publicamente o mal que as suas revelações possam ter causado – uma ideia que foi invocada várias vezes para recriminar a divulgação das informações.
Quando questionado sobre a possibilidade de um dia regressar aos EUA, o delator norte-americano teve um estirada interessante: “Está mais próximo a cada ano que passa”.
Snowden usou depois um exemplo de um antigo delator norte-americano que também foi fortemente criticado em praça pública, mas que com o passar dos anos a população dos EUA começou a perceber que não tinha sido um ato contra a pátria, mas um favor que tinha feito a todos eles.
O próprio Edward Snowden já disse que se disponibilizava a comparecer perante a justiça norte-americana, mas apenas sob uma condição – poder dizer ao juiz o motivo pelo qual fez as revelações que fez. Os EUA nunca aceitaram esta ‘exigência’, algo que continua a prender o ex-agente da CIA à Rússia.
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Foi já no final da sua segunda intervenção que Edward Snowden abordou o asilo na Rússia. O especialista em segurança informática diz que foi empurrado para o país liderado por Vladimir Putin, depois de o avião onde estava a ser transportado ter sobrevoado 21 nações que ou negaram o seu pedido de asilo ou simplesmente não responderam.
Snowden diz que os EUA chegaram mesmo a pedir a alguns países que interditassem os seus respetivos espaços aéreos a um voo diplomático da Bolívia, por pensarem que era nesse voo que estava Snowden. Acabou por ser o bloqueio do seu passaporte que o fez ficar na Rússia.
“Não sou russo. Nunca pedi para ser. Quero o melhor para os russos. (…) Não interessa se sou uma boa pessoa ou uma má pessoa. O que interessa são os factos”.
Apesar de a sua cabeça continuar a ser um dos prémios mais desejados nos EUA, para Snowden a sua missão é bem clara: “Quero ajudar os EUA. Quando isso estiver concluído, talvez vá salvar o resto do mundo”. Este foi, aliás, o único momento onde vestiu a capa de herói que tantos fazem questão de lhe colocar.