ARM e Softbank. Está concluído um dos negócios do ano, agora é rentabilizá-lo

Pelos valores envolvidos – 23,4 mil milhões de libras, o equivalente a 27,9 mil milhões de euros -, pelo comprador inesperado – a gigante japonesa das telecomunicações Softbank – e pela velocidade com a qual o negócio ficou concluído – a aquisição foi oficializada a 18 de julho -, a venda da ARM será sem dúvida um dos momentos tecnológicos do ano.

Devido ao perfil ligado maioritariamente ao sector das telecomunicações da Softbank, o negócio com a ARM não é considerado como uma aquisição entre tecnológicas. Se fosse, entrava diretamente para o segundo lugar da tabela, destronando da posição a compra do LinkedIn pela Microsoft.



Agora que as formalidades estão formalmente ultrapassadas, é altura de os executivos e das mentes criativas das duas empresas começarem a estudar de que forma vão rentabilizar este negócio.

A ARM ganhou uma importância muito grande nos últimos anos no segmento dos dispositivos móveis, com os seus designs de processadores a serem usados na esmagadora maioria dos smartphones que existem no mercado. Os processadores Exynos da Samsung? Baseados em ARM. Os poderosos Snapdragon? Baseados em ARM. Os ‘novatos’ Kirin da HiSilicon? Baseados em ARM.

A Intel ainda tentou concorrer, mas por ter chegado tarde à corrida vai agora também ela usar os desenhos da ARM no fabrico de processadores móveis.



A ARM ganhou esta corrida pois conseguiu conjugar nos seus chips justamente aquilo que o segmento dos dispositivos móveis precisava: poder suficiente para alimentar um computador de bolso, mas um consumo energético relativamente modesto que não obrigasse o utilizador a carregar o telemóvel a cada três horas.

A questão é que esta força no mercado dos dispositivos móveis e este balanço tecnológico conseguido com muitos anos de desenvolvimento nos seus chips colocam a ARM numa posição privilegiada para um outro segmento tecnológico que deverá ‘rebentar’ nos próximos: robótica.

Não é preciso recorrer a um especialista para percebermos que esse é um dos grandes interesses da Softbank na ARM. A Softbank tem nos últimos anos criado várias iniciativas relacionadas com robôs, sendo a mais conhecida o Pepper.

A família de robôs da Softbank: à esquerda o NAO, ao centro o ROMEO e à direita o Pepper. #Crédito: Softbank

Este humanoide tem um formato amigável justamente para quebrar a barreira psicológica que possa haver de ‘os robôs vão acabar com os humanos’. É uma aposta que a Softbank vai querer fazer a longo termo e a ARM parece ser justamente o parceiro mais indicado para que a produção desta nova realidade possa começar ‘dentro de casa’.

Mas antes de chegarmos a um cenário onde todos vamos ter um robô-humanoide em casa a fazer-nos companhia, a Softbank vai tirar partido do cada vez maior interesse que já existe por alguns subsectores da robótica: drones, brinquedos inteligentes, carros autónomos, frigoríficos, máquinas de lavar e muita outra eletrónica que venha a fazer parte da Internet das Coisas (IoT na sigla em inglês).

O robô-brinquedo BB-8 da saga Star Wars tem um chip ARM no seu interior

É curioso como a ARM e a Intel parecem ter escolhido caminhos justamente opostos: enquanto é previsível que seja a ARM a alimentar muitos dos equipamentos inteligentes que no futuro vão estar ligados à ‘grande rede’, a Intel acredita que vai poder crescer do lado dos servidores justamente porque haverá um grande número de máquinas a criar um grande volume de dados e a exigirem um elevado nível de processamento.

Mesmo dentro do segmento dos servidores a ARM pode vir a ter algo a dizer. As grandes tecnológicas como a Google já repararam que vão precisar de uma quantidade enorme de servidores e centro de dados para darem resposta ao mundo cada vez mais conectado. E sabem que a melhor resposta será sempre dada se tiverem hardware próprio alinhado com as necessidades dos serviços.

Sim, as grandes tecnológicas também vão querer controlar de ponta-a-ponta a interação online de um utilizador. Isto será ainda mais crucial do ponto de vista da segurança.

Mas este só será um mundo possível se existir uma boa dose de inteligência artificial. E aí também a ARM parece estar bem posicionada: já são os seus processadores que alimentam as atividades da Siri e da Alexa, por exemplo.

Realidade virtual. Um segmento que está a expandir, sobretudo em propostas de hardware. Basta olharmos para o Snapdragon VR820 para perceber como também neste novo mercado tecnológico a ARM vai ser o elemento sombra: nunca se vê, todos sabem que marca presença.

Se toda a importância parece estar do lado da ARM, a Softbank terá um papel estratégico a desempenhar. Em primeiro lugar terá de concretizar a visão que tem para este negócio, caso contrário será uma fatura pesadíssima que os investidores não vão gostar de receber.

De seguida a Softbank vai ter de gerir bem o espectro de licenciamentos dos chips ARM sob pena de favorecer uns, em detrimento de outros. Se isto acontecer rapidamente alguns clientes podem fugir para a Intel, pois a Intel não desaprendeu a fazer chips.

Depois será a Softbank que terá de garantir o músculo financeiro para que a ARM tenha condições para desenvolver o trabalho que lhe é esperado: criar chips cada vez mais eficientes, cada vez mais poderosos e cada vez mais flexíveis em termos de tecnologia – inteligência artificial, segurança – vai exigir muita investigação e muita inovação. Tudo isto terá um preço muito além dos 23,4 mil milhões de libras já pagos em dinheiro.

A Softbank acredita que a ARM está em posição de fazer na Internet das Coisas o mesmo que conseguiu fazer com o segmento dos dispositivos móveis. Se for verdade, então o valor do negócio pode vir a ser uma pechincha.

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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