Já por duas vezes o líder máximo da marca da maçã, Tim Cook, veio a público dizer o quão importante a realidade aumentada é para a sua empresa. Ainda que o diretor executivo esteja possivelmente a preparar a chegada de um grande anúncio, está ao mesmo tempo a aumentar a pressão para o seu lado – se não entregar nada de novo neste segmento as críticas não se farão tardar.
O ditado português de ‘muita parra e pouca uva’ parece ser neste momento aquele que melhor se enquadra com a Apple relativamente ao segmento da realidade aumentada: vemos de facto muito palavreado, algumas promessas e até alguns indicadores interessantes, mas a verdade é que a Apple ainda não fez nada de concreto que justifiquem as declarações de Tim Cook.
A primeira aconteceu no final de julho durante a conferência com os investidores após a apresentação dos resultados do segundo trimestre do ano. Tim Cook foi questionado sobre o fenómeno Pokémon GO e sobre as suas perspetivas relativamente ao futuro da realidade aumentada (AR na sigla em inglês).
[Pokémon GO] mostra que a AR pode ser muito boa. Temos estado e vamos continuar a investir muito nisto. Estamos com afinco na realidade aumentada no longo termo, pensamos que existem grandes coisas para os consumidores e uma grande oportunidade comercial. A primeira coisa é assegurar que os nossos produtos trabalham bem como os produtos de outros programadores, como o Pokémon, e é por isso que vemos tantos iPhone lá fora na captura de pokémons”, disse.
Depois acrescentou: “A realidade virtual pode ser enorme”.
De uma assentada só Tim Cook deu indicações de haver um forte desejo da Apple em explorar o segmento da realidade aumentada.
Já esta semana numa entrevista ao The Washington Post o diretor executivo da tecnológica foi um pouco mais taxativo e disse:
“Penso que a realidade virtual é extremamente interessante e uma espécie de tecnologia nuclear. Portanto, sim, é algo no qual estamos a fazer várias coisas atrás da cortina [risos].
É ou não arrojado considerar já a realidade virtual como uma tecnologia nuclear sem ter revelado qualquer projeto nesta área? As declarações denotam claramente um ‘fraquinho’ do CEO da Apple por esta tecnologia, mas Tim Cook pode estar a ser demasiado entusiasta para algo que pode demorar a chegar – lembramos, foi o próprio quem disse que era uma aposta a longo termo.
Além das declarações do CEO, que outros indicadores existem sobre o interesse da Apple no segmento da realidade virtual?
AR ou VR?
No início do ano o The Financial Times avançou uma notícia na qual dizia que a Apple estava a reunir uma vasta equipa de especialistas nos segmentos da realidade virtual e da realidade aumentada. O objetivo, lê-se, era criar um equipamento que pudesse ser concorrente dos Oculus Rift e dos Microsoft HoloLens.
A Apple teria mesmo recrutado alguns elementos da Microsoft que trabalharam nos óculos de AR e outras pessoas com experiência no segmento da realidade virtual e que tiveram origem na Lytro.
Isto em janeiro. Depois das declarações de Tim Cook parece certo que o segmento da realidade aumentada é o escolhido da Apple.
A seguir podemos olhar para o campo das aquisições para percebermos que onde de facto há fumo, deverá haver fogo. Em 2013 a Apple comprou a PrimeSense, a empresa israelita que esteve por trás do desenvolvimento do sensor Kinect da Xbox 360.
A tecnologia da empresa usava um sensor de infravermelhos para reconhecer os objetos e possíveis movimentos que existem num determinado ambiente. Perante tal informação detalhada é possível criar uma camada digital que se sobrepõem de forma correta e alinhada aos elementos físicos, criando a dita realidade aumentada.
Ainda que não use a mesma tecnologia, podemos usar o exemplo do Snapchat para perceber melhor esta ideia: com a ajuda dos sensores fotográficos dos smartphones é feito um reconhecimento a pontos-chave da cara dos utilizadores, pontos esses que são depois usados como referências para a criação de ‘filtros em direto’. Sim, o Snapchat também tem uma componente de realidade aumentada.
Alguns trimestres depois, em maio de 2015, a Apple comprou a empresa Metaio, também especializada em realidade aumentada. A tecnologia desenvolvida por esta startup acrescentava uma camada digital que trazia maior contexto ao local onde estava o utilizador.
A Ferrari chegou a criar um showroom virtual para os seus clientes com a ajuda da Metaio e também a cidade de Berlim usou a tecnologia para promover pontos de interesse na cidade como o Muro de Berlim.
Em agosto desse ano a Apple adquiriu uma outra empresa, FaceShift. Com este negócio ganhou acesso a uma tecnologia que permite transformar uma pessoa numa personagem animada sem grande esforço para o utilizador. Melhor do que contado só mesmo visto em ação.
Já este ano a Apple comprou a Emotient, uma empresa que desenvolveu um software que analisa as expressões emocionais dos utilizadores. Ainda que este lado da tecnologia também possa ser usado no segmento da realidade aumentada, é no poder de análise de dados em tempo real das caras dos utilizadores que está o grande potencial da Emotient.
Conjugada com as tecnologias das empresas já referidas a Apple poderia criar uma poderosa ferramenta de reconhecimento físico e posterior sobreposição digital.
Por fim é ainda de referir a aquisição da Flyby, uma empresa que criou uma rede social de contexto. O objetivo desta plataforma era fazer com que os utilizadores associassem mensagens a locais ou objetos que outros utilizadores podem depois encontrar.
Um exemplo. Um turista fotografava a Torre dos Clérigos no Porto e dizia ‘muito bonita’. Outro turista quando chegasse à mesma localização e apontasse o smartphone ia ter acesso às mensagens já escritas por outras pessoas. Para conseguir fazer isto a aplicação tem de ter um grande poder de reconhecimento visual e esta será certamente a vertente que mais interessa à Apple.
As aquisições referidas são algumas das conhecidas. O próprio Tim Cook admitiu que a Apple tem comprado entre 10 a 20 empresas por ano nos últimos cinco anos e nem todos os negócios são imediatamente conhecidos.
Software aumentado
Pensar que a aposta da Apple no segmento da realidade aumentada pode vir exclusivamente de um peça de hardware é errado, ainda que possa ter o seu fundamento – não é tradição ver a Apple desenvolver soluções que funcionam exclusivamente em hardware externo. Mas o hardware pode já estar criado – iPhone, iPad e Apple Watch.
Será mais simples começar por abordar o segmento da realidade aumentada através do software pois permitirá testar conceitos, perceber em que casos funciona melhor e o que é necessário melhorar para tornar a tecnologia mais apelativa para o maior número possível de pessoas.
A empresa belga Underside criou a ARWatch, uma aplicação que permite experimentar o Apple Watch antes de o comprar
Este é sem dúvida um momento interessante para abordar o tema da realidade aumentada – tanto da parte do Tim Cook como da nossa.
Numa altura em que se diz que a nova versão do iPhone vai trazer poucas alterações físicas – aquelas que os consumidores mais gostam de ver -, talvez a Apple consiga reverter os efeitos de uma possível desilusão anunciando algo no segmento da realidade aumentada.
Destaque para um pormenor que tanto pode ser visto como uma teoria de conspiração ou como mais uma migalha deixada pela Apple: a tecnológica de Cupertino que raramente comenta temas, rumores, números, o que quer que seja, emitiu uma declaração ao TechCrunch onde confirmou que Pokémon GO foi o lançamento mais popular de sempre na App Store numa primeira semana – o mesmo jogo que tem sido apelidado como o grande desbloqueador do segmento da realidade aumentada junto dos consumidores.
A aplicação de mapas e a aplicação nativa de fotografia do iOS são bons candidatos onde a marca da maçã pode começar a testar as tais tecnologias que tem desenvolvido e adquirido. Mas já não deverá ser este ano que a realidade aumentada entra em ação – já vimos as principais novidades do iOS 10 e não há nada que deixe antever uma mudança drástica até ao seu lançamento nos próximos meses.
Mas seja na realidade aumentada ou na realidade virtual, certo é que a Apple precisa de anunciar algo nestes segmentos nos próximos tempos. Até agora é das poucas grandes tecnológicas que não tem qualquer iniciativa pública nestes domínios. E quanto mais demorar, mais a Google, o Facebook, a HTC, a Amazon e até a Intel vão assumindo a liderança na cabeça dos consumidores.