Super Mario Bros. Wonder – Para ser jogado dos 8 aos 80

Esta análise/estória relata factos de vida com fundo de verdade e amor. Não é a análise a um jogo, mas sim uma retrospetiva de como uma saga de pequenos canalizadores de bigodaça à Chalana pode transformar a vida de quem os vivencia. Se pretendem uma dissecação maquinal dos pulos e barulhos de Super Mario Bros. Wonder, não é aqui que a vão conseguir e haverá muitas por aí nos sítios do costume.

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Mas se quiserem ficar connosco, obrigado desde já. Vão ver que talvez valha a pena.

No princípio era o verbo (lutar)

A vida nunca foi fácil, diz o remediado. Entre roupas da Cruz Vermelha que faziam mais comichão do que aqueciam, lanchezinhos de pão duro com margarina da vizinha que sorria e de biscates desde novo para contribuir para a dose semanal de proteína, o Menino crescia vidrado em ecrãs de salões de jogos onde não podia sequer entrar. A azáfama sonora daquele local, de cheiro bafiento a roupas húmidas e a cigarros surripiados dos bolsos furados de casacos parentais era hipnotizante. E as paletas de cores que se podiam vislumbrar no canto de cada máquina de jogos era como se obras de arte estivessem a ser construídas a cada movimento do comando, a cada moeda que tilintava no fundo. Mas tudo visto de cá de fora, que sem dezasseis ninguém entrava, muito menos o Menino, mais baixo que os do seu tempo, menos bem apresentado do que aqueles que podiam viver a vida como ele desejaria, cinquenta escudos de cada vez.

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O objetivo era crescer depressa ou jogar em casa. As primeiras consolas começavam a aparecer, mas serviam apenas para intensificar a injustiça da vida: nunca poderia ter uma se faltasse sempre algo mais essencial. Mas sabia que este mundo seria um dia também o seu. Palavra de Menino.

Bigodes e jardineiras em 8-bits

Numa era de euforia pré-Playstation, o menino viu nascer ao lado da sua casa de fim de tarde onde não podia ainda entrar uma loja que vendia tempo em consolas. Ele já tinha tido um Spectrum apanhado na beira de um contentor, sendo durante algum tempo o seu tesouro, onde se podia abstrair de tempos e situações que não voltam mais, e ainda bem. A sua preferida de observar enquanto emanava a respiração contra o vido da loja, de nariz esmagado (que visão terrível para quem estivesse do lado de dentro!) era a pequena e já ultrapassada NES, em tempos que Super Nintendo e até Nintendo 64 colhiam as simpatias. Eram muitas as tardes que esta franzina e pouco bela esteticamente consola passava só, entre o menu de início e a demonstração de um nível.

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O menino ficou imediatamente vidrado nos saltarilhos acelerados de uma personagem que passava entre blocos de dúvida, cogumelos de ar desconfiado e tartarugas armadas até às carapaças. O lado romântico duma princesa em perigo criava já um sentimento de restauração de justiça no Menino. Era preciso salvar a realeza! Mas o vidro do lado de fora fazia dele um eterno salvador em potência que nunca pôde demonstrar o seu real valor. Os atos heróicos tinham o seu preço. E ele não o poderia pagar. Mas Super Mario Bros ficou encapsulado para sempre em si. Mesmo só o conseguindo experimentar anos depois.  

3 Dimensões, Odisseias e agora a Surpresa

O Menino tornou-se o Crescido e esta saga acompanhou a sua vida. Era o seu ponto de refúgio. As várias iterações com saltos gráficos avançados e surpresas a cada nível não eram mais do que o material do casulo que rodeava o agora Crescido. Quando o silêncio familiar ensurdecia, quando as discussões e o medo se instalavam em casa, o casulo surgia a um clicar de botão. E tudo ficava para trás, olvidado, posto num canto da mente que só voltaria com novo carregar de botão. Para ele, jogar não era só um prazer, mas sim um escape para um mundo onde apenas dependia de si e da sua destreza para ser valorizado.

De jogo em jogo, de escape em escape, o Crescido tornou-se Grisalho. O tempo livre rareia, as agruras da vida deixam-no por vezes cabisbaixo e taciturno.

E eis que Super Mario Bros. Wonder surge e é dopamina pura. Muito diferente de tudo o que veio antes, mas o mesmo de sempre. Não há grande estória como sempre: sem princesa para salvar, Bowser é desta vez um castelo gigante malvado. Pois. Estranho? Sim, este seria o nome alternativo a Wonder. Super Mario Bros. Freaky!

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Tudo soa e tateia de forma bastante intuitiva, tal como o Menino se lembrava. Goombas espezinhados, cogumelos de crescimento, bandeira para desfraldar no fim de cada mini-aventura. Mas as novidades fazem Menino, Crescido e Grisalho dançar de comando na mão em uníssono: somos paquiderme gentil, esmagando e trolitando na cara dos inimigos e regando plantas que crescem. Ou ainda quando a personagem, de inúmeras jogáveis, todos os nossos favoritos, parece ter engolido líquido de lavar loiça e solta bolas de sabão que imprisionam e servem de plataformas para alcançar o outrora inalcançável.

Muitos inimigos novos de estranhas características adaptam-se na perfeição aqui: Plantas Piranha que correm agora pelo nível, bisontes azuis em manadas desenfreadas e outros que o grisalho prefere não dizer, porque o segredo é alma do jogo.

Uau, isto é real?

Como se estivéssemos a experimentar cogumelos de efeitos alucinogénicos, Super Mario Bros. Wonder apresenta-nos Flores Maravilhosas, levando-nos para um subnível em que o estranho e o divertido não têm fronteiras, mudando toda a estrutura racional do mesmo. Sermos Goomba, o espezinhado, nadarmos em lava, os tubos perseguirem-nos, termos 3 metros de altura, níveis sem luz, musicais que nos obrigam a saltar com ritmo, são apenas algumas das maquinações completamente fora da caixa que o jogo nos lança. Objetivo? Recuperar Sementes Fenomenais e Magnas, item que nos permite avançar de áreas. A surpresa é constante e foram várias as vezes que o Grisalho quase deslocou o queixo em surpresa.

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O mais experimentado dos jogadores da saga vai encontrar aqui desafios, mas esta é a iteração mais acessível desde há muitos anos. Não temos que completar cada nível por ordem, podemos ir traçando o nosso caminho. E para os menos hábeis no carregar de botões, há uma série de personagens que não sofrem dano, mas também não podem usufruir das várias mutações escondidas dentro dos blocos. Falo dos vários Yoshis e de Coelharápio, personagem icónica que regressa e com ele também o seu nome bem parvo.

Temos ainda inúmeros distintivos que podemos comprar e desbloquear, como começar com um cogumelo, correr mais depressa, saltar mais alto e outras mecânicas que podem ajudar a ultrapassar aqueles níveis classificados com quatro estrelas, os mais difíceis que irão enfrentar.

Pena a maravilha acabar depressa. Com apenas seis mundos para explorar, ligados de forma inteligente. Terminei em nove horas e meia. Mas é agora que o verdadeiro desafio começa, pois o objetivo é apanhar tudo e descobrir outro tanto.

Considerações finais

Grisalho – Este é o meu preferido. Do lado estranho que depois se entranha, da acessibilidade que inclui todos mas que também potencia a diferença. Super Mario Bros. Wonder tem aquele carisma que só esta franquia tem, e transporta-a literalmente para uma dimensão que não esperava. Novas direções de níveis, música que soa confortavelmente obtusa e adição dos distintivos que permitem personalizar a forma como se joga cada passeio em busca de sementes e flores.

SMB Wonder é o mesmo de sempre e ainda assim não tem nada a ver com qualquer jogo anterior. E não há maior elogio que se possa fazer a uma obra de arte.

Crescido – Tem muitos níveis fixes que apresentam desafios. Liguei a consola à TV porque gráficos destes merecem ser vistos em grande, 30 polegadas! Quando o estou a jogar desligo do que se passa no mundo. E preciso disso para que o que me rodeia não se torne assoberbador e não me engula. Tenho paz de comando na mão.

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Menino – Posso ir jogar outra vez, mãe? Já fui a casa da vizinha ver do pão e amanhã tomo banho, prometo! Jogo sempre com o Luigi. Ou com a Peach. E tento sempre que fiquem com a forma do elefante, ficam super queridos! E quero regar todas as plantas daquele mundo, há sempre uma surpresa que sai de lá!

Aliás, mãe, hoje não vou para a porta do salão de jogos. Fico aqui a jogar. E fico contigo. Se alguém te fizer mal eu estou aqui. Palavra de Menino.

Como é que se diz “estranha perfeição” em japonês?


+ Personalidade de ambientes e personagens
+ Efeitos das Flores permitem níveis refrescantes
+ Atenção ao detalhe

– Tão curto…

N.R.: A análise a Super Mario Wonder foi realizada numa Nintendo Switch com uma cópia do jogo, gentilmente cedida pela Nintendo Portugal.

Paulo Tavares: Professor de ocupação, jogador por diversão. Guarda religiosamente as cassetes do seu Spectrum 128k. Leva demasiado a sério a discussão de melhor Final Fantasy. 7, fim de conversa.
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